Mudanças à vista
Pedro J. Bondaczuk
Cerca de 2.800 emendas foram
apresentadas ao Congresso Nacional ao plano de estabilização da
economia lançado de impacto pelo governo de Fernando Collor de
Mello. Se o conjunto das medidas elaboradas pela assessoria econômica
do presidente possui consistência técnica e conteúdo satisfatório,
isto ficará a cargo de uma avaliação sóbria e sensata por parte
do Legislativo.
Entretanto, a remessa desse
elevado número de emendas, desde já, proporciona a todos nós a
dimensão exata dos efeitos provocados pelo plano na sociedade
brasileira, caracterizando a necessidade de todo esse elenco de
providências ser discutido e analisado em seus mínimos detalhes,
tantos os interesses em jogo. Não há dúvida alguma de que o
lançamento do plano, ousado e corajoso, apanhou a todos de surpresa,
ocasionando reações naturais, apesar da reconhecida aceitação
quanto ao seu aspecto global, isto porque ninguém mais suportava
aquela inflação de 70% ao mês, como se observava no final do
governo de José Sarney.
Cabe assim ao Congresso
Nacional a tarefa de alta responsabilidade de examinar atentamente as
medidas adotadas, dando aquela dose de ajustes indispensáveis. Por
força da reação da sociedade às propostas dispondo sobre os
crimes de abuso do poder econômico, estabelecendo punições severas
contra infratores da política de congelamento de preços ou
sonegadores de impostos, tomou o governo a iniciativa de suspender as
Medidas Provisórias 153 e 156. O capítulo relativo às cadernetas
de poupança está polarizando também o esforço de mudanças ao
plano, ocorrendo o mesmo em relação à extinção de órgãos do
governo e privatização de empresas estatais. Não se acredita hoje
em Brasília possa o plano ser referendado pelo Congresso na íntegra.
Todavia, ainda é um pouco
cedo para a sociedade brasileira tomar conhecimento das virtudes ou
possíveis defeitos das medidas colocadas em prática com o objetivo
salutar de pôr ordem na casa desarrumada. Só o tempo terá o condão
de prognosticar algo certo. Não se pode pois criticar abertamente ou
lançar pruridos de entusiasmo antes de um período de funcionamento
e observações. Muito oportuna no entanto a opinião do jornalista
J. Carlos de Assis, através de "O Globo", a respeito desse
conjunto de medidas: "Na sua estrutura geral, o Plano Collor
visou a liquidar com a especulação financeira e valorizar a
economia produtiva. Na prática, em face de erros operacionais e de
avaliação da equipe econômica, está liquidando a economia
produtiva e institucionalizando a especulação por dentro do sistema
bancário”.
O presidente não tem culpa
disso. Está sendo conduzido nessa direção pelos monetaristas que
comandam as decisões econômicas. Com total boa fé e ímpeto
apostólico. Como se sabe, o monetarismo não é uma teoria
econômica, mas uma religião. Seus apóstolos e propagadores não
medem custos sociais e políticos, por uma fé cega nas equações
matemáticas simplificadoras, que não levam em conta a rigidez dos
processos econômicos reais nem o fator tempo. Estão dispostos a
pagar qualquer preço pela estabilização, sobretudo porque o preço
não é pago com a renda e o emprego deles, mas dos outros.
(Editorial publicado na página
2, Opinião, do Correio Popular, em 4 de abril de 1990)
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