Biógrafa checa de Kafka
Pedro J. Bondaczuk
A
gentil e oportuna manifestação da premiada escritora (e advogada)
Jeanette Rozsas – diretora da União Brasileira de Escritores – a
propósito da primeira biografia de Franz Kafka, escrita por um
escritor checo, lançada em Praga há oito ou nove anos (não tenho
certeza), faz com que eu traga à baila, mais uma vez, essa figura
carismática e pitoresca, cuja vida foi tão interessante (e
intrigante) quanto sua obra.
Apaixonada
pela vida e obra do escritor checo (que pesquisou por anos), ela
escreveu uma biografia “diferente” a seu respeito. Sem fugir, em
momento algum, dos fatos – quer os documentados, quer os
testemunhados por seus contemporâneos –, reproduziu sua trajetória
em detalhes, mas em forma de romance, como se fosse ficção.
Obviamente, não é. Refiro-me ao livro “Kafka e a marca do corvo”,
lançado no Brasil em 2009 pela Geração Editorial.
Rozsas
pesquisou arduamente, como ressalta a sinopse da editora, “a
linguagem” utilizada pelo escritor checo, “seus contos
fantásticos e romances claustrofóbicos, suas cartas e diários”.
Está aí, pois, um livro que recomendo, com gosto. Jeanette, por
sinal, tem, em seu currículo de escritora, outros sucessos
editoriais, como “Feito em silêncio” (contos, Editora Vertente)
e “Autobiografia de um crápula”, para citar apenas dois.
Já
que voltei ao assunto sobre a vida e a obra do festejado autor de “O
processo”, “A metamorfose”, “O castelo” e “Na colônia
penal”, que abordei diversas vezes, entendo como oportuna a
reprodução de mais um trecho do ensaio que publiquei a seu respeito
no “Correio Popular” de Campinas, em 15 de abril de 1988, que
contém informações que certamente serão úteis (quando não
novidades) para muitos leitores.
“Franz
Kafka deu o ‘grito de liberdade’ do pai dominador por volta de
1922, quando conheceu Dora Dyamant. Antes de conhecê-la, todavia,
manteve profunda ligação sentimental, provavelmente platônica, com
outra mulher, de rara inteligência, chamada Milena, com quem trocou
vasta correspondência, que ascendeu a cerca de 300 cartas. Nelas, o
escritor ‘abriu’ a alma e expôs, com clareza e precisão, o que
o atormentava. Hoje, essas mensagens são consideradas documentos
muito valiosos, reveladores da estranha e atormentada personalidade
de Kafka.
Essas
cartas foram publicadas, em forma de livro, após a morte do
escritor. Aliás, foi Milena que traduziu seus textos para o idioma
checo. Apesar de se tratar de figura marcante em sua vida, o
relacionamento amoroso entre ambos não prosperou.
O
romance com Dora, no entanto, foi duradouro e explosivo. Ocorreu
quando Kafka já estava tuberculoso e a doença avançava com grande
rapidez. Esta musa dos últimos dias do escritor era filha de
proletários judeus poloneses. Para viver com Dora, Franz deixou
Praga, com todas as suas lembranças e tristezas, e mudou-se para
Berlim.
A
tuberculose avançava e Kafka não se conformava com essa ironia do
destino. Trabalhava furiosa e desesperadamente e queria, mais do que
nunca, viver. Desejava, ardentemente, dar todo o amor que represara a
vida toda para Dora. Mas sua situação, tanto a de saúde, quanto a
financeira e política, não era nada favorável.
Na
Alemanha, derrotada na Primeira Guerra Mundial e submetida pelos
vencedores a humilhantes e vexatórias condições, já se
manifestavam os primeiros sinais de intolerância e de ódio racial,
que iriam dar margem ao surgimento do nazismo e aos acontecimentos
que levariam o país à ruína e a Europa à catástrofe e que se
conhecem de sobejo. O inverno de 1923 para 1924 foi dos mais
rigorosos dos últimos anos.
Franz
Kafka chegou a passar fome e frio nesse período, o que só agravou
seu estado de saúde, que já era dos mais precários. Seu tio, ao
fazer-lhe uma visita, decidiu levá-lo de volta a Praga, mesmo contra
sua vontade, internando-o num sanatório de Kierling. Tarde demais.
Em
3 de junho de 1924, após expulsar do quarto a enfermeira e pedir
morfina a um amigo, para aplacar o sofrimento, o escritor mais
solitário e angustiado do século passado expirou, sem ter logrado
vencer sua solidão...Tornou-se, em contrapartida, porta-voz do
inconformismo, ácido crítico do absurdo do sistema que nos submete
e nos tritura”.
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