"Nenhum poeta é cavalo de corrida"
Pedro J. Bondaczuk
“O poema
é uma bola de cristal. Se apenas enxergares nele o teu nariz, não
culpes o mágico”. Esta tirada genial é de um dos mais criativos e
brilhantes poetas brasileiros de todos os tempos – que, aliás, não
gostava de ser classificado dessa forma – Mário Quintana, que
morreu, em 5 de maio de 1994, em Porto Alegre, aos 87 anos de idade.
Gosto de escrever a respeito deste meu saudoso conterrâneo. É
verdade que prefiro ler seus mágicos poemas e encantadoras crônicas.
Mas escrever a seu respeito dá-me enorme satisfação, mesmo que não
tenha nada de novo a dizer a seu respeito.
Os amigos
de Mário Quintana definiam-no como um boêmio, não no sentido
pejorativo do termo, mas como um homem que olhava a vida com ternura
e com humor. Era um mestre da fina ironia, da tirada inteligente e
carregada de lirismo, das definições inusitadas. Certa feita
perguntaram-lhe, por exemplo, quem ele achava que era o maior poeta
do País. Sem titubear, respondeu: “Deixe disso. Nenhum poeta é
cavalo de corrida para ser obrigado a chegar em primeiro lugar”. E
não estava certo? Claro que sim!
Quintana
era assim: Simpático, bonachão, modesto, descomprometido tanto em
termos de literatura, quanto em sua vida pessoal. Admirado, amado,
até idolatrado, principalmente pelos jovens, não perdia a
compostura.
“Escrever...Mas
por quê?
Por
vaidade, está visto...
Pura
vaidade, escrever!
Pegar da
pena...
Olhai, que
graça terá isto
se já se
sabe tudo o que se vai dizer...”
Foi dessa
forma que ironizou sua atividade no poema “Da preocupação de
escrever”. Quintana amava a vida, à qual encarava com muita
ternura e ironia, saboreando-a como uma aventura digna de ser
enfrentada, a despeito das injustiças, da miséria, da insensatez e
dos horrores.
“Dias
maravilhosos em que os jornais
vêm cheios
de poesia...
e do lábio
do amigo
brotam
palavras de eterno encanto...
Dias
mágicos...
em que os
burgueses espiam
através
das vidraças dos escritórios
a graça
gratuita das nuvens”.
Assim
Quintana se expressou no poema “O Milagre”. Sua imagem, para os
que o admiravam e amavam, estará sempre associada à palavra
“alegria”. Por um feliz acaso, nasceu na cidade de Alegrete e
morreu em Porto Alegre. Parte de sua poesia foi escrita de modo
não-convencional, em prosa, em forma de citações, carregadas de
lirismo, mas sem a distribuição em versos. “E, quando morto de
mesmice, te vier a nostalgia de climas e costumes exóticos, de
jornais impressos em misteriosos caracteres, de curiosas beberagens,
de roupas de estranho corte e colorido, lembre-se que para alguém
nós somos os antípodas; um remoto, inacreditável povo do outro
lado do mundo, quase do outro lado da vida – uma gente de se ficar
olhando, olhando, pasmado...Nós, os antípodas, somos assim”,
escreveu em “Do inédito”.
“O que
mais me comove, em música, são essas notas soltas – pobres notas
únicas – que do teclado arranca o afinador de pianos”, observou
em “Meu trecho predileto”. “Amar é mudar a alma de casa”,
sentenciou em “Carreto”. Não dá para falar em morte quando se
trata de alguém que sempre foi um amante inveterado da vida.
Quintana não morreu: ficou encantado e mudou sua alma de casa, para
o coração dos que sempre o admiraram.
Tragédia?
Nem pensar! Afinal, foi o próprio poeta quem constatou: “Não, o
melhor é não falares, não explicares coisa alguma. Tudo agora está
suspenso. E sabe Deus o que é que desencadeia as catástrofes, o que
é que derruba um castelo de cartas! Não se sabe... Umas vezes passa
uma avalanche e não morre uma mosca...Outras vezes, senta uma mosca
e desaba uma cidade”.
O que me
causa espanto é o fato de Mário Quintana não haver sido eleito
para a Academia Brasileira de Letras. Consta que se candidatou por
duas vezes (se eu não estiver enganado) e que perdeu em ambas. Que
mancada dos membros da ilustre casa de Machado de Assis que não
votaram nele!!!! Sua eleição deveria ser unânime, ora bolas. Claro
que o fato de jamais frequentar a ABL não o deslustra em nada. A
Academia é que saiu perdendo e que só ganharia com sua eleição,
mesmo que Quintana não quisesse (e, pelo que sei, não fazia lá
grande questão) ser eleito. Deveria ser escolhido à sua revelia.
Quanto ao
Prêmio Nobel de Literatura, cuja candidatura do meu saudoso
conterrâneo jamais foi cogitada, não me admira que nunca tenha nem
mesmo chegado perto. Muito “pangaré” (e me perdoem a
irreverência), que nem remotamente se aproximou do talento,
magistralidade e sensibilidade de Quintana, foi premiado. Deles só
sabemos que existiram ao lermos seus nomes na relação dos
ganhadores. Pior, portanto, para o Nobel de Literatura!!!! Isso o
diminui em qualquer aspecto? Ora, ora, ora. Claro que não!!! Afinal,
como o próprio Quintana escreveu, “nenhum poeta é cavalo de
corrida para ser obrigado a chegar em primeiro lugar”. Primeiro
lugar, aliás, a que ele chegou.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment