Sem concessões
Pedro J. Bondaczuk
O presidente argentino, Raul Alfonsin, na data em
que completa o segundo aniversário da consagradora eleição para a presidência
da República de 1983, está em vias de obter outro magnífico triunfo. Desta vez,
em favor do seu partido, a União Cívica Radical, favorito destacado em todas as
prévias para vencer o pleito deste domingo, destinado, entre outras coisas, a
renovar a metade dos integrantes da Câmara dos Deputados. A divergência
existente entre uma pesquisa e outra é apenas quanto ao tamanho desse sucesso.
O presidente pode, na melhor das hipóteses, elevar ainda mais a maioria
parlamentar de que dispõe nessa casa, que já é bastante folgada e, na pior,
conservar simplesmente a situação atual. Mas que sua agremiação vai vencer as
eleições, isso é líquido e certo.
O notável em sua performance, no correr de dois anos
de gestão, (quase sempre atribulados por problemas de naturezas as mais
diversas), é que seu prestígio praticamente se manteve intacto, mesmo após
haver tomado algumas decisões controvertidas e impopulares. Seu acerto com o
Fundo Monetário Internacional, por exemplo, nunca foi visto com muita simpatia
por vastos setores da população argentina. Alfonsin, aliás, protelou o quanto
pôde para assumir essa postura. Em várias oportunidades viu o país correr
sérios riscos de inadimplência completa, tendo que recorrer a empréstimos de
emergência (em duas oportunidades com os préstimos do Brasil) para saldar
compromissos em cima da hora.
Hoje o país é visto com olhos diferentes pelos
banqueiros e pelas entidades internacionais. É encarado com respeito, como
tendo um governo respeitável e sinceramente empenhado em encontrar uma solução
para o problema da dívida que não seja lesiva a ninguém. Nesse particular,
substituiu até o México como paradigma do devedor bem comportado.
Outro caso que gerou grandes controvérsias internas
foi a reforma econômica que Alfonsin determinou em julho passado, quando a
inflação argentina ultrapassava uma taxa acumulada de 1.000%. É verdade que a
medida de impacto que tomou teve um forte caráter recessivo. Aumentou de
maneira notável o número de falências e concordatas no país e, por
conseqüência, engrossou as taxas de desemprego, que já não eram baixas. Mas a
inflação foi subjugada e, passados quatro meses da sua implantação, pouca coisa
se diz contra esse ousado plano.
O plebiscito que o presidente convocou recentemente,
para que a população decidisse se estava de acordo com os termos do tratado que
pôs fim a uma longa controvérsia de fronteiras com o Chile, em torno do Canal
de Beagle e que quase levou os dois países a um confronto armado, já tinha
servido de termômetro da aceitação popular. Alfonsin foi, na oportunidade,
plenamente respaldado pelos eleitores. O comparecimento maciço, registrado
anteontem, no tradicional Estádio de La Bombonera, no popular bairro de La Boca
em Buenos Aires, ao comício de encerramento de campanha da União Cívica
Radical, foi outra prova inequívoca, não somente da popularidade que esse líder
goza, mas da estima e da confiança com que conta entre seu povo. E tudo isso
após enfrentar dois duríssimos anos, num país dividido por sérias controvérsias
e ainda traumatizado por um longo período de regime militar. É mesmo de se
tirar o chapéu para um estadista dessa natureza. Para um governante capaz de
realizar façanhas não muito costumeiras na América Latina. Ou seja, continuar
contando com apoio popular, sem adotar atitudes populistas. Obter sacrifícios
dos seus liderados, sem oferecer qualquer coisa em troca, a não ser incertezas.
Substituir um mito arraigado no coração do povo ao longo de 40 anos, como foi
Juan Domingo Perón, em apenas 730 dias de gestão. Adotar uma medida de exceção,
como o estado de sítio, sem ser considerado antidemocrata. Para um líder assim,
não é nada demais vencer folgadamente mais uma eleição.
(Artigo publicado na página 14, Internacional, do
Correio Popular em 31 de outubro de 1985)
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