Obra sólida posto que
polêmica
Pedro
J. Bondaczuk
A obra literária de
Virgínia Woolf segue causando polêmica, mesmo passados 73 anos do seu suicídio
(completados em 28 de março de 2014). Uns, consideram-na ultrapassada e
envelhecida, o que, se fosse verdade, sequer causaria estranheza, dado o tempo
em que viveu, muito diferente deste início de século XXI. Outros tantos, no
entanto (entre os quais me incluo) acham que ela é atual, sobretudo no que se
refere ao comportamento das personagens, com seus dramas, amores, desamores,
alegrias, dissabores e relacionamentos, que, em sua essência, não mudaram tanto
assim. Apenas adaptaram-se à tal da tão apregoada “modernidade”.
A rigor, seus livros não são fáceis de ler.
Não, óbvio, porque, eventualmente, escrevesse mal, que não era o caso. Muito
pelo contrário. Escrevia bem demais! Sua literatura, contudo, foge do
convencional. Daí tantas comparações a outros ícones literários, feitas por
quem conhece sua obra (como a James Joyce, a Franz Kafka e a Marcel Proust, ou
a uma mescla de todos eles, reunidos). Muitos “críticos”, infelizmente, emitem
opiniões sem conhecimento de causa. Percebe-se, pelos comentários que fazem,
que sequer se deram o trabalho de ler qualquer dos livros de Virgínia Woolf. O
chato é que esses sujeitos “fazem cabeças” e espantam leitores que, dessa
forma, perdem a oportunidade de conhecer um tipo de literatura original,
criativo e, em muitos casos, genial.
Sua obra literária é
relativamente vasta, se levarmos em conta o tempo que ela viveu (59) anos e a
forma como as mulheres “intelectuais” eram tratadas em sua época. Eram,
sobretudo, mal vistas, quando exerciam atividades que fossem diferentes do
papel que a sociedade lhes atribuía. E este, salvo uma ou outra exceção, era o
casamento, a geração e criação dos filhos e os cuidados do lar. E só. Sua
presença em escolas e universidades era encarada com desconfiança e
preconceito. E o mundo literário era tido e havido como uma espécie de “clube
do Bolinha”, restrito exclusivamente a homens. Tanto que as academias de letras
de praticamente todas as partes passaram a aceitar, e assim mesmo com muitas
restrições, a presença de escritoras apenas recentemente, por volta dos anos 60
do século passado. Como se talento e competência fosse questão de sexo, o que,
claro, não é.
Virgínia Woolf publicou
17 livros, a maioria sem tradução para o português. Considero “Orlando” sua
obra-prima. Esse romance, publicado em 1928, é tão fora do convencional, que
merece comentários à parte (o que me proponho a fazer oportunamente). Sua
primeira obra, “The voyage out”, data de 1915. Já a última foi “Entre os atos”,
lançada em 1941, poucos meses após seu suicídio. Quatro de seus 17 livros se
destacam, por uma série de razões. O principal, como enfatizei, é “Orlando”.
Confesso que não li tudo o que Virgínia Woolf publicou, mas do que li, não
tenho nenhuma restrição a fazer, embora a leitura me exigisse grande “ginástica
mental” para acompanhar seu raciocínio e compreendê-lo.
Destaco, ainda, da sua
produção, os romances “Mrs. Dalloway” (1925) e “Passeio ao farol” (1927), além
dos livros de ensaios “Um quarto só para si” (1929) e “The Common Reader”, em
dois volumes (1925 e 1932, respectivamente). No ano da sua morte, foi lançada
uma coletânea de seus contos, abrangendo o período de 1917 a 1941, esta sim
traduzida para o português, sob o título (óbvio) de “Contos completos”.
O romance “Mrs.
Dalloway” serviu de inspiração para um filme de muito sucesso de Hollywood, que
valeu, inclusive, um Oscar à atriz Nicole Kidman, por sua interpretação de
Virginia Woolf. Trata-se de “As horas”. Essa produção cinematográfica é baseada
no livro do mesmo nome do escritor Michael Cunningham. O autor mescla, em sua
obra, várias histórias fictícias a episódios reais da vida da escritora
inglesa. Mistura, todavia, a personagem verdadeira, de carne e osso, no caso
Virgínia, com particularidades fictícias da protagonista do romance dela: as de
Mrs. Dalloway. É, sem dúvida, uma fórmula bastante original de fazer
literatura.
Agora, respondam-me com
sinceridade: estou ou não estou com a razão quando afirmo que a vida dessa
mulher totalmente fora dos padrões tido como normais da época é, se não mais
interessante, tão marcante quanto sua magnífica obra? Sua conduta, seu trauma
sexual, seus amores e desamores, suas dúvidas e contradições, tudo,
absolutamente tudo é fora do convencional. Sem falar da sua morte, mais
dramática do que a da maioria dos personagens de ficção que se conhece. A
enciclopédia eletrônica Wikipédia lembra que “em Mrs. Dalloway, Virginia
descreve um único dia da personagem, quando ela prepara uma festa”. É mais ou
menos como James Joyce fez em seu clássico “Ulysses”. E não houve plágio de
nenhuma das partes.
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