Generosas
flores
Pedro J. Bondaczuk
As idéias, na feliz metáfora do escritor francês André Gide, são
flores que colhemos no jardim da vida. Todavia, o mais sensato não é
esperar que elas surjam espontaneamente (pois podem também não
surgir), mas cultivá-las com disciplina e afinco. Para isso, devemos
estar predispostos a esse cultivo. Para que elas brotem e se
desenvolvam, é mister que as semeemos antes. Todas as pessoas as
têm. Algumas, porém, não lhes dão a devida atenção e deixam que
se percam nos meandros do cérebro.
Há, porém, quem tem nas ideias a matéria-prima da sua produção.
É o caso dos filósofos, dos artistas de todas as artes, dos
jornalistas, dos inventores e dos escritores, entre outros. Para
estes, elas são essenciais, jamais podem faltar, sob pena de
fracasso. Contudo, observe-se, as ideias nunca vêm completas,
prontas, acabadas. Às vezes não passam de mero lampejo, com a
rapidez de um raio. Daí sua comparação com as flores, que requerem
cuidado pra frutificar. As ideias, para gerarem o efeito que delas se
espera, requerem o acompanhamento da ação. São meros embriões de
obras, que podem se desenvolver ou serem abortados, dependendo de
como viermos a proceder.
A possibilidade de pensar é das prerrogativas mais nobres que temos
e, ao mesmo tempo, é um dever. Compete-nos contribuir para a solução
dos grandes problemas que afligem não apenas a nós mesmos, nossas
famílias, nossa comunidade e nosso país, mas também à humanidade
da qual fazemos parte. Observei, certa feita, em um ensaio, que há
os que não “querem” pensar, aferrados a pensamentos alheios, que
colocam como dogmas. “São os fanáticos, que impedem, com sua
falta de visão, o progresso dos povos”.
Enfatizei, na sequência, que há os que não “podem” exercer
essa prerrogativa, por deficiência mental. São os loucos e idiotas,
que não têm culpa desses males. Mas não “ousar” pensar é o
delito dos delitos. Significa omissão. E o omisso é um parasita,
que sempre depende que outros façam o que lhe caberia fazer.
As ideias, mesmo as aparentemente banais, têm incrível poder
transformador sobre nossas mentes e, principalmente, sobre nossas
vidas. Raramente nos damos conta disso, mas é algo para o que
deveríamos atentar. Sua geração e cultivo não são prerrogativas
de filósofos, cientistas ou escritores. Estão ao alcance de
qualquer um. As ideias são como contas de um rosário: uma puxa
outra e, quando percebemos, constatamos, surpresos, que nos tornamos
um pouco mais sábios, sensatos e criativos. Por isso, um dos hábitos
mais saudáveis que podemos desenvolver é o da meditação.
Cultivar ideias é necessidade humana, prerrogativa do único animal
inteligente da natureza. O mais humilde e iletrado dos homens pode e
deve fazê-lo, pois esse é o único recurso que tem para a ascensão
mental, espiritual e até social. Conheço analfabetos que sequer
sabem distinguir as letras, mas que têm visão privilegiada da vida
e muito a nos ensinar. Tudo o que fazemos, desde o ato aparentemente
mais mecânico, à concepção de grandes obras materiais, artísticas
e intelectuais, depende de ideias. O que não podemos é deixar de
reciclá-las, para que não se cristalizem e não se transformem em
dogmas. Podemos (e devemos) dar grandeza e transcendência ao nobre
ato de pensar.
Nossas ideias nos personalizam, elevam, depreciam ou engrandecem,
dependendo do seu teor e intensidade. Se positivas e altruístas,
desde que praticadas, nos perpetuam no coração dos que se
beneficiam, direta ou indiretamente, delas e promovem progresso,
grandeza e transcendência. Se destrutivas, corruptoras, malévolas e
chulas, despertam horror e ira nos mais sensatos e, caso venham a ser
aplicadas pelos tíbios e sem personalidade, resultarão em intensos
sofrimentos e desgraças para um número incontável de pessoas.
As ideias podem nos apequenar (e aos que as compartilharem) ou
engrandecer. São elas que, de fato, governam o mundo. Por isso devem
ser policiadas, dia e noite, e filtradas, para que só as
construtivas prevaleçam.
Nada no ser humano é mais nobre e maior do que a razão. Nada se
compara à sua capacidade de raciocinar, de analisar e entender tudo
e todos que o cercam e de criar, com a simples força do pensamento,
o abstrato, ou seja, o que não existe.
Não fora sua racionalidade, e esse animal, fatalmente,, já teria
desaparecido da Terra (e ainda corre riscos concretíssimos de
desaparecer). Sua força física, como enfatizei inúmeras vezes, é
muito inferior à de tantas feras, como o tigre. Sua audição nem de
longe se aproxima da do morcego. Sua visão é ínfima perto da do
lince ou da águia.
Graças ao raciocínio, porém, este ser, complexo e maravilhoso e,
simultaneamente, tão imprevisível e contraditório, é o único que
tem a capacidade de pensar, de criar, de transformar o ambiente em
que vive e de dominar todos os outros animais.
A História da humanidade, infelizmente, foi escrita com sangue,
muito sangue, derramado em nome de ideais supostamente nobres, mas
que, na verdade, escondiam interesses inconfessáveis. Daí as
contradições do nosso tempo no relacionamento das pessoas. Daí
haver tanta cobiça, maldade, violência, ignorância, corrupção e
injustiças. E as coisas só não são piores, porque homens
generosos e sábios nos legaram (e seguem nos legando) ideias,
conceitos e valores eternizados pelo tempo.
Os pensadores é que deveriam ser exaltados pelos historiadores, não
os tiranos, os generais e os semeadores de morte e de destruição.
Destruir pessoas e obras nunca foi heroísmo. Victor Hugo (sempre
ele!), escreveu, num dos seus tantos e marcantes textos, o que parece
o óbvio aos que têm bom-senso, mas que ainda não convenceu os
néscios (a maioria):: “As ideias é o que se deve derramar, em vez
de sangue, para fecundar os campos em que germina o futuro dos
povos”. Derramemo-las, pois, generosa e profusamente, sem modéstia
e sem limites.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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