Vida que explica a obra
Pedro
J. Bondaczuk
A vida de Virgínia
Woolf foi turbulenta e dramática, em conseqüência, principalmente, de seus
graves problemas psicológicos, decorrentes, como se pode deduzir, de um trauma
sexual que sofreu no final da infância. Alguns leitores estranham o fato de eu
me deter em suas dificuldades pessoais, em detrimento da sua atuação como
escritora, na qual se destacou como estrela (ou uma das estrelas) do modernismo
no período entre as duas guerras mundiais.. Alguns críticos comparam-na com o
irlandês James Joyce, embora considerem este mais fundamental e genial do que
ela. Discordo, embora não negue meu apreço e admiração (e nem poderia) pelo
autor de “Ulysses”.
Essa opinião tem muito
a ver com preconceito em relação às mulheres. Recorde-se que elas conquistaram
o status de que gozam atualmente, depois de muita luta, apenas a partir do
início dos anos 60 do século passado. Até então... Outros tantos críticos vêem
na obra de Virgínia Woolf traços característicos de Franz Kafka. Há, até, quem
veja em suas narrativas influências de Marcel Proust. É possível. A meu ver,
sua obra não é valorizada devidamente. Virgínia tinha todas as características
literárias citadas e muito mais. Há que se resgatar, portanto, seus livros, um
tanto obscurecidos e não valorizados como merecem em decorrência da
dramaticidade da sua vida, que chama muito mais a atenção e é muito mais
enfatizada do que aquilo que escreveu .
Venho concentrando meu
foco nos aspectos pessoais da sua biografia não por amor a escândalos e a
fofocas, como possa parecer aos desavisados ou mal intencionados, mas
exatamente para que se tenha melhor compreensão sobre sua produção literária e
sobre o que a motivou a seguir a linha que seguiu. Sua ambigüidade sexual
reflete-se em seus livros, notadamente em “Orlando”, o personagem
“hermafrodita” que, subitamente, dormiu homem e acordou mulher, sobre o qual
discorrerei oportunamente.
Tomei por base, para
esta série de comentários, várias fontes, com destaque para três delas. A
principal, sem dúvida, é a excelente biografia escrita por Quentin Bell que,
aliás, tinha pleno conhecimento de causa, por ter convivido intimamente com a
escritora e testemunhado, portanto, inúmeros episódios que narra, em muitos dos
quais foi copartícipe, quando não protagonista. Afinal, além de escritor,
metódico e meticuloso, foi parente da biografada, seu sobrinho, filho da irmã
dela, Vanessa, e de Clive Bell. Seu livro, cuja leitura recomendo a quem tenha
acesso a ele – mas que pode ser encontrado, somente, em sebos, já que data de
60 anos – “Virgínia Woolf: uma biografia (1882-1941)” – contém informações que
não se encontram em nenhuma obra de outros biógrafos.
Outra fonte de que me
valho é o excelente ensaio do jornalista e historiador Euler França Belém. O
texto, longo, mas em deliciosa linguagem coloquial, pode ser encontrado na
versão eletrônica da Revista Bula (WWW.revistabula.com).
O título é objetivo e direto: “Virgínia Woolf tentou ‘curar’ sua loucura pelo
suicídio”. Foi o que ela, de fato, fez. Pelo menos foi o que admitiu na
dramática carta de despedida que escreveu para o marido (que ela confessou ter
sido o amor da sua vida) Leonard Woolf. Recorri a outras fontes, a maioria
artigos de revistas e de jornais, alguns de publicações inglesas, que na
verdade não acrescentaram muita coisa à minha visão sobre a vida e a obra dessa
escritora que oscilou, o tempo todo, entre a genialidade e a absoluta
insanidade mental.
Muitos vêem enorme
contradição no fato de Virgínia, que foi apaixonada por duas mulheres
(primeiro, Madge, e posteriormente, Violet Dickinson) e que tinha horror a sexo
e era, confessadamente, frígida (mais fria na cama do que um freezer), haver se
casado. “Foi um casamento sem coito?”, é a pergunta imediata e recorrente que
nos vem à mente. Ou a mulher fez apenas o papel de mero objeto sexual,
satisfazendo o parceiro, sem que sequer pensasse na própria satisfação? Sabe-se
lá. Creio que a segunda alternativa seja a verdadeira, ou pelo menos a mais provável.
Alguns biógrafos
opinaram que o casamento foi mais um arranjo comercial do que propriamente
matrimônio de fato. Afinal, seu marido foi, simultaneamente, seu sócio na bem
sucedida editora Hogarth Press, fundada em 1917, cinco anos após o casal haver se
casado, e que revelou vários escritores consagrados – um dos quais, o poeta T.
S. Eliot, conquistou um Prêmio Nobel de Literatura – como a escritora Katherine
Mansfield, entre tantos outros. O que sei a propósito dessa insólita
personagem, me induz a discordar dessas insinuações. Todos os que conviveram
com Leonard Woolf são unânimes em descrevê-lo como homem paciente, generoso,
honesto e sincero, capaz de qualquer sacrifício para beneficiar a pessoa que
amasse. E perdidamente apaixonado, conforme opinião quase unânime, por
Virgínia.
A propósito de sua
generosidade, basta citar o fato de que, embora fosse escritor de grandes
predicados e virtudes literárias, optou por se ofuscar, por assumir papel
secundário e obscuro, em favor da mulher, na qual vislumbrava virtudes raras
muito superiores às suas. Euler França Belém destaca, em seu revelador ensaio,
que “a união com Leonard aumentou o seu (de Virgínia) equilíbrio emocional e a
sua segurança como escritora. E informa: “O curioso é que a família Stephen não
avisou Leonard dos problemas de saúde de Virgínia. Tudo indica que a família
procurou esconder que Virgínia era ‘meio louca’, com medo que Leonard
desistisse do casamento”. Todavia... não desistiu.
Assim que descobriu o
estado de contínua depressão da esposa, nada o impedia de pedir o divórcio. Por
que não o fez? Por interesse comercial? Dificilmente. Até porque, nesse
aspecto, teria muitas e mais tranqüilas opções no mercado. Leonard manteve um
casamento de 29 anos, com uma mulher mentalmente desequilibrada, sexualmente
frígida e que tinha asco por sexo, até a trágica morte dela, por uma, e uma
única razão: amor. Na minha ótica, ele é o personagem mais nobre e exemplar de
toda essa insólita história.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment