Tuesday, September 23, 2014

O grave pecado da omissão presidencial


Pedro J. Bondaczuk


O denominado Comitê Tower, nomeado pelo presidente norte-americano Ronald Reagan para investigar a participação do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca no escândalo da venda secreta de armas dos Estados Unidos para o Irã e do desvio do dinheiro apurado em tal apuração para os rebeldes anti-sandinistas, que lutam para depor o governo da Nicarágua, já chegou a uma conclusão a respeito do caso, mesmo não dispondo de todos os meios para uma completa investigação. Concluiu que o grande culpado em toda a história foi o próprio mandatário do país.

Sua culpa não se caracterizou, pelo que se pôde deduzir, por alguma eventual ação ilegal sua. Prendeu-se a algo muito mais perigoso, em se tratando do dirigente máximo da maior superpotência do Planeta. O Comitê chegou a uma dolorosa conclusão (a que a própria população norte-americana está chegando, conforme revelou uma pesquisa, divulgada ontem, sobre a performance do atual governo). A de que Ronald Reagan, não apenas neste caso, como em todos os que envolveram o relacionamento externo dos Estados Unidos, cometeu o crime de “omissão”.

Permitiu que auxiliares seus, embora pudessem estar habilitados para esse tipo de decisão, mas não fossem respaldados pela vontade popular, decidissem acerca de assuntos de grande complexidade e com inúmeras implicações para o país e para o mundo.

A rigor, em termos de política internacional, a linha de ação do atual governo norte-americano tem se revelado desastrosa. A Casa Branca, por exemplo, cometeu um pecado mortal, ao não manter a neutralidade de Washington, em 1982, na guerra das Malvinas, entre a Argentina e a Grã-Bretanha, apoiando um parceiro europeu, do seleto clube dos países ricos, em detrimento da unidade pan-americana.

Até hoje esse gesto é visto como imperdoável heresia por toda a América Latina, que não se sente mais confiante em ter os Estados Unidos como aliados. Os latino-americanos, embora jamais dissessem com tamanha contundência, sentiram-se atraiçoados por seu poderoso irmão do Norte.

Na questão do relacionamento com a União Soviética, embora Reagan tenha mantido duas reuniões de cúpula com o líder do Cremlin, Mikhail Gorbachev (uma em novembro de 1985, em Genebra e outra em Reykjavik, na Islândia, em 11 e 12 de outubro do ano passado), o presidente foi de uma incompetência a toda prova nesses contatos. E essa conclusão não é do analista. Foi extraída daquilo que disseram a respeito os próprios congressistas norte-americanos, que acham que o seu país perdeu uma chance imensa de obter, a um custo político aceitável, uma inédita distensão entre as superpotências.

Bateu pé firme num projeto fantasioso, que ninguém tem condições de afirmar com segurança que possa vir a ser viável (a chamada “guerra nas estrelas”) e deixou escapar por entre os dedos a chance de reduzir os arsenais nucleares dos dois países em 50% e de conseguir um compromisso, que seria fiscalizado internacionalmente, para o desmantelamento de todas as armas atômicas até o final deste século.

Pode ser que em Reykjavik tenha ficado sepultada a última chance da humanidade ter um futuro de longo prazo. Reagan pecou, ainda, na maneira de lidar com o problema do terrorismo mundial, na sua fixação paranóica para com o líder líbio, coronel Muammar Khadafy e numa série de compromissos assumidos com governos impopulares, como o regime racista da África do Sul, para conseguir junto a eles a substituição da ajuda militar, vetada pelos congressistas dos Estados Unidos, para os “contras” da Nicarágua.

Aliás, esse bando de mercenários, comprovadamente sanguinário e impopular, sempre foi “a menina dos seus olhos”. Para ajudá-lo, chegou a empenhar todo o seu antigamente enorme prestígio. E em troca do quê? Quais foram os resultados concretos de tudo isso? Mortes, destruição, sofrimentos e um clima de enorme tensão na América Central. E, quem sabe, o seu afastamento do governo, por ter aberto tanto espaço à ação de subalternos, num aberrativo caso de omissão, jamais visto anos na presidência da mais rica e poderosa nação do Planeta.

Se o Comitê Tower, nomeado por ele, o condenou, imaginem o que farão as demais comissões, compostas por pessoas que nunca morreram de amores pela sua política!

(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 27 de fevereiro de 1987).


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