Homem
de ação
Pedro
J. Bondaczuk
A
ideia que geralmente fazemos de um intelectual é a do sujeito
discreto, que foge dos refletores da opinião pública e das
badalações dos basbaques, que despende a maior parte do seu tempo
lendo, refletindo, escrevendo, produzindo e difundindo ideias. Esse
estereótipo, no entanto, nem sempre condiz com a realidade.
Nada
impede que o sujeito de intelecto privilegiado seja, simultaneamente,
homem de ação. É, aliás, o que foi o espanhol, de alma francesa,
Jorge Semprun, escritor, intelectual de renome e de grande prestígio,
político e cineasta, que faleceu no dia 7 de junho de 2011, em
Paris, aos 87 anos (faria 88 em 10 de dezembro).
Trata-se
de um guerreiro na acepção do termo. Exilado na França, ocupada
pelos nazistas, desde 1941, onde estudou Filosofia na tradicional
Universidade de Sorbonne, pegou em armas, durante a Segunda Guerra
Mundial, combatendo os invasores como integrante da resistência
francesa. Por sua militância comunista, foi denunciado, preso,
torturado e enviado ao campo de concentração de Buchenwald. Foi,
como se pode deduzir, uma experiência terrível, da qual, com muita
sorte, conseguiu sair com vida. Milhões não conseguiram.
Tudo
o que viu, ouviu e, enfim, testemunhou nesse período de triste
memória, marcou, como seria de se esperar, sua vida. Mas a amarga e
dolorosa experiência também determinou os rumos da sua literatura
(engajada) e, principalmente, da sua atuação política. Sua coragem
e militância na causa da liberdade fizeram com que fosse aclamado
como herói na França, país em que se estabeleceu.
Embora
nunca tenha deixado de sentir-se espanhol, tinha, pode-se dizer,
“alma francesa”. Amava a língua, as artes, as tradições e a
cultura do país que o abrigou e que defendeu, com o risco da vida,
de armas em punho. Como se vê, Jorge Semprun não satisfaz nem um
pouco o estereótipo do intelectual, que sempre foi, e legítimo.
Outro
ponto que o diferencia dessa ideia genérica (e nem sempre correta)
de homem de pensamento, é o fato de sempre haver tido ativíssima
militância política. Mesmo residindo na França, foi alto membro do
Partido Comunista Espanhol, proscrito durante a longa ditadura de
Francisco Franco na Espanha, chegando a integrar o Comitê Central do
PCE e, em seguida, o Comitê Executivo.
Logo
após o fim da ditadura franquista, com a redemocratização de sua
terra natal, regressou a ela, para participar do governo do
socialista Felipe Gonzalez. Foi convidado, e aceitou ser ministro da
Cultura da Espanha, função que exerceu entre 1988 e 1991. Embora
atuando, tão intensamente, na política, Jorge Semprun nunca se
descuidou das atividades artísticas e intelectuais. Por exemplo,
escreveu, e publicou, 17 livros, de vários gêneros.
Além
da literatura, engajou-se ao cinema, onde participou de 14 filmes,
entre os quais alguns bastante famosos e muito conhecidos do público,
como “Z”, dirigido por Costa Gavras, “A guerra terminou”, de
Alain Resnais e a série de televisão “O caso Dreyfus”, que
contou com a direção de Yves Boisset. Conquistou inúmeros prêmios,
notadamente literários, o que atesta seu indiscutível e
inquestionável talento de escritor.
Dominava,
como poucos, dois idiomas: o castelhano, de sua terra natal, e o
francês, da sua segunda pátria. E aí está uma particularidade que
me chamou muito a atenção ao pesquisar sua trajetória. Por se
tratar de escritor espanhol, é lícito de se presumir que escrevesse
seus livros no belo idioma de Cervantes, claro, o dos seus pais.
Todavia, não foi o que aconteceu. Dos dezessete livros que publicou,
somente dois foram escritos em castelhano: “Autobiografia de
Federico Sanchez” e “Veinte años e um dia”. Os demais foram
todos redigidos em francês.
Confesso
que, por mais que eu conhecesse outro idioma, que não o do país em
que nasci, não conseguiria fazer isso. Não teria confiança
suficiente a esse ponto. Por causa dessa particularidade, há, até,
quem se confunda quanto à sua nacionalidade e garanta que Jorge
Semprun era francês. Não era. Espiritualmente, por tudo o que viveu
nesse país, até pode ser. Mas... era, de fato, espanhol, tanto que
foi ministro em sua terra natal.
Outra
particularidade interessante é a que se refere ao livro
“Autobiografia de Federico Sanchez”. Muitos devem ter ficado
intrigados pelo fato de uma “autobiografia” haver sido escrita
por outra pessoa, que não o biografado. Os apressadinhos e mal
informados detectam aí uma contradição. E, aparentemente, há
mesmo.
Todavia,
Federico Sanchez era o próprio Jorge Semprun. Foi um pseudônimo que
adotou, quando no exílio, para exercer intensa atividade clandestina
de oposição à ditadura franquista. É certo que assinava artigos e
manifestos com outros tantos nomes inventados. Mas o mais costumeiro,
que usou por muito mais vezes, foi, mesmo, o de Federico Sanchez.
Como
se vê, não se pode e nem se deve apegar a estereótipos quando se
trata de definir intelectuais. Há, de fato, os discretos, e até
tímidos, que vivem encerrados em gabinetes e bibliotecas, criando
ideias e conceitos, evitando, sempre que possível, a exposição
pública. Mas nada impede que seja, simultaneamente, homem de ação,
sem perder a primeira condição. Jorge Semprun que o diga.
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