Sunday, July 15, 2018

CRÔNICA DO DIA - Biógrafa checa de Kafka


Biógrafa checa de Kafka

Pedro J. Bondaczuk

A gentil e oportuna manifestação da premiada escritora (e advogada) Jeanette Rozsas – diretora da União Brasileira de Escritores – a propósito da primeira biografia de Franz Kafka, escrita por um escritor checo, lançada em Praga há oito ou nove anos (não tenho certeza), faz com que eu traga à baila, mais uma vez, essa figura carismática e pitoresca, cuja vida foi tão interessante (e intrigante) quanto sua obra.

Apaixonada pela vida e obra do escritor checo (que pesquisou por anos), ela escreveu uma biografia “diferente” a seu respeito. Sem fugir, em momento algum, dos fatos – quer os documentados, quer os testemunhados por seus contemporâneos –, reproduziu sua trajetória em detalhes, mas em forma de romance, como se fosse ficção. Obviamente, não é. Refiro-me ao livro “Kafka e a marca do corvo”, lançado no Brasil em 2009 pela Geração Editorial.

Rozsas pesquisou arduamente, como ressalta a sinopse da editora, “a linguagem” utilizada pelo escritor checo, “seus contos fantásticos e romances claustrofóbicos, suas cartas e diários”. Está aí, pois, um livro que recomendo, com gosto. Jeanette, por sinal, tem, em seu currículo de escritora, outros sucessos editoriais, como “Feito em silêncio” (contos, Editora Vertente) e “Autobiografia de um crápula”, para citar apenas dois.

Já que voltei ao assunto sobre a vida e a obra do festejado autor de “O processo”, “A metamorfose”, “O castelo” e “Na colônia penal”, que abordei diversas vezes, entendo como oportuna a reprodução de mais um trecho do ensaio que publiquei a seu respeito no “Correio Popular” de Campinas, em 15 de abril de 1988, que contém informações que certamente serão úteis (quando não novidades) para muitos leitores.

Franz Kafka deu o ‘grito de liberdade’ do pai dominador por volta de 1922, quando conheceu Dora Dyamant. Antes de conhecê-la, todavia, manteve profunda ligação sentimental, provavelmente platônica, com outra mulher, de rara inteligência, chamada Milena, com quem trocou vasta correspondência, que ascendeu a cerca de 300 cartas. Nelas, o escritor ‘abriu’ a alma e expôs, com clareza e precisão, o que o atormentava. Hoje, essas mensagens são consideradas documentos muito valiosos, reveladores da estranha e atormentada personalidade de Kafka.

Essas cartas foram publicadas, em forma de livro, após a morte do escritor. Aliás, foi Milena que traduziu seus textos para o idioma checo. Apesar de se tratar de figura marcante em sua vida, o relacionamento amoroso entre ambos não prosperou.

O romance com Dora, no entanto, foi duradouro e explosivo. Ocorreu quando Kafka já estava tuberculoso e a doença avançava com grande rapidez. Esta musa dos últimos dias do escritor era filha de proletários judeus poloneses. Para viver com Dora, Franz deixou Praga, com todas as suas lembranças e tristezas, e mudou-se para Berlim.

A tuberculose avançava e Kafka não se conformava com essa ironia do destino. Trabalhava furiosa e desesperadamente e queria, mais do que nunca, viver. Desejava, ardentemente, dar todo o amor que represara a vida toda para Dora. Mas sua situação, tanto a de saúde, quanto a financeira e política, não era nada favorável.

Na Alemanha, derrotada na Primeira Guerra Mundial e submetida pelos vencedores a humilhantes e vexatórias condições, já se manifestavam os primeiros sinais de intolerância e de ódio racial, que iriam dar margem ao surgimento do nazismo e aos acontecimentos que levariam o país à ruína e a Europa à catástrofe e que se conhecem de sobejo. O inverno de 1923 para 1924 foi dos mais rigorosos dos últimos anos.

Franz Kafka chegou a passar fome e frio nesse período, o que só agravou seu estado de saúde, que já era dos mais precários. Seu tio, ao fazer-lhe uma visita, decidiu levá-lo de volta a Praga, mesmo contra sua vontade, internando-o num sanatório de Kierling. Tarde demais.

Em 3 de junho de 1924, após expulsar do quarto a enfermeira e pedir morfina a um amigo, para aplacar o sofrimento, o escritor mais solitário e angustiado do século passado expirou, sem ter logrado vencer sua solidão...Tornou-se, em contrapartida, porta-voz do inconformismo, ácido crítico do absurdo do sistema que nos submete e nos tritura”.



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