Ciência
e cultura
Pedro
J. Bondaczuk
A Ciência, através do seu
braço prático, a tecnologia, produz maravilhas que tornam nossas
vidas cada vez mais práticas, seguras e confortáveis. É o reflexo
por excelência da engenhosidade humana. De meados do século XVIII
em diante, ou seja, desde o início da Revolução Industrial
inglesa, teve uma “explosão” de descobertas, em todos os campos
do conhecimento científico, da física à medicina, da química à
eletrônica e assim por diante, impressionante. Revolucionou,
portanto, o mundo, e continua revolucionando-o, tornando-o acessível
e prático, encolhendo distâncias, aproximando pessoas, prolongando
a vida e facilitando nosso dia a dia.
O automóvel, por exemplo, foi
desenvolvido, “apenas”, há 112 anos. Hoje, milhões, mundo
afora, dependem visceralmente dele. É muito tempo? Nem tanto. Há
pessoas (poucas, é verdade) com essa idade que são contemporâneas
desse invento. O que seria da nossa vida, homens modernos, sem essas
facilidades com que contamos? Como viveríamos sem eletricidade, sem
veículos rápidos e confortáveis de transporte, sem meios de
comunicação instantâneos e eficientes, sem rádio, televisão,
telefonia fixa, celular, computador, internet e vai por aí afora?
Tudo bem, sobreviveríamos sem tudo isso. Mas a que custo? Com
quantos sacrifícios? Não sou, pois, contra a Ciência e nem poderia
ser.
Todavia, o homem conta com
habilidades mais nobres, posto que menos práticas do que o
conhecimento científico que parecem estar regredindo: a principal é
a criatividade espiritual. É o talento artístico, é a capacidade
de imaginar e de criar mundos abstratos e, no entanto, belos.
Refiro-me, vocês já perceberam, às artes que têm, salvo exceções,
número proporcionalmente à população mundial cada vez menor de
praticantes e de adeptos.
Já no tempo de Fernando
Pessoa havia certo antagonismo entre cientistas e artistas. Para o
poeta português, óbvio, caso tivesse que escolher uma das duas
atividades, sua opção recairia, sem pestanejar, sobre as artes. Ou,
mais genericamente, sobre o que denominamos de cultura. Pessoa
legou-nos um poema revelador a propósito, intitulado “A Ciência,
a ciência, a ciência...”, que diz em seus versos iniciais:
“A Ciência, a ciência, a
ciência…
Ah, como tudo é nulo e vão!
A pobreza da inteligência
ante a riqueza da emoção”.
Exagero? Não acho!
Entre o pensamento e o
sentimento, Fernando Pessoa valoriza muito mais o segundo. É algo
incontrolável, que parte do âmago, do íntimo, das vísceras e que
por isso é espontâneo, sincero e natural. Claro que não proponho a
ninguém um confronto entre a Ciência e a Cultura (incluindo, aí,
principalmente, as Artes), pois isso não faria o menor sentido. Sou
a favor, isto sim, de um “casamento” entre ambos na formação de
um ser humano ideal, prático e simultaneamente sensível. Mas na
impossibilidade disso acontecer, serei sempre defensor do poeta, do
músico, do escritor etc., em detrimento do cientista.
A escritora sueca do século
XIX e início do século XX, Ellen Kay, tinha uma definição
pitoresca, posto que verdadeira, de cultura. É verdade que não era
nada prática, mas ainda assim concordo com ela. Escreveu, certa
ocasião: “Cultura é o que nos resta depois de termos esquecido
tudo quanto aprendemos”.
Quanto daquilo que nos ensinam
na escola conseguimos reter na memória pela vida toda? Pouco, muito
pouco, pouquíssimo. Quantas pessoas (a não ser as que se utilizem
da matemática nas suas atividades profissionais), sabem, ainda,
extrair uma raiz quadrada? E já nem falo da cúbica, que seria uma
covardia! Quantos entendem de trigonometria? E de limites e
derivadas? Quantos sabem fatorar? Refiro-me à fatoração e não à
extração comercial de uma fatura, que é outra coisa. E não são
apenas lições de matemática que esquecemos. Creio que pouco mais
de 10%, apenas, do que aprendemos na escola fica retido na memória,
se tanto.
Pessoa encerra o citado poema
com estes versos:
“A Ciência, como é pobre e
nada!
Rico é o que a alma dá e
tem.”.
E não é?! Num longo texto em
prosa, sumamente objetivo, o poeta parte do princípio de que ambos,
ciência e cultura, (mas especificamente a arte), são invenções.
Todavia, são bastante distintas na essência. Uma é objetiva, é
prática, enquanto a outra é subjetiva. Escreveu: “Uma obra de
arte é, portanto, em sua essência uma invenção com valor. Se não
for invenção, o valor permanece a quem inventou; se não tiver
valor não será obra de arte, pois que importa inventar o que não
presta?”
Mais adiante, Pessoa
constatou: “Ao contrário da invenção prática, que é uma
invenção com valor de utilidade, e da invenção científica, que é
uma invenção com valor de verdade, a obra de arte é uma invenção
com valor absoluto”. Também entendo que seja. É por essa razão
que, como o poeta português, caso tenha que optar entre Arte e
Ciência, minha opção óbvia será sempre e sempre pela primeira.
Como escritor, sou, sobretudo, criador. O cientista só considera
fato científico o que possa ser reproduzido infinitas vezes nas
mesmas condições. Já o artista considera obra de arte o que não
pode ser reproduzido, a não ser “copiado”, ou seja, uma criação
que, como tal, seja sempre e sempre original.
Pessoa caracterizou os adeptos
das ciências como “realistas” e os da cultura (notadamente das
artes), como “românticos”. Como homem sensato, admitiu que no
mundo há espaço para ambos (e há, de fato), cada um em sua
especialidade. E que este espaço é determinado pelas
circunstâncias. Escreveu: “Os realistas realizam pequenas coisas,
os românticos, grandes. Um homem deve ser realista para ser gerente
de uma fábrica de tachas. Para gerir o mundo deve ser romântico. É
preciso um realista para descobrir a realidade; é preciso um
romântico para criá-la”. E você, o que é? É o “realista”,
por descobrir a realidade, ou o “romântico”, que a cria?
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