Magia do circo
Pedro
J. Bondaczuk
O circo, como forma de
entretenimento, é uma das atividades mais antigas que se conhece. É possível
encontrar referências a ele datadas de uma época muito remota, remotíssima,
qualquer coisa em torno de 2000 antes de Cristo, se não anterior a isso.
Existe, portanto, há pelo menos quatro mil anos. Chineses, indianos, egípcios e
gregos, entre outros povos, tiveram sua espécie de circo. De uns anos para cá,
infelizmente, essa forma de entretenimento passou a correr riscos de extinção,
ofuscada não somente pelo teatro e pelo cinema, mas por veículos mais modernos
e muito mais ágeis de comunicação e de diversão, principalmente a televisão e a
internet. Com tudo e por tudo, no entanto, ainda resiste heroicamente.
O que ocorreria, porém,
caso esta civilização atual, como a que conhecemos e vivemos, este mundo
encolhido, esta aldeia global, viesse, não digo, a se extinguir, mas a se
desorganizar? Se, subitamente, nos víssemos privados de rádio, de televisão, de
cinemas, de teatro e até mesmo de cidades, como temos hoje, a que forma de
entretenimento recorreríamos? Teríamos pelo menos ânimo e disposição de nos
entreter? Presumo que sim. Essa é uma necessidade vital a nós, bichos humanos.
E tenho convicção de que, se esse colapso acontecesse (ou se acontecer, pois o
risco existe), nosso recurso de lazer se voltaria ou se voltará, mais uma vez,
para o velho e bom circo.
É assim que parece
pensar, também, a jovem escritora norte-americana Genevieve Valentine (nasceu
em 1° de julho de 1981), autora do instigante romance de ficção científica “O
circo mecânico Tresaulti”, lançado recentemente no Brasil e já considerado
sucesso editorial da temporada. A história que narra é arrepiante, dada a
possibilidade do cenário que imaginou vir a se tornar real. Deus que nos livre!
Mas...O mundo em que a talentosa ficcionista faz seus personagens insólitos,
por isso marcantes, desse seu primeiro livro, transitarem, é nossa Terra,
embora nem pareça. Não como ela é hoje, mas uma “pós-apocalíptica”. Ou seja,
posterior a uma guerra mundial, de caráter nuclear, em que, como dá para
imaginar, todos sairiam perdendo. A civilização se desorganizou. As cidades,
caóticas e arruinadas, sem organização e sem liderança, são praticamente meros
acampamentos de refugiados. Podem existir num dia e, no seguinte, desaparecer,
sem nem deixar vestígios.
Óbvio que não vou
resenhar o livro e sequer resumir o enredo, como é meu procedimento usual. Os
interessados que comprem essa obra ficcional, pois farão bom investimento. Só
posso adiantar que não é o mundo em que eu gostaria de viver. E muito menos é o
que sonho deixar, por herança, aos meus filhos, netos, bisnetos e vai por aí
afora. O cenário em que o enredo se passa é o oposto das utopias, dos sonhos de
muitos idealistas (entre os quais me incluo)_de sociedades ideais,
caracterizadas pela ordem, justiça social, solidariedade e felicidade geral.
Pelo menos a possível para nós, seres humanos. É, portanto, legítima distopia.
Valentine cria
personagens exóticos, bizarros, “diferentes”, que fascinam tanto pelo aspecto,
quanto pelas atitudes. A principal, a força motora, a que se destaca no enredo,
é uma mulher. Trata-se da proprietária desse circo peculiar, chamada Boss. Além
de ter personalidade forte e agregadora e notável capacidade de liderança, essa
figura conta com um talento ainda mais
especial, que a torna tão requisitada:
consegue recuperar corpos mutilados pela guerra e pelos efeitos da radiação. ‘Reconstrói” pessoas, ou algo parecido, como
se fora uma escultora. Cria, na verdade, seres híbridos, meio máquinas, meio
humanos, mediante utilização de complicadas engrenagens, de placas de ferro, de
rodas e pistões etc.etc.etc., nunca vistos por ninguém em lugar e em tempo
algum e que, por isso, se tornam atrações irresistíveis de seu circo
itinerante. E este percorre um mundo sem limites, sem fronteiras regionais ou
nacionais e praticamente sem nenhuma das características do atual, que marquem
uma civilização que, minimamente, mereça essa designação.
As apresentações de sua
troupe provavelmente serão únicas, porquanto as cidades em que se apresenta
talvez desapareçam logo: meses, semanas ou mesmo dias após a passagem dessa
companhia. O livro de Valentine – muito bem redigido, diga-se de passagem – é
original, originalíssimo, diferente de tudo o que já li. E olhem que sou tido e
havido como leitor compulsivo, como uma espécie de “rato de biblioteca”. É a
magia do circo entretendo os sobreviventes de um mundo agonizante e em ruínas.
/Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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