Tuesday, July 17, 2018

DIRETO DO ARQUIVO - Questão de dosagem


Questão de dosagem

Pedro J. Bondaczuk

A dosagem correta de um remédio é o fator que o torna eficiente na cura de determinada moléstia. Se aplicado de maneira rigorosamente indicada por aquele que o desenvolveu, o medicamento fará milagres e tenderá a restaurar a plena saúde do doente.

O mesmo produto, todavia, se ministrado ao paciente de forma inadequada, poderá agravar o seu estado. Em dose menor, não revelará eficácia, e na maior, agirá como poderoso veneno. O mesmo raciocínio vale para uma política monetarista que objetive deter um processo inflacionário, como o do Brasil, que em março passado registrou uma taxa perversa de 84% num único mês.

O governo, no afã de curar rapidamente o doente, parece que exagerou na dosagem dos juros, na tentativa de evitar a ida alegre às compras, da população, como havia acontecido no Plano Cruzado de 1986.

Em programas antiinflacionários, como o que está em andamento, aplicado pela equipe econômica do presidente Fernando Collor de Mello, estão implícitos, automaticamente, sacrifícios generalizados. Uma certa recessão, com suas indesejáveis sequelas sociais, caracterizadas pelo desemprego e por dificuldades financeiras para empresas ineficientes ou cuja eficiência não seja a necessária, são, de fato, inevitáveis.

Juros de 40% ao ano, mais a inflação, embora elevados, são considerados, numa política monetarista rígida, como razoáveis. Todavia, hoje o mercado está praticando taxas de 200% além da inflação, desestruturando, inclusive, empreendimentos saudáveis.

O Banco Central, portanto, precisa reavaliar sua estratégia nesse sentido. Tem que evitar que o remédio se transforme em veneno, pela inadequação da dosagem. Embora a vitória sobre a inflação seja uma questão de honra para o presidente Collor, é preciso que o "caçador" não perca a única bala de que dispõe para acabar com o tigre.

Um governante deve sempre ter em mente que uma decisão sua vai afetar vidas, e não poucas. É certo que desde que assumiu o governo, o jovem político foi colocado diante de um impasse medonho, que ainda persiste. Se equacionar o problema social (gravíssimo por sinal) detonará a hiperinflação com suas consequências. Se decidir eliminar de uma vez por todas o monstro inflacionário, numa ação fulminante, certamente agravará as dificuldades dos cidadãos, principalmente dos 53 milhões de brasileiros às voltas com o fantasma da fome.

Por isso, suas medidas não podem sofrer qualquer deslize técnico. Por tal razão, não pode errar na dosagem do remédio, que é sabidamente o correto, mas que se mal administrado, tende a matar o paciente.

(Editorial publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 23 de outubro de 1990).

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