Questão de dosagem
Pedro J. Bondaczuk
A dosagem correta de um
remédio é o fator que o torna eficiente na cura de determinada
moléstia. Se aplicado de maneira rigorosamente indicada por aquele
que o desenvolveu, o medicamento fará milagres e tenderá a
restaurar a plena saúde do doente.
O mesmo produto, todavia, se
ministrado ao paciente de forma inadequada, poderá agravar o seu
estado. Em dose menor, não revelará eficácia, e na maior, agirá
como poderoso veneno. O mesmo raciocínio vale para uma política
monetarista que objetive deter um processo inflacionário, como o do
Brasil, que em março passado registrou uma taxa perversa de 84% num
único mês.
O governo, no afã de curar
rapidamente o doente, parece que exagerou na dosagem dos juros, na
tentativa de evitar a ida alegre às compras, da população, como
havia acontecido no Plano Cruzado de 1986.
Em programas
antiinflacionários, como o que está em andamento, aplicado pela
equipe econômica do presidente Fernando Collor de Mello, estão
implícitos, automaticamente, sacrifícios generalizados. Uma certa
recessão, com suas indesejáveis sequelas sociais, caracterizadas
pelo desemprego e por dificuldades financeiras para empresas
ineficientes ou cuja eficiência não seja a necessária, são, de
fato, inevitáveis.
Juros de 40% ao ano, mais a
inflação, embora elevados, são considerados, numa política
monetarista rígida, como razoáveis. Todavia, hoje o mercado está
praticando taxas de 200% além da inflação, desestruturando,
inclusive, empreendimentos saudáveis.
O Banco Central, portanto,
precisa reavaliar sua estratégia nesse sentido. Tem que evitar que o
remédio se transforme em veneno, pela inadequação da dosagem.
Embora a vitória sobre a inflação seja uma questão de honra para
o presidente Collor, é preciso que o "caçador" não perca
a única bala de que dispõe para acabar com o tigre.
Um governante deve sempre ter
em mente que uma decisão sua vai afetar vidas, e não poucas. É
certo que desde que assumiu o governo, o jovem político foi colocado
diante de um impasse medonho, que ainda persiste. Se equacionar o
problema social (gravíssimo por sinal) detonará a hiperinflação
com suas consequências. Se decidir eliminar de uma vez por todas o
monstro inflacionário, numa ação fulminante, certamente agravará
as dificuldades dos cidadãos, principalmente dos 53 milhões de
brasileiros às voltas com o fantasma da fome.
Por isso, suas medidas não
podem sofrer qualquer deslize técnico. Por tal razão, não pode
errar na dosagem do remédio, que é sabidamente o correto, mas que
se mal administrado, tende a matar o paciente.
(Editorial publicado na página
2, Opinião, do Correio Popular, em 23 de outubro de 1990).
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