Thursday, July 19, 2018

DIRETO DO ARQUIVO - Mudanças à vista


Mudanças à vista


Pedro J. Bondaczuk


Cerca de 2.800 emendas foram apresentadas ao Congresso Nacional ao plano de estabilização da economia lançado de impacto pelo governo de Fernando Collor de Mello. Se o conjunto das medidas elaboradas pela assessoria econômica do presidente possui consistência técnica e conteúdo satisfatório, isto ficará a cargo de uma avaliação sóbria e sensata por parte do Legislativo.

Entretanto, a remessa desse elevado número de emendas, desde já, proporciona a todos nós a dimensão exata dos efeitos provocados pelo plano na sociedade brasileira, caracterizando a necessidade de todo esse elenco de providências ser discutido e analisado em seus mínimos detalhes, tantos os interesses em jogo. Não há dúvida alguma de que o lançamento do plano, ousado e corajoso, apanhou a todos de surpresa, ocasionando reações naturais, apesar da reconhecida aceitação quanto ao seu aspecto global, isto porque ninguém mais suportava aquela inflação de 70% ao mês, como se observava no final do governo de José Sarney.

Cabe assim ao Congresso Nacional a tarefa de alta responsabilidade de examinar atentamente as medidas adotadas, dando aquela dose de ajustes indispensáveis. Por força da reação da sociedade às propostas dispondo sobre os crimes de abuso do poder econômico, estabelecendo punições severas contra infratores da política de congelamento de preços ou sonegadores de impostos, tomou o governo a iniciativa de suspender as Medidas Provisórias 153 e 156. O capítulo relativo às cadernetas de poupança está polarizando também o esforço de mudanças ao plano, ocorrendo o mesmo em relação à extinção de órgãos do governo e privatização de empresas estatais. Não se acredita hoje em Brasília possa o plano ser referendado pelo Congresso na íntegra.

Todavia, ainda é um pouco cedo para a sociedade brasileira tomar conhecimento das virtudes ou possíveis defeitos das medidas colocadas em prática com o objetivo salutar de pôr ordem na casa desarrumada. Só o tempo terá o condão de prognosticar algo certo. Não se pode pois criticar abertamente ou lançar pruridos de entusiasmo antes de um período de funcionamento e observações. Muito oportuna no entanto a opinião do jornalista J. Carlos de Assis, através de "O Globo", a respeito desse conjunto de medidas: "Na sua estrutura geral, o Plano Collor visou a liquidar com a especulação financeira e valorizar a economia produtiva. Na prática, em face de erros operacionais e de avaliação da equipe econômica, está liquidando a economia produtiva e institucionalizando a especulação por dentro do sistema bancário”.

O presidente não tem culpa disso. Está sendo conduzido nessa direção pelos monetaristas que comandam as decisões econômicas. Com total boa fé e ímpeto apostólico. Como se sabe, o monetarismo não é uma teoria econômica, mas uma religião. Seus apóstolos e propagadores não medem custos sociais e políticos, por uma fé cega nas equações matemáticas simplificadoras, que não levam em conta a rigidez dos processos econômicos reais nem o fator tempo. Estão dispostos a pagar qualquer preço pela estabilização, sobretudo porque o preço não é pago com a renda e o emprego deles, mas dos outros.

(Editorial publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 4 de abril de 1990)



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