Crônica esportiva
Pedro J. Bondaczuk
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Volta e meia sou questionado, principalmente por estudantes, se a
crônica esportiva, notadamente a que versa sobre essa paixão
mundial, que é o futebol, é literatura. Minha resposta,
invariavelmente, é a mesma: depende de quem a escreve e da abordagem
que lhe confere. Há pessoas que, embora lidem com texto e façam
dele seu ganha pão, não vibram com o que escrevem. Sua escrita é
chata, monótona, formal e sem graça.
Um redator talentoso, criativo e original é competente o suficiente
para fazer de uma bula de remédio literatura de primeira linha. E há
outros tantos que, por melhor que seja o assunto que se propõem a
abordar, se perdem em bla-bla-blás sem pé e nem cabeça e despidos
de conteúdo.
A crônica, esportiva ou não, para merecer de fato essa designação,
não pode ser factual. Ou seja, não pode se esgotar tão logo o
acontecimento que a gerou se esgote. Textos assim têm designação
própria: são artigos. Estes sim têm que se ater rigorosamente a
fatos e não fazem concessões a reflexões e muito menos a
divagações. A maioria das pessoas confunde, a todo o momento, os
dois gêneros, um jornalístico e o outro literário.
Tenho lido com assiduidade grandes cronistas esportivos, dos quais o
mestre dos mestres foi, sem dúvida, o já saudoso Armando Nogueira.
Ele comentava, sempre com elegância e inteligência, mas sem jamais
fugir do rigor dos fatos, não apenas futebol, mas todo o tipo de
esporte, mesmo os menos praticados e mais exóticos. E mesmo quando o
assunto era aparentemente factual, todo ele calcado num determinado e
transitório evento esportivo, ele conseguia, por artes “mágicas”,
tornar o texto perene e, mais do que isso, imortal.
Tenho crônicas de Armando Nogueira dignas de figurar nas melhores
antologias do gênero e, claro, com merecido destaque. Oportunamente,
comentarei algumas delas, irrepreensíveis do começo ao fim, sem que
o mais severo e ácido dos críticos possa encontrar o mais ligeiro
senão e fazer a mínima restrição.
Outro cronista esportivo da minha predileção é Eduardo Gonçalves
de Andrade, ou melhor, Doutor Eduardo Gonçalves de Andrade. Dito
assim, o leitor pensará com seus botões: “O Editor, hoje, pirou,
ou bebeu. Não conheço esse cronista, de quem nunca ouvi falar”.
Pois bem, e se eu disser que se trata de um dos melhores jogadores
que este país pentacampeão do mundo já produziu, melhora? Vocês
estão, mesmo, lentos de raciocínio. Pois bem, já que não mataram
a charada, lhes revelo o apelido pelo qual ficou conhecido, quer nos
gramados, quer na crônica esportiva: Tostão.
Ah, agora caiu a ficha! Pois é, o grande centroavante da Copa de
1970, originalmente um meia, a exemplo de Pelé, Rivelino e
Jairzinho, revela-se tão bom na escrita quanto foi jogando bola.
Seus textos são como os do mestre Armando, embora ambos tenham
estilos totalmente diferentes. Mesmo os que parecem ser factuais, não
o são. Leiam qualquer de suas crônicas. Tomem, por exemplo, uma
escrita há dez anos. Não lhes parece que Tostão a escreveu ontem?
Isso não é jornalismo (e mesmo que fosse, seria da melhor
qualidade), mas literatura pura.
Quando abordo determinados assuntos, principalmente os mais
populares, como este, evito, sempre que posso, de citar nomes. Por
que? Para não cometer injustiças das quais venha a me arrepender,
omitindo gente boa, que mereceria ser citada, mas que, ou por lapsos
de memória (é impossível lembrar-me de tudo o que preciso, nos
momentos de maior necessidade), ou por falta de espaço, acabo não
dizendo nada a seu respeito. E, invariavelmente, tenho que me
penitenciar na sequência.
Mas temos (felizmente), gente muito boa, jornalistas ou não,
escrevendo excelentes crônicas esportivas. Citaria, sem ter que
pensar bastante, Fernando Calazans, por exemplo, ou Márcio Guedes,
ou Paulo Vinícius Coelho, ou Juca Kfoury, ou André Plihal, ou Xico
Sá (que desmistifica o gênero e escreve textos deliciosos, com
irreverência e humor). Fosse citar todo mundo que gosto, gastaria os
cinquenta textos que programei para escrever, sobre literatura e
futebol, apenas digitando nomes. Claro que não é o que vocês
esperam de mim.
Creio que a área em que o jornalismo brasileiro está melhor servido
é, justamente, esta, a dos esportes. Aliás, corrijo: do futebol.
Porquanto outras modalidades esportivas importantes, como o vôlei, o
basquete, o atletismo etc., vivem à míngua, com seus dirigentes e
praticantes vibrando de emoção quando conseguem, pelo menos, ser
citados, mesmo que de passagem e em apenas umas poucas linhas.
O tema é amplo e é claro que voltarei a ele. Seria impossível
fazer sequer sua introdução em um espaço tão restrito, por maior
que fosse meu poder de síntese (que ademais é pequeniníssimo, já
que sou daqueles redatores prolixos, apreciados por poucos e um
tormento para os que não gostam de ler).
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