De
polêmica em polêmica
Pedro
J. Bondaczuk
O
escritor canadense Yann Martel parece adorar uma boa polêmica. Caso
não goste, as circunstâncias que o envolvem fazem com que, volta e
meia, esteja metido em uma. É mister ressaltar que se trata de um
sujeito bem-sucedido no mundo da literatura. Seu romance anterior, “A
vida de Pi”, recebeu excelente acolhida da crítica de língua
inglesa. Mais do que isso, esgotou edições após edições. Foi
traduzido para 41 idiomas e valeu-lhe a consagração na época, com
a conquista, em 2002, do cobiçado “Man Booker Prize”, um dos
mais prestigiosos prêmios internacionais de literatura.
Esperava-se
que Martel fosse “surfar” nessa onda de sucesso, lançando novos
livros, com a mesma qualidade de “A vida de Pi” e idêntico
êxito. Não foi o que aconteceu. De repente, o escritor sumiu do
cenário editorial por praticamente uma década, para só retornar em
2011, com o não menos polêmico romance “Beatriz & Virgílio”.
Este, pelo menos no primeiro momento, pareceu não agradar à
crítica. Pelo menos desagradou maioria dos críticos.
Nesse
livro, Yann Martel propos-se a uma nova abordagem do “Holocausto”
nazista, durante a Segunda Guerra Mundial. O mesmo mote da sua
história é a indagação dos que leram esse romance. O enredo
começa envolvendo um escritor, que atravessa profunda crise de
criatividade e que tem sua obra literária rejeitada por um editor
que, após a leitura de algumas páginas, lhe indaga: sobre o que é
o seu livro?
Ocorre
que esse personagem principal não consegue resumir, de forma
inteligível e coerente, esse misto de romance e ensaio que
apresentou ao editor. Na vida real, no caso de “Beatriz &
Virgílio”, fica-se com essa mesma dúvida, com idêntica sensação.
O
motivo que me leva a escrever a propósito, porém, não é o enredo
do livro, longe disso. E sequer me proponho a fazer uma resenha a
respeito, já que nunca, em minhas análises, estraguei o fator
surpresa do leitor. Quem quiser saber o assunto do romance, que o
compre e leia. O que me move a tratar de Yann Martel é o fato de,
volta e meia, estar envolvido em alguma (ou algumas) polêmica.
Por
exemplo, todos conhecem-no como escritor canadense. Não é!. O
Canadá não é sua terra natal, mas sim a Espanha, onde nasceu em
1963 (como se vê, é um autor bastante jovem, de apenas 55 anos de
idade). Outro aspecto a ressaltar é o fato de utilizar,
invariavelmente, animais em seus enredos, ora como “personagens
centrais”, ora como subsidiários, diríamos, como “figurantes”.
Fez isso em “A vida de Pi”. Repetiu a fórmula em “Beatriz &
Virgílio”.
Aliás,
no seu tão bem-sucedido e premiado romance anterior, envolveu-se (ou
foi envolvido) em outra polêmica. Dessa vez, foi acusado de plagiar
um trecho do livro do brasileiro Moacyr Scliar “Max e os felino”".
Yann Martel, obviamente, negou o plágio e aproveitou para elogiar a
postura “elegante” do escritor gaúcho. Confessou que houve, sim,
uma certa “influência”. Mas garantiu que não plagiou Scliar.
No
livro do escritor brasileiro há um trecho em que um homem fica preso
em um bote salva-vidas com uma pantera. Em “A vida de Pi”, “um
adolescente divide o espaço com um tigre e outros bichos”. Da
minha parte, estou convencido de que não houve o alegado plágio.
Mas... a discussão rendeu, e por bom tempo, muita polêmica.
Yann
Martel negou, em entrevista que concedeu ao jornal “O Estado de São
Paulo”, que a demora para lançar “Beatriz & Virgílio” se
deveu ao que atribuiu ao personagem principal do romance: à crise de
criatividade (o grande “fantasma” de nós, escritores e, ademais,
de todos os artistas). Justificou que o tema exigia maiores
pesquisas, já que pretendia tratar o Holocausto de forma original.
Ou seja, sem uma descrição explícita daqueles horrores, mas de
forma metafórica. Para tanto, leu muitos livros a propósito,
escritos por sobreviventes de campos de concentração, e esteve, até
mesmo, na Polônia e em Israel, para entrevistar alguns deles.
Mas
se vocês pensam que as polêmicas em que Martel se envolveu foram,
apenas, as citadas, estão enganados. A maior delas envolveu o então
próprio primeiro-ministro do Canadá, Stephen Harper. O político
fez uma declaração nitidamente infeliz, em que mostrou que não
era, digamos, grande leitor de obras literárias. Disse que o seu
livro favorito (vejam só!)_era o “Guiness Book”. Martel não se
fez de rogado. Mandou ao primeiro-ministro, a cada duas semanas, ao
longo de quatro anos, bons livros, de todos os tipos, acompanhados de
cartas justificando a escolha.
Claro
que isso repercutiu, e bastante. Mas o escritor admitiu que essa sua
“gentileza” lhe consumiu um tempo enorme, o que, conforme disse,
retardou a conclusão e publicação de “Beatriz & Virgílio”
(lançado, no Brasil, pela Editora Nova Fronteira, com tradução de
Maria Helena Rouanet).
Justificando
a presença de animais em seus enredos, Yann Martel afirmou: “Poucos
autores de ficção adulta recorrem a animais. O resultado não é só
uma ausência cada vez maior de animais em nosso mundo real, mas
também no imaginário. Só autores de literatura infantil fazem
muito uso de animais. É uma pena. Eu não sei o que há de infantil
sobre um tigre ou elefante”. Eu também não!
A
propósito, a Beatriz, do título do romance, não é nenhuma
donzela, ou princesa, ou sequer mulher. É uma mula! E seu
“parceiro”, Virgílio, vem a ser um macaco. Podem falar o que
quiserem de Martel, menos que ele não seja original. E,
principalmente, que não adore uma boa polêmica.
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