Friday, July 20, 2018

CRÔNICA DO DIA - Minha eventual biografia


Minha eventual biografia

Pedro J. Bondaczuk

A biografia de uma pessoa deve ser escrita (claro, se ela fizer por merecer tal registro) não necessariamente após sua morte, mas quando ela der por concluída a obra a que se propôs a realizar ao longo da vida. Enquanto se mantiver ativa, e produtiva, é prudente que se espere um pouco para biografá-la. Afinal, ela pode, nesse período, realizar algo de extraordinário, que fuja por completo ao comum e convencional. E se a biografia já estiver escrita, deixará, por consequência, de captar sua maior realização.

Em novembro de 1992, encerrei meu discurso de posse na Academia Campinense de Letras – onde fiz história, ao me tornar, na oportunidade, o acadêmico mais jovem a ser alçado à condição de “imortal”, nessa casa de notáveis – com uma declaração do ator, escritor, compositor e homem de cultura Mário Lago, que disse, em uma entrevista: “Sou homem do meu tempo. A minha biografia está em aberto”.

Passadas mais de duas décadas, ela permanece nessa condição. Tenho o privilégio de continuar sonhando, agindo, trabalhando e produzindo, em busca do “santo graal”, ou seja, da minha obra-prima, daquela que pode perpetuar meu nome geração após geração. Posso já tê-la produzido, sem que sequer haja me dado conta. Posso, em contrapartida, também jamais produzi-la, o que tornaria vãos todos os meus esforços e ilusões.

Dia desses, veio-me à cabeça uma fantasia insólita, até mesmo meio maluca. A de que, os ilustres colunistas do Literário, essa revista eletrônica diária de Literatura que edito pudessem, vir a escrever minha biografia. Não o fariam de forma coletiva, claro. Cada um escreveria a sua, com seu estilo peculiar e sua forma de me encarar enquanto escritor. Megalomania minha, claro. Porquanto, não seria “uma biografia”. Seriam dezesseis!!!

Esclareço que este texto foi originalmente escrito em 2009. Para se tornar razoavelmente atual, requeria algumas alterações. Sempre que posso, evito de escrever crônicas “datadas”. Tento, sempre que possível, optar pelo conceitual e não pelo factual, exatamente para que o texto se mantenha atual vinte, trinta, cinquenta, cem anos ou mais após ser redigido. Nem sempre isso é possível. Quando é o caso, ou seja, quando me solicitam a publicação de crônicas que sejam “datadas”, faço as devidas adaptações e, assim, elas se tornam atuais. Foi o que aconteceu com este texto que, apenas trago à sua apreciação para atender a pedidos de alguns leitores (e a solicitação destes encaro, sem pestanejar, como ordens). Caso o reproduzisse exatamente como foi originalmente concebido, estaria muito, muitíssimo distante do espírito que o norteou. Daí ter feito as adaptações.

Na crônica, posto que adaptada, menciono diversos colunistas que, por razões que só eles poderiam explicar, deixaram de ser colaboradores do Literário. Uma pena! Dois deles – Seu Pedro e Marco Albertim – infelizmente já faleceram, mas jamais serão esquecidos, tanto por este redator, quanto por muitos e muitos leitores. Deixei de mencionar parte considerável dos atuais colunistas, por não ter imaginado na ocasião o que eles escreveriam a meu respeito (caso, claro, escrevessem algo). Feitos os esclarecimentos, vamos ao texto (adaptado) da tal crônica.
Fiquei imaginando quais seriam as linhas mestras que cada colunista do Literário seguiria em seu livro, biografando este esforçado, posto que obscuro escritor menor. Aliene Coutinho, por exemplo, exsudando ternura e sensibilidade por todos os poros, provavelmente atentaria para a minha condição de poeta. Concentraria sua atenção no meu livro (ineditíssimo!!!!), “O poeta de alma azul”, reconstituindo as circunstâncias e as emoções que inspiraram cada um dos poemas que ele contém.

E o André Falavigna, qual o caminho que escolheria? Sem papas na língua (ou sem frescuras em seus textos), optaria por trazer à baila minhas inúmeras trapalhadas vida afora, que na época em que foram perpetradas (na escola, na faculdade, nas várias redações em que trabalhei) me causaram embaraço, aflição e constrangimento, mas que hoje me provocam, apenas, incontroláveis ataques de gargalhada. Seria um barato essa biografia!

Já na do Daniel Santos, caberiam muito mais episódios e circunstâncias da minha vida do que no livro a meu respeito de qualquer outro, dado seu notável poder de síntese e sua invejável capacidade de observação. Sairia um texto enxuto, preciso, objetivo e sumamente atraente. Muito mais do que as aventuras, fracassos e parcos sucessos que o biografado viveu. Seria um livro generoso e sincero, como, aliás, é esse escritor.

A Celamar Maione seguiria qual linha? Provavelmente, se concentraria em meus amores, tanto nos (raros) bem-sucedidos quanto nos (inúmeros) fracassados. Mostraria, pelo menos, minha vida como ela de fato foi, sem fantasias e sem “dourar a pílula”. Teria, pois, credibilidade e talvez viesse (muito provavelmente viria mesmo) a se constituir em best-seller. Gostaria muito de ler um livro assim a meu respeito.

Já o Eduardo Murta se concentraria no insólito que sempre me acompanhou. Retrataria minha profunda admiração face à vida, às coisas mais simples e comezinhas do cotidiano, sem esconder, no entanto, em seu texto elegante e nobre, indisfarçável compreensão e profunda solidariedade por minhas fraquezas e fragilidades. Seria uma biografia que eu leria comovido, mal contendo lágrimas de emoção. Este escreve bem demais!

O Eduardo Oliveira Freire sintetizaria, em “pílulas”, sumamente inteligentes e precisas, episódios marcantes da minha trajetória de vida em que outros gastariam páginas e mais páginas para narrar. Seria um texto compacto, condensado, concentrado, mas altamente atrativo. Levaria, com certeza, os leitores à reflexão.

E como a Veca, a queridíssima Evelyne Furtado, esquematizaria o seu livro a meu respeito? Certamente com ternura e compreensão. Concentraria sua atenção no meu profundo amor pela vida, pelas pessoas, pela arte e, sobretudo, pela Literatura. Enfatizaria minhas amizades, minhas leituras, minhas viagens e o meu lado “família”. Seria, certamente, um texto poético e belo, que também me despertaria profunda emoção.

Gustavo do Carmo, por seu turno, voltaria sua atenção para os fatos dramáticos que protagonizei e para a maneira surpreendente com que saí das inúmeras enrascadas em que me vi envolvido. Destacaria minha capacidade já nem digo de perdoar os que eventualmente me ofenderam, mas de, simplesmente, esquecer pessoas e fatos negativos, dado meu incorrigível (e às vezes até irresponsável) otimismo.

Marco Albertim, porém, faria uma biografia com um profundo respeito intelectual pela minha obra, a exemplo do que faz, costumeiramente, com artistas injustiçados e muitas vezes esquecidos, como Zé do Carmo, Luiz Gomes, e tantos outros, cujas vidas e obras costuma resgatar, de forma desprendida e generosa, em suas magníficas crônicas. Trata-se de um humanista que sabe dar valor aos méritos alheios. Seria, estou seguro, uma biografia terna, amigável, compreensiva e solidária. Certamente me comoveria também.

E se fosse o Marcelo Sguassábia meu biógrafo? Ah, se fosse ele, não faltaria o bom humor, característica que tanto valorizo. Muito menos faltariam tiradas inteligentes e de bom gosto. Aliás, haveria um esbanjar de criatividade. Pode até ser que não me identificasse com o personagem retratado, mas que iria rir à beça das suas trapalhadas, disso não restam dúvidas.

Seu Pedro, por uma questão de fidelidade profissional (já nem diria corporativismo), como bom jornalista que é, pesquisaria circunstâncias e situações da minha vida que poucas pessoas conhecem. Iria fundo e, certamente, produziria uma biografia densa, profunda, detalhada, sobretudo com conteúdo. Centralizaria seu texto em fatos e não em meras conjeturas e opiniões.

Já a Sayonara Lino centraria seu livro nas minhas atitudes assertivas. Destacaria que, mesmo errando em inúmeras ocasiões, errei, sempre, por excesso de zelo, nunca por falta dele. Mostraria que, mesmo quando tinha que combater moinhos de vento ou dragões botando fogo pelas ventas e, sobretudo, quando cercado de repúdio generalizado e ferrenha e consensual oposição, nunca me omiti. E isso é virtude? Não sei! Só sei que a omissão é o pior dos pecados que um homem pode cometer.

A Risomar Fasanaro, a exemplo de Aliene e de Evelyne, analisaria com inegável ternura meus erros e contradições, dando sempre um desconto a cada um deles, pelo fato de, mesmo nos meus maiores e mais graves equívocos, haver, em meus atos e pensamentos, invariável boa intenção. Retrataria, com certeza, um Pedro humano, de carne e osso, que não assustaria ninguém, mas atrairia de imediato a simpatia geral.

A biografia do Rodrigo Ramazzini focalizaria o meu lado palrador. Sou incorrigível “papagaio”. Aprecio uma boa conversa e seja de que assunto for. Tanto pode ser sobre mulheres (meu tema predileto e recorrente), quanto de futebol, política, sociologia, filosofia e vai por aí afora. Quem quiser conversar comigo, não pode ter pressa. Tem que reservar, no mínimo, cinco horas de papo. O Rodrigo reproduziria, pois, diálogos sem fim, com sua incrível capacidade de captar o que, como e quando as pessoas dizem.

O Talis Andrade, generoso como sempre foi comigo, faria uma biografia épica. Seria um verdadeiro poema, posto que em prosa, focalizando um lado que talvez nunca tive, mas que sempre aspirei ter. Seria outro a centralizar seu livro em minha poesia e em meu eterno comprometimento com o belo e o bom. Seria uma obra imperdível que conservaria à minha cabeceira enquanto vivesse.

E o Urariano Mota, o que escreveria? Faria uma biografia definitiva! Reuniria todos os ingredientes dos outros biógrafos e acrescentaria mais, muito mais. Certamente sua linha mestra seria baseada no meu lado “revolucionário” (diria, “quixotesco”), ou seja, nesse meu desejo maluco e utópico de mudar o mundo, evidentemente para melhor.

Buscaria explicações e justificativas para minhas ações em episódios perdidos na remota infância, quando me vi forçado a aprender português “na marra” (eu, que até os seis anos de idade, só sabia falar russo). Isso ocorreu quando passei dois longos e terríveis anos internado na Santa Casa de São Paulo, sem poder me comunicar com ninguém, por não conhecer uma só palavra do idioma que todos falavam. Só desconfio que essa biografia do Urariano seria generosa demais comigo, embora, certamente, nenhum leitor viesse a perceber, dada a verossimilhança do seu texto.

Como se vê, delirei... me deixei levar pela imaginação... viajei... Pare de sonhar, Pedrão! Faça, antes, por merecer que alguém escreva a sua biografia. Produza alguma obra sensível, humana, útil, que valha a pena ser lida, preservada e difundida. Só assim não lhe faltarão biógrafos.

Quem sabe, dessa maneira, você consiga que alguma dessas pessoas que você tanto estima (mesmo sem, conhecer nenhuma pessoalmente) e que tanto respeita e admira, venha a biografá-lo! E se fizer tudo direitinho, se construir algo de excelente, mas de excelente mesmo, que não seja nada parecido com o que você já fez até hoje, quem sabe, todos os dezesseis ilustres escritores citados venham a escrever sua biografia! Seria a glória, claro!!!



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