Saturday, September 27, 2014

Um trauma sexual e suas consequências

Pedro J. Bondaczuk

O pai da psicanálise, Sigmund Freud, atribuiu a desvios sexuais, ocorridos na tenra infância, mal resolvidos, posto que inconscientes, e aos traumas que estes eventualmente produzissem, como origem de praticamente todos os problemas psicológicos que as pessoas enfrentam ao longo da vida. Sua tese é polêmica até hoje, posto que aceita, com variantes e algumas restrições, pela maioria dos psicanalistas e psicoterapeutas. Queiram ou não, o sexo determina nosso comportamento e nossa maneira de ser. A abordagem desse assunto é sempre delicada e o tema não é dos meus preferidos. Sempre que posso, fujo dele, até pelo fato de não ser especialista na matéria. Mas para compreendermos as razões que determinaram o comportamento, digamos, “não convencional” de Virginia Woolf, “personagem” a que me propus a analisar,  é imprescindível que este fator seja levado em conta.

Não farei qualquer juízo de valor e tentarei ser o mais objetivo possível, atendo-me rigorosamente a fatos. Destaquei, em texto anterior, que a escritora inglesa sofreu abuso, por parte do meio irmão, George, quando tinha, apenas, onze anos de idade, o que a traumatizou profundamente. Desde então, seu comportamento, notadamente no que se refere a sexo, nunca mais foi “normal”, pelos critérios de normalidade usualmente aceitos. Sua frigidez sexual foi atribuída a esse trauma, o que não deixa de fazer sentido. Na adolescência, aos 16 anos, quando toda mocinha sonha com seu príncipe encantado e apaixona-se por algum, que julga ser o tal, Virgínia se apaixonou, sim, mas... por uma “princesa”, ou seja, por outra mulher. Foi por Madge, de quem há escassas referências, a não ser esse fato.

Embora qualquer pessoa, que tome ciência dessa paixão, seja induzida a concluir que se tratava de um amor homossexual, eu não a classificaria como tal. Por que? Porque não havia atração sexual envolvida. A adolescente não “desejava” o alvo de sua paixão sexualmente. Era um amor meramente platônico, etéreo, diria que “poético”, que poderia ser classificado como uma “mais que amizade” e somente isso. Claro que Virgínia não foi correspondida. Sequer se sabe se Madge chegou a saber dessa estranha paixão. Provavelmente não.

Ocorre que esse não foi o único episódio do tipo na vida da escritora. Seis anos depois, em 1904, quando Virgínia já estava com 22 anos de idade, tornou a apaixonar-se por uma mulher. Foi uma época turbulenta e muito difícil na vida dela. Ela havia perdido o pai, Leslie Stephen, na ocasião, com o qual tinha fortíssima ligação afetiva, fato que a desorientou ainda mais do que já estava desorientada. Na oportunidade, Virgínia chegou a tentar cometer suicídio. Pulou de uma janela. Para sua sorte, todavia, (e para a felicidade da Literatura) esta era muito baixa. E a suicida em potencial sofreu, apenas, ligeiras escoriações, na verdade, pequenos arranhões, desses que saram dois ou três dias depois. Todavia, Virgínia manifestava alguns distúrbios psíquicos, na verdade  mentais, preocupantes, entre os quais o mais grave (e o mais curioso) era o de “ouvir pássaros cantando em grego”. Ninguém, todavia, lhe deu maior atenção na época. Atribuíram isso a mera brincadeira dela.

Foi então que ela se apaixonou por Violet Dickinson. De novo, nada de sexo. Outra vez, mera paixão platônica. Repetia-se o mesmo enredo de seis anos antes, com Madge. Ambas, porém, chegaram a manter relacionamento, sim, mas de estrita amizade. O “amor”, no caso, era sentimento unilateral, posto que não mais secreto. Claro que o caso não foi interpretado assim pelos que a conheciam. E Virgínia não ajudava em nada para criar uma imagem de “normalidade”, principalmente no que se refere a preferência sexual.

A escritora correspondia-se, assiduamente, com Violet, que se tornou uma espécie de confidente. Em uma de suas cartas, por exemplo, desabafou: “Eu queria que todo mundo não me ficasse repetindo que devo casar. Será uma irrupção da rude natureza humana? Eu acho repulsivo”. Esse desabafo dá bem a conta de como ela encarava o sexo. Achava-o “repulsivo”. É provável que até então nunca tivesse tido alguma experiência do tipo, a não ser, claro, o abuso do meio irmão, que tanto a traumatizou.

A maioria de seus amigos era constituída de homossexuais (masculinos e femininos) assumidos. Virgínia chegou, mesmo, a morar, sob o mesmo teto, com o economista John Maynard Keynes, notório “gay”. Claro que sexo era tabu entre ambos. Não chegava sequer a ser mencionado, ou mesmo sugerido, em suas conversas. Tratava-se de um casal em que os parceiros eram, um para o outro, “assexuados”.  Ela, pelo menos, não escondia sua repulsa por homens no que dissesse respeito a sexo. Ele, por sua vez, ao que se sabe, não tinha nas mulheres seu ideal sexual. Mas tudo isso deu o que falar. Pudera! Não só sua paixão por mocinhas, mas também o gosto de Virgínia por charutos e outras tantas preferências e comportamentos que tinha, tidos e havidos como tipicamente masculinos, eram temas de fofocas e falatórios.

A Inglaterra, de então, adotava a tal da “moral vitoriana”. Pelo menos em público, claro. Apenas nove anos antes, em 1895, Oscar Wilde havia sido condenado a dois anos de prisão por “pederastia”, num processo rumoroso, que mobilizou a opinião pública de todo o país e que quase arruinou a carreira do escritor. Este, contudo, aproveitou o encarceramento para fazer o que mais sabia e gostava: escrever. E escreveu dois livros, ambos de relativo sucesso: “De Profundis” e “Balada do cárcere de Reading”. Mas o homossexualismo era considerado, então, pela sociedade inglesa, não apenas “anormalidade sexual”, mas era capitulado, até, como “crime”. Virgínia, a despeito de se apaixonar por mulheres, não era, propriamente, lésbica, como destaquei. Afinal, detestava sexo, fosse este praticado com homens ou com mulheres. Que estrago um trauma sexual tende a fazer no comportamento, nas emoções e na saúde mental de uma pessoa!!!


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