Sunday, September 28, 2014

Vida que explica a obra

Pedro J. Bondaczuk

A vida de Virgínia Woolf foi turbulenta e dramática, em conseqüência, principalmente, de seus graves problemas psicológicos, decorrentes, como se pode deduzir, de um trauma sexual que sofreu no final da infância. Alguns leitores estranham o fato de eu me deter em suas dificuldades pessoais, em detrimento da sua atuação como escritora, na qual se destacou como estrela (ou uma das estrelas) do modernismo no período entre as duas guerras mundiais.. Alguns críticos comparam-na com o irlandês James Joyce, embora considerem este mais fundamental e genial do que ela. Discordo, embora não negue meu apreço e admiração (e nem poderia) pelo autor de “Ulysses”.

Essa opinião tem muito a ver com preconceito em relação às mulheres. Recorde-se que elas conquistaram o status de que gozam atualmente, depois de muita luta, apenas a partir do início dos anos 60 do século passado. Até então... Outros tantos críticos vêem na obra de Virgínia Woolf traços característicos de Franz Kafka. Há, até, quem veja em suas narrativas influências de Marcel Proust. É possível. A meu ver, sua obra não é valorizada devidamente. Virgínia tinha todas as características literárias citadas e muito mais. Há que se resgatar, portanto, seus livros, um tanto obscurecidos e não valorizados como merecem em decorrência da dramaticidade da sua vida, que chama muito mais a atenção e é muito mais enfatizada do que aquilo que escreveu .

Venho concentrando meu foco nos aspectos pessoais da sua biografia não por amor a escândalos e a fofocas, como possa parecer aos desavisados ou mal intencionados, mas exatamente para que se tenha melhor compreensão sobre sua produção literária e sobre o que a motivou a seguir a linha que seguiu. Sua ambigüidade sexual reflete-se em seus livros, notadamente em “Orlando”, o personagem “hermafrodita” que, subitamente, dormiu homem e acordou mulher, sobre o qual discorrerei oportunamente.

Tomei por base, para esta série de comentários, várias fontes, com destaque para três delas. A principal, sem dúvida, é a excelente biografia escrita por Quentin Bell que, aliás, tinha pleno conhecimento de causa, por ter convivido intimamente com a escritora e testemunhado, portanto, inúmeros episódios que narra, em muitos dos quais foi copartícipe, quando não protagonista. Afinal, além de escritor, metódico e meticuloso, foi parente da biografada, seu sobrinho, filho da irmã dela, Vanessa, e de Clive Bell. Seu livro, cuja leitura recomendo a quem tenha acesso a ele – mas que pode ser encontrado, somente, em sebos, já que data de 60 anos – “Virgínia Woolf: uma biografia (1882-1941)” – contém informações que não se encontram em nenhuma obra de outros biógrafos.

Outra fonte de que me valho é o excelente ensaio do jornalista e historiador Euler França Belém. O texto, longo, mas em deliciosa linguagem coloquial, pode ser encontrado na versão eletrônica da Revista Bula (WWW.revistabula.com). O título é objetivo e direto: “Virgínia Woolf tentou ‘curar’ sua loucura pelo suicídio”. Foi o que ela, de fato, fez. Pelo menos foi o que admitiu na dramática carta de despedida que escreveu para o marido (que ela confessou ter sido o amor da sua vida) Leonard Woolf. Recorri a outras fontes, a maioria artigos de revistas e de jornais, alguns de publicações inglesas, que na verdade não acrescentaram muita coisa à minha visão sobre a vida e a obra dessa escritora que oscilou, o tempo todo, entre a genialidade e a absoluta insanidade mental.

Muitos vêem enorme contradição no fato de Virgínia, que foi apaixonada por duas mulheres (primeiro, Madge, e posteriormente, Violet Dickinson) e que tinha horror a sexo e era, confessadamente, frígida (mais fria na cama do que um freezer), haver se casado. “Foi um casamento sem coito?”, é a pergunta imediata e recorrente que nos vem à mente. Ou a mulher fez apenas o papel de mero objeto sexual, satisfazendo o parceiro, sem que sequer pensasse na própria satisfação? Sabe-se lá. Creio que a segunda alternativa seja a verdadeira, ou pelo menos a mais provável.

Alguns biógrafos opinaram que o casamento foi mais um arranjo comercial do que propriamente matrimônio de fato. Afinal, seu marido foi, simultaneamente, seu sócio na bem sucedida editora Hogarth Press, fundada em 1917, cinco anos após o casal haver se casado, e que revelou vários escritores consagrados – um dos quais, o poeta T. S. Eliot, conquistou um Prêmio Nobel de Literatura – como a escritora Katherine Mansfield, entre tantos outros. O que sei a propósito dessa insólita personagem, me induz a discordar dessas insinuações. Todos os que conviveram com Leonard Woolf são unânimes em descrevê-lo como homem paciente, generoso, honesto e sincero, capaz de qualquer sacrifício para beneficiar a pessoa que amasse. E perdidamente apaixonado, conforme opinião quase unânime, por Virgínia.

A propósito de sua generosidade, basta citar o fato de que, embora fosse escritor de grandes predicados e virtudes literárias, optou por se ofuscar, por assumir papel secundário e obscuro, em favor da mulher, na qual vislumbrava virtudes raras muito superiores às suas. Euler França Belém destaca, em seu revelador ensaio, que “a união com Leonard aumentou o seu (de Virgínia) equilíbrio emocional e a sua segurança como escritora. E informa: “O curioso é que a família Stephen não avisou Leonard dos problemas de saúde de Virgínia. Tudo indica que a família procurou esconder que Virgínia era ‘meio louca’, com medo que Leonard desistisse do casamento”. Todavia... não desistiu.

Assim que descobriu o estado de contínua depressão da esposa, nada o impedia de pedir o divórcio. Por que não o fez? Por interesse comercial? Dificilmente. Até porque, nesse aspecto, teria muitas e mais tranqüilas opções no mercado. Leonard manteve um casamento de 29 anos, com uma mulher mentalmente desequilibrada, sexualmente frígida e que tinha asco por sexo, até a trágica morte dela, por uma, e uma única razão: amor. Na minha ótica, ele é o personagem mais nobre e exemplar de toda essa insólita história.


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