Sunday, July 22, 2018

DIRETO DO ARQUIVO - Melhor para quem?


Melhor para quem?


Pedro J. Bondaczuk


O mês de maio, conforme estimativas de dois institutos de pesquisa, deve registrar deflação. Em abril passado, a balança comercial voltou a apresentar ligeiro superávit, depois de anos consecutivos de déficits. O Produto Interno Bruto brasileiro vai cair menos do que os 4% projetados no início do ano, podendo a queda ser inferior a 2% ou até nem se verificar. Os juros interbancários despencaram dos indecentes 49,5% ao ano, de janeiro passado, para algo em torno de 25%. Então a crise acabou?

Não! Muito longe disso! A rigor, a população sequer sentiu os supostos benefícios dessa apregoada recuperação econômica, que vem deixando os tucanos eufóricos, ao ponto de arriscarem previsões delirantes ainda para 1999. Na recente convenção do partido, os participantes agiram como se vivêssemos no melhor dos mundos. "Crise? Que crise?", pareciam insinuar. Mas o desemprego, por exemplo, não cedeu. Pelo contrário, ameaça, pelo menos em alguns setores, se agravar. Basta consultar os cadernos de Classificados dos jornais, para observar a escassez de oferta de vagas e, assim mesmo, para preencher as poucas existentes, as empresas fazem exigências descabidas, oferecendo em troca salários irrisórios.

O dólar, que havia se estabilizado no patamar do R$ 1,65, voltou a ter forte valorização em relação ao real, em decorrência, desta vez, da crise cambial que se verifica na vizinha Argentina. Os juros menores não estão sendo repassados à população e os empresários argumentam com as altas taxas de inadimplência nas compras a prazo para não efetuarem esses repasses. É a socialização do prejuízo, sem a correspondente contrapartida da divisão de lucros, quando estes se verificam.

E a deflação? Não seria uma clara vitória da equipe econômica, que desmentiria as previsões dos catastrofistas, os mesmos que diziam que a inflação anual de 1999 fecharia, em dezembro, com um acumulado ao redor dos 24%? Ser otimista é bom, mas quando se tem base sólida para otimismo. Em caso contrário, não passa de simples alienação. O quadro econômico-social brasileiro está longe, muito distante, de adquirir colorações róseas. Pelo contrário, o panorama é dos mais sombrios e inquietadores. E não há qualquer pessimismo nessa constatação.

A deflação é apenas o indicativo mais seguro de que o País atravessa uma profundíssima recessão, uma catalepsia econômica, da qual vai levar muito tempo para se recuperar. O desemprego segue com taxas muito altas, intoleráveis, fazendo com que a população perca os poucos ganhos que teve nos primeiros anos do Plano Real. Chega a ser alarmante quando o Estado mais rico da Federação, bem como a sua Capital, uma das cinco maiores e mais importantes cidades do mundo, têm que criar frentes de trabalho de emergência, a exemplo do que costumeiramente se faz no Nordeste nos seus cíclicos períodos de seca, para absorver a mão de obra ociosa, como está ocorrendo em São Paulo.

Famílias e mais famílias vivem um duríssimo período incertezas e até de desespero, ameaçadas pela miséria e pela fome, por absoluta falta de alguém que lhes dê a mínima oportunidade de trabalhar. Muitos já estão parados há dois anos ou mais, excluídos, portanto, não somente do mercado de consumo, como da própria participação na vida social do País e, por consequência, da cidadania.

As dez mil vagas criadas pela Prefeitura de São Paulo, de garis e jardineiros, com salário mensal de R$ 136,00, foram disputadas por cerca de 50 mil pessoas, entre as quais, muitas com diplomas universitários.. Para complicar, densas nuvens cinzentas voltam a rondar o céu da economia brasileira, desta vez por causa da crise cambial argentina. Novamente, a ameaça vem do exterior. Qual a causa de estarmos tão fragilizados, a ponto de abalos na Ásia, na Rússia ou em nosso vizinho e parceiro do Mercosul causarem tamanha instabilidade entre nós? Não estaria na hora de questionar, ou pelo menos de discutir, num amplo debate nacional, o atual modelo? As perspectivas de emprego continuam mínimas, senão nulas. A balança comercial tende a ser novamente deficitária em maio, por falta de uma estratégia inteligente, ou pelo menos mais dinâmica, de exportações. As bolsas de valores voltaram a operar em queda, enquanto o real torna a sofrer desvalorizações. Enquanto isso, os tucanos soltam rojões e esbanjam euforia. Querem tapear a quem?


(Editorial publicado na Folha do Taquaral na segunda quinzena de maio de 1999)



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