O grave pecado da omissão presidencial
Pedro J.
Bondaczuk
O denominado Comitê Tower, nomeado pelo presidente
norte-americano Ronald Reagan para investigar a participação do Conselho de
Segurança Nacional da Casa Branca no escândalo da venda secreta de armas dos
Estados Unidos para o Irã e do desvio do dinheiro apurado em tal apuração para
os rebeldes anti-sandinistas, que lutam para depor o governo da Nicarágua, já
chegou a uma conclusão a respeito do caso, mesmo não dispondo de todos os meios
para uma completa investigação. Concluiu que o grande culpado em toda a
história foi o próprio mandatário do país.
Sua culpa não se caracterizou,
pelo que se pôde deduzir, por alguma eventual ação ilegal sua. Prendeu-se a
algo muito mais perigoso, em se tratando do dirigente máximo da maior
superpotência do Planeta. O Comitê chegou a uma dolorosa conclusão (a que a
própria população norte-americana está chegando, conforme revelou uma pesquisa,
divulgada ontem, sobre a performance do atual governo). A de que Ronald Reagan,
não apenas neste caso, como em todos os que envolveram o relacionamento externo
dos Estados Unidos, cometeu o crime de “omissão”.
Permitiu que auxiliares seus,
embora pudessem estar habilitados para esse tipo de decisão, mas não fossem
respaldados pela vontade popular, decidissem acerca de assuntos de grande
complexidade e com inúmeras implicações para o país e para o mundo.
A rigor, em termos de política
internacional, a linha de ação do atual governo norte-americano tem se revelado
desastrosa. A Casa Branca, por exemplo, cometeu um pecado mortal, ao não manter
a neutralidade de Washington, em 1982, na guerra das Malvinas, entre a
Argentina e a Grã-Bretanha, apoiando um parceiro europeu, do seleto clube dos
países ricos, em detrimento da unidade pan-americana.
Até hoje esse gesto é visto como
imperdoável heresia por toda a América Latina, que não se sente mais confiante
em ter os Estados Unidos como aliados. Os latino-americanos, embora jamais
dissessem com tamanha contundência, sentiram-se atraiçoados por seu poderoso
irmão do Norte.
Na questão do relacionamento com
a União Soviética, embora Reagan tenha mantido duas reuniões de cúpula com o
líder do Cremlin, Mikhail Gorbachev (uma em novembro de 1985, em Genebra e
outra em Reykjavik, na Islândia, em 11 e 12 de outubro do ano passado), o
presidente foi de uma incompetência a toda prova nesses contatos. E essa
conclusão não é do analista. Foi extraída daquilo que disseram a respeito os
próprios congressistas norte-americanos, que acham que o seu país perdeu uma
chance imensa de obter, a um custo político aceitável, uma inédita distensão
entre as superpotências.
Bateu pé firme num projeto
fantasioso, que ninguém tem condições de afirmar com segurança que possa vir a
ser viável (a chamada “guerra nas estrelas”) e deixou escapar por entre os
dedos a chance de reduzir os arsenais nucleares dos dois países em 50% e de
conseguir um compromisso, que seria fiscalizado internacionalmente, para o
desmantelamento de todas as armas atômicas até o final deste século.
Pode ser que em Reykjavik tenha
ficado sepultada a última chance da humanidade ter um futuro de longo prazo.
Reagan pecou, ainda, na maneira de lidar com o problema do terrorismo mundial,
na sua fixação paranóica para com o líder líbio, coronel Muammar Khadafy e numa
série de compromissos assumidos com governos impopulares, como o regime racista
da África do Sul, para conseguir junto a eles a substituição da ajuda militar,
vetada pelos congressistas dos Estados Unidos, para os “contras” da Nicarágua.
Aliás, esse bando de mercenários,
comprovadamente sanguinário e impopular, sempre foi “a menina dos seus olhos”.
Para ajudá-lo, chegou a empenhar todo o seu antigamente enorme prestígio. E em
troca do quê? Quais foram os resultados concretos de tudo isso? Mortes,
destruição, sofrimentos e um clima de enorme tensão na América Central. E, quem
sabe, o seu afastamento do governo, por ter aberto tanto espaço à ação de
subalternos, num aberrativo caso de omissão, jamais visto anos na presidência
da mais rica e poderosa nação do Planeta.
Se o Comitê Tower, nomeado por
ele, o condenou, imaginem o que farão as demais comissões, compostas por
pessoas que nunca morreram de amores pela sua política!
(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 27
de fevereiro de 1987).
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