Juízos sem fundamento
Pedro
J. Bondaczuk
O leitor já notou o
quanto as pessoas são afoitas em julgar, em formar opinião a propósito de
alguém, ou de algum fato, com base em conhecimento superficialíssimo a
respeito, e, não raro, sem nenhum? Não vou ao extremo de afirmar que “todos”
ajam assim, porquanto isso seria uma generalização e detesto generalizar.
Contudo, suspeito que ninguém escape desse nefasto e vicioso comportamento,
mesmo que não seja habitual, mas uma vez ou outra. Pergunte-se a si mesmo, caro
leitor, se “nunca” agiu assim e responda, mesmo que só por pensamento, com
rigorosa sinceridade. Confesso que já cometi esse pecado, embora venha me
policiando zelosamente para não reincidir no erro.
Esse comportamento não
é e nunca foi novo. Eça de Queiroz, no já distante século XIX, constatou-o e
tratou a respeito no livro “A correspondência de Fradique Mendes”. Hoje em dia,
com as facilidades de comunicação proporcionadas pela internet, esses julgamentos
afoitos e irresponsáveis são para lá de comuns. Leiam as mensagens do Facebook
e do Twitter, por exemplo, e verifiquem quantas das opiniões emitidas têm ou
não essas características. A imensa maioria tem! E nem é preciso muita análise
para a detecção. Algumas manifestações, sobre temas complexíssimos, a que os
maiores especialistas ainda não chegaram a nenhuma conclusão, saltam aos olhos
de pessoas bem informadas, pelo ridículo.
Um exemplo? Lá vai.
Quando os magistrados do Supremo debateram, e finalmente decidiram acatar, os
embargos infringentes, no processo 470, que a imprensa rotulou de “mensalão”,
choveram opiniões condenando a decisão. Ora, se esse princípio jurídico não é
claro nem para os doutores em leis, para as maiores sumidades do Direito, como
acreditar que pessoas – que a julgar pela linguagem adotada são, digamos,
semi-analfabetas – estariam habilitadas a opinar com um mínimo de fundamento?
Claro que não estavam e não estão. Mas a quantidade de opiniões emitidas, sem
nenhum exagero, ascendeu aos milhões. Verifiquem nos arquivos do Facebook.
Eça de Queiroz, em “A
correspondência de Fradique Mendes”, assim escreveu a propósito: “Todos nós nos desabituamos, ou melhor, nos
desembaraçamos alegremente, do penoso trabalho de verificar. É com impressões
fluidas que formamos nossas maciças conclusões. Para julgar em política o fato
mais complexo, largamente nos contentamos com um boato, mal escutado a uma
esquina, numa manhã de vento”. O comportamento atual, nesta época de
popularização das redes sociais é diferente? É!!! Por que? Porque é muito pior,
por envolver muitíssimo mais pessoas.
Mas não é somente na
esfera política que isso se verifica. Nós, escritores, sofremos, e muito, com
esses julgamentos irresponsáveis, com os juízos apressados que não raro marcam
para sempre determinado livro e seu autor com estigma negativo, quase sempre
injusto, que muitas vezes arruínam carreiras que tinham tudo para serem
promissoras. Eça de Queiroz escreveu o seguinte, sobre isso, em “A
correspondência de Fradique Mendes”: “Para
apreciarem, em literatura, um livro mais profundo, atulhado de idéias novas,
que o amor de extensos anos fortemente encadeou – apenas nos basta folhar aqui
e além uma página, através do fumo escurecedor do charuto. Principalmente para
condenar, a nossa ligeireza é fulminante”. E não é?
Quantos livros,
condenados pela “crítica”, que se percebe sequer foram lidos, mas apenas
ligeiramente folhados a esmo, foram estigmatizados como sofríveis, medíocres ou
coisa pior, quando na verdade eram e são excelentes?! Eu poderia citar dezenas
de casos como este, quiçá centenas, mas não o farei, pois não quero comprar
briga ciom ninguém. Bem que poderia.
Eça constatou ainda: “Com que soberana facilidade declaramos –
‘Este é uma besta!’ ‘Aquele é um maroto!’. Para proclamar – ‘É um gênio!’ ou ‘é
um santo!’, oferecemos uma resistência mais considerada. Mas, ainda assim,
quando uma boa digestão ou a macia luz dum céu de maio nos inclinam à
benevolência também concedemos bicarbonato e só num lançar de um olhar
distraído sobre o eleito, ofertamos-lhe a coroa ou a auréola, e aí empurramos
para a popularidade um maganão enfeitado de louros, nimbado de raios. Assim
passamos o nosso bendito dia a estampar rótulos definitivos no dorso dos homens
e das coisas”. Isso no século XIX, quando os jornais estavam ainda
“engatinhando”, não havia rádio, televisão, internet e muito menos redes
sociais. Imaginem se Eça vivesse hoje! Talvez fosse acometido de apoplexia ou
de fulminante infarto.
Para não me estender
mais do que o habitual, encerro com mais este trecho do realista e genial
escritor português: “Não há ação
individual ou coletiva, personalidade ou obra humana sobre que não estejamos
prontos a promulgar rotundamente uma opinião bojuda. E a opinião tem sempre, e apenas,
por base aquele pequenino lodo do fato, do homem, da obra que perpassou num
relance ante os nossos olhos escorregadios e fortuitos. Por um gesto, julgamos
um caráter, avaliamos um povo”. Ao que aduzo: “infelizmente”.
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