Um trauma sexual e suas
consequências
Pedro
J. Bondaczuk
O pai da psicanálise,
Sigmund Freud, atribuiu a desvios sexuais, ocorridos na tenra infância, mal
resolvidos, posto que inconscientes, e aos traumas que estes eventualmente
produzissem, como origem de praticamente todos os problemas psicológicos que as
pessoas enfrentam ao longo da vida. Sua tese é polêmica até hoje, posto que
aceita, com variantes e algumas restrições, pela maioria dos psicanalistas e
psicoterapeutas. Queiram ou não, o sexo determina nosso comportamento e nossa
maneira de ser. A abordagem desse assunto é sempre delicada e o tema não é dos
meus preferidos. Sempre que posso, fujo dele, até pelo fato de não ser
especialista na matéria. Mas para compreendermos as razões que determinaram o
comportamento, digamos, “não convencional” de Virginia Woolf, “personagem” a
que me propus a analisar, é
imprescindível que este fator seja levado em conta.
Não farei qualquer
juízo de valor e tentarei ser o mais objetivo possível, atendo-me rigorosamente
a fatos. Destaquei, em texto anterior, que a escritora inglesa sofreu abuso,
por parte do meio irmão, George, quando tinha, apenas, onze anos de idade, o
que a traumatizou profundamente. Desde então, seu comportamento, notadamente no
que se refere a sexo, nunca mais foi “normal”, pelos critérios de normalidade
usualmente aceitos. Sua frigidez sexual foi atribuída a esse trauma, o que não
deixa de fazer sentido. Na adolescência, aos 16 anos, quando toda mocinha sonha
com seu príncipe encantado e apaixona-se por algum, que julga ser o tal,
Virgínia se apaixonou, sim, mas... por uma “princesa”, ou seja, por outra
mulher. Foi por Madge, de quem há escassas referências, a não ser esse fato.
Embora qualquer pessoa,
que tome ciência dessa paixão, seja induzida a concluir que se tratava de um
amor homossexual, eu não a classificaria como tal. Por que? Porque não havia
atração sexual envolvida. A adolescente não “desejava” o alvo de sua paixão
sexualmente. Era um amor meramente platônico, etéreo, diria que “poético”, que
poderia ser classificado como uma “mais que amizade” e somente isso. Claro que
Virgínia não foi correspondida. Sequer se sabe se Madge chegou a saber dessa
estranha paixão. Provavelmente não.
Ocorre que esse não foi
o único episódio do tipo na vida da escritora. Seis anos depois, em 1904,
quando Virgínia já estava com 22 anos de idade, tornou a apaixonar-se por uma
mulher. Foi uma época turbulenta e muito difícil na vida dela. Ela havia
perdido o pai, Leslie Stephen, na ocasião, com o qual tinha fortíssima ligação
afetiva, fato que a desorientou ainda mais do que já estava desorientada. Na
oportunidade, Virgínia chegou a tentar cometer suicídio. Pulou de uma janela.
Para sua sorte, todavia, (e para a felicidade da Literatura) esta era muito
baixa. E a suicida em potencial sofreu, apenas, ligeiras escoriações, na
verdade, pequenos arranhões, desses que saram dois ou três dias depois.
Todavia, Virgínia manifestava alguns distúrbios psíquicos, na verdade mentais, preocupantes, entre os quais o mais
grave (e o mais curioso) era o de “ouvir pássaros cantando em grego”. Ninguém,
todavia, lhe deu maior atenção na época. Atribuíram isso a mera brincadeira
dela.
Foi então que ela se
apaixonou por Violet Dickinson. De novo, nada de sexo. Outra vez, mera paixão
platônica. Repetia-se o mesmo enredo de seis anos antes, com Madge. Ambas,
porém, chegaram a manter relacionamento, sim, mas de estrita amizade. O “amor”,
no caso, era sentimento unilateral, posto que não mais secreto. Claro que o
caso não foi interpretado assim pelos que a conheciam. E Virgínia não ajudava
em nada para criar uma imagem de “normalidade”, principalmente no que se refere
a preferência sexual.
A escritora
correspondia-se, assiduamente, com Violet, que se tornou uma espécie de confidente.
Em uma de suas cartas, por exemplo, desabafou: “Eu queria que todo mundo não me
ficasse repetindo que devo casar. Será uma irrupção da rude natureza humana? Eu
acho repulsivo”. Esse desabafo dá bem a conta de como ela encarava o sexo.
Achava-o “repulsivo”. É provável que até então nunca tivesse tido alguma
experiência do tipo, a não ser, claro, o abuso do meio irmão, que tanto a
traumatizou.
A maioria de seus
amigos era constituída de homossexuais (masculinos e femininos) assumidos.
Virgínia chegou, mesmo, a morar, sob o mesmo teto, com o economista John
Maynard Keynes, notório “gay”. Claro que sexo era tabu entre ambos. Não chegava
sequer a ser mencionado, ou mesmo sugerido, em suas conversas. Tratava-se de um
casal em que os parceiros eram, um para o outro, “assexuados”. Ela, pelo menos, não escondia sua repulsa por
homens no que dissesse respeito a sexo. Ele, por sua vez, ao que se sabe, não
tinha nas mulheres seu ideal sexual. Mas tudo isso deu o que falar. Pudera! Não
só sua paixão por mocinhas, mas também o gosto de Virgínia por charutos e
outras tantas preferências e comportamentos que tinha, tidos e havidos como
tipicamente masculinos, eram temas de fofocas e falatórios.
A Inglaterra, de então,
adotava a tal da “moral vitoriana”. Pelo menos em público, claro. Apenas nove
anos antes, em 1895, Oscar Wilde havia sido condenado a dois anos de prisão por
“pederastia”, num processo rumoroso, que mobilizou a opinião pública de todo o
país e que quase arruinou a carreira do escritor. Este, contudo, aproveitou o
encarceramento para fazer o que mais sabia e gostava: escrever. E escreveu dois
livros, ambos de relativo sucesso: “De Profundis” e “Balada do cárcere de
Reading”. Mas o homossexualismo era considerado, então, pela sociedade inglesa,
não apenas “anormalidade sexual”, mas era capitulado, até, como “crime”.
Virgínia, a despeito de se apaixonar por mulheres, não era, propriamente,
lésbica, como destaquei. Afinal, detestava sexo, fosse este praticado com
homens ou com mulheres. Que estrago um trauma sexual tende a fazer no
comportamento, nas emoções e na saúde mental de uma pessoa!!!
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