Fôlego para o trabalho
Pedro J. Bondaczuk
O
ato de produzir – seja um móvel, uma peça, um carro ou um poema,
um conto, um quadro, uma sinfonia – requer uma série de
requisitos. Em primeiro lugar, a pessoa que se dispõe a executar
essa tarefa de criação (ou de transformação) tem que estar
preparada para ela. Precisa saber fazer e não apenas querer,
partindo de uma boa ideia. Em segundo lugar, a obra em questão
precisa ser factível. Em terceiro, é necessário haver a
matéria-prima necessária e o instrumental adequado para a produção.
E os requisitos não param por aí. Passam pelo planejamento, pela
pesquisa, pela medição etc. Mas, sobretudo, é necessária uma dose
adequada de trabalho, sem a qual o que se idealizou não passará de
simples ideia.
Estas
considerações vêm a propósito daquilo que muitos pseudo artistas,
ou seja, leigos que pretendem invadir searas que desconhecem, ou os
que estão dando os primeiros passos no mundo fascinante, mas cheio
de espinhos, das artes, denominam de "inspiração". E o
que vem a ser isso? Ou melhor, existe aquela centelha súbita que faz
com que uma determinada obra, qualquer que seja a sua natureza, brote
do nada e já surja acabada? Claro que não! Alguns ingênuos acham
que sim. Artistas e artesãos experientes admitem sua existência,
mas atribuem-lhe importância bastante reduzida, ínfima,
imperceptível no ato de produção. Para cada pessoa, a palavra
"inspiração" tem um significado diferente. Para uns, é a
ideia principal, o cerne, a alma que determina como vai ser a obra.
Para outros, é a mera tomada de fôlego, a descoberta do caminho
mais fácil para a execução do que foi antecipadamente planejado.
Raros
são os escritores que se confessam satisfeitos com o resultado final
de seus textos, sejam contos, poemas, romances, novelas etc. A
maioria, antes de dá-los por concluídos, corta, refaz, acrescenta,
modifica trechos, parágrafos, capítulos. Há, até, os que
descambam para o exagero e reescrevem várias vezes o trabalho
inteiro, produzindo cinco, dez, vinte ou mais versões. Eu já agi
assim e inúmeras vezes. Existem casos em que o editor se vê forçado
a interferir e "confiscar" os originais do escritor, caso
contrário a obra acaba não sendo nunca publicada. Se deixar por
conta do autor, o texto corre o risco de permanecer inédito, tamanha
sua obsessão em busca do impossível: da perfeição. O que vem a
ser isso? Excesso de perfeccionismo? Insegurança? Falta de talento?
Não! Trata-se da busca da qualidade. É respeito pela própria
imagem que o intelectual consciente possui. É esse zelo que impede
(ou pelo menos ajuda a evitar) com que venha a cair em ridículo, por
falta de autocrítica. É verdade que muitos exageram. Eu sou um
destes.
Mário
de Andrade, por exemplo, chegou a gastar mais de vinte anos para
escrever um único conto, que poderia ter sido escrito em menos de
meia hora. E ninguém, nem seu mais ácido crítico, se atreve a lhe
negar o mérito de um dos monstros sagrados da moderna literatura
brasileira. Muitos romances, hoje consagrados pela crítica e pelo
público, tiveram gestações prolongadas, às vezes até de décadas.
São estes os trabalhos que no fim das contas permanecem, e encantam,
e se tornam paradigmas das novas gerações e findam por se
constituir em modelos, em parâmetros, em clássicos literários.
Não
basta, pois, a "inspiração", a fagulha, a centelha de uma
boa ideia. Sem a técnica, sem o domínio do idioma, sem a
verossimilhança do tema escolhido, ou mesmo proposto, sem a clareza
e a concisão, sem a capacidade de prender a atenção do leitor, sem
a constante e aguçada autocrítica, os escritores "inspirados"
(ou artistas e artesãos quaisquer) jamais chegarão a lugar algum.
O
saudoso poeta matogrossense Manoel de Barros deu a definição
adequada para a questão. Acentuou: "Acho que a inspiração é
um entusiasmo para o trabalho, um estado anímico favorável à
poesia, mas não chega por si só a fazer arte. Seria, quando muito,
uma erupção sentimental, brotoeja, esguicho romântico, soluço de
dor de corno".
Por
isso, quando um escritor compara a produção de alguma obra com as
dores do parto, não há exagero algum nessa figura de
linguagem. Um texto em elaboração, antes de concluído, chega a
"doer" no autor. A angústia, a preocupação, a
insegurança e a incerteza quanto ao produto final constituem-se em
medonhos pesadelos. E raros, raríssimos dos grandes mestres, depois
da obra acabada, consideram que ela ficou exatamente como imaginaram
quando se lançaram à empreitada. Inspiração? Existe por acaso?
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