Tuesday, September 30, 2014

Obra sólida posto que polêmica

Pedro J. Bondaczuk

A obra literária de Virgínia Woolf segue causando polêmica, mesmo passados 73 anos do seu suicídio (completados em 28 de março de 2014). Uns, consideram-na ultrapassada e envelhecida, o que, se fosse verdade, sequer causaria estranheza, dado o tempo em que viveu, muito diferente deste início de século XXI. Outros tantos, no entanto (entre os quais me incluo) acham que ela é atual, sobretudo no que se refere ao comportamento das personagens, com seus dramas, amores, desamores, alegrias, dissabores e relacionamentos, que, em sua essência, não mudaram tanto assim. Apenas adaptaram-se à tal da tão apregoada “modernidade”.

 A rigor, seus livros não são fáceis de ler. Não, óbvio, porque, eventualmente, escrevesse mal, que não era o caso. Muito pelo contrário. Escrevia bem demais! Sua literatura, contudo, foge do convencional. Daí tantas comparações a outros ícones literários, feitas por quem conhece sua obra (como a James Joyce, a Franz Kafka e a Marcel Proust, ou a uma mescla de todos eles, reunidos). Muitos “críticos”, infelizmente, emitem opiniões sem conhecimento de causa. Percebe-se, pelos comentários que fazem, que sequer se deram o trabalho de ler qualquer dos livros de Virgínia Woolf. O chato é que esses sujeitos “fazem cabeças” e espantam leitores que, dessa forma, perdem a oportunidade de conhecer um tipo de literatura original, criativo e, em muitos casos, genial.

Sua obra literária é relativamente vasta, se levarmos em conta o tempo que ela viveu (59) anos e a forma como as mulheres “intelectuais” eram tratadas em sua época. Eram, sobretudo, mal vistas, quando exerciam atividades que fossem diferentes do papel que a sociedade lhes atribuía. E este, salvo uma ou outra exceção, era o casamento, a geração e criação dos filhos e os cuidados do lar. E só. Sua presença em escolas e universidades era encarada com desconfiança e preconceito. E o mundo literário era tido e havido como uma espécie de “clube do Bolinha”, restrito exclusivamente a homens. Tanto que as academias de letras de praticamente todas as partes passaram a aceitar, e assim mesmo com muitas restrições, a presença de escritoras apenas recentemente, por volta dos anos 60 do século passado. Como se talento e competência fosse questão de sexo, o que, claro, não é.

Virgínia Woolf publicou 17 livros, a maioria sem tradução para o português. Considero “Orlando” sua obra-prima. Esse romance, publicado em 1928, é tão fora do convencional, que merece comentários à parte (o que me proponho a fazer oportunamente). Sua primeira obra, “The voyage out”, data de 1915. Já a última foi “Entre os atos”, lançada em 1941, poucos meses após seu suicídio. Quatro de seus 17 livros se destacam, por uma série de razões. O principal, como enfatizei, é “Orlando”. Confesso que não li tudo o que Virgínia Woolf publicou, mas do que li, não tenho nenhuma restrição a fazer, embora a leitura me exigisse grande “ginástica mental” para acompanhar seu raciocínio e compreendê-lo.

Destaco, ainda, da sua produção, os romances “Mrs. Dalloway” (1925) e “Passeio ao farol” (1927), além dos livros de ensaios “Um quarto só para si” (1929) e “The Common Reader”, em dois volumes (1925 e 1932, respectivamente). No ano da sua morte, foi lançada uma coletânea de seus contos, abrangendo o período de 1917 a 1941, esta sim traduzida para o português, sob o título (óbvio) de “Contos completos”.

O romance “Mrs. Dalloway” serviu de inspiração para um filme de muito sucesso de Hollywood, que valeu, inclusive, um Oscar à atriz Nicole Kidman, por sua interpretação de Virginia Woolf. Trata-se de “As horas”. Essa produção cinematográfica é baseada no livro do mesmo nome do escritor Michael Cunningham. O autor mescla, em sua obra, várias histórias fictícias a episódios reais da vida da escritora inglesa. Mistura, todavia, a personagem verdadeira, de carne e osso, no caso Virgínia, com particularidades fictícias da protagonista do romance dela: as de Mrs. Dalloway. É, sem dúvida, uma fórmula bastante original de fazer literatura.

Agora, respondam-me com sinceridade: estou ou não estou com a razão quando afirmo que a vida dessa mulher totalmente fora dos padrões tido como normais da época é, se não mais interessante, tão marcante quanto sua magnífica obra? Sua conduta, seu trauma sexual, seus amores e desamores, suas dúvidas e contradições, tudo, absolutamente tudo é fora do convencional. Sem falar da sua morte, mais dramática do que a da maioria dos personagens de ficção que se conhece. A enciclopédia eletrônica Wikipédia lembra que “em Mrs. Dalloway, Virginia descreve um único dia da personagem, quando ela prepara uma festa”. É mais ou menos como James Joyce fez em seu clássico “Ulysses”. E não houve plágio de nenhuma das partes.


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