Saturday, January 09, 2016

Vida decidida no cara ou coroa

Pedro J. Bondaczuk

A carreira militar determinou o futuro de Ambrose Bierce, primeiro no jornalismo e, posteriormente, na Literatura. Bem, não foi propriamente ela, mas a decepção que a mesma lhe causou e como ele agiu em conseqüência dela. O futuro jornalista e escritor foi preterido em uma promoção, que contava como certa, e, decepcionado (na verdade, despeitado) decidiu o que fazer da vida, na sequência, na base do “cara ou coroa”. Não, todavia, figurativamente, como o leitor possa imaginar. Fê-lo literalmente!!! Estava, então, com 24 anos de idade. Comecemos pelo começo essa narrativa insólita (como tudo na vida dessa figura exótica, que odiava a humanidade, mas que era dotada de um talento absurdamente excepcional).

Quando Ambrose Bierce estava com 15 anos de idade, seu tio, Lucius Verus, provavelmente a única pessoa que ele de fato amou, inscreveu-o no Instituto Militar de Kentucky. Foi uma forma de livrá-lo da família, que odiava com máxima intensidade e com a qual jamais se reconciliou. Foi no Exército que o adolescente descobriu, e desenvolveu, seu talento de cartunista. A jornalista, escritora e tradutora Heloísa Seixas, narra da seguinte maneira esse episódio, na introdução do livro “Visões da noite” (Editora Record, 1999), que ela traduziu:  “... Ao deixar Kentucky, em vez de voltar para a casa dos pais, foi trabalhar no jornal de uma cidadezinha de Indiana”. Foi seu primeiro emprego no jornalismo, onde faria carreira e marcaria seu nome na história dessa atividade profissional.

Todavia, esse não seria o fim de sua atuação como soldado. Heloísa Seixas nos informa a propósito: “Em 1861, quando tinha 18 anos, Bierce atendeu ao primeiro chamado do Presidente Abraham Lincoln e alistou-se no Nono Regimento de Indiana. Logo estouraria a Guerra Civil. Foi quando ele teve a chance de se transformar num herói — e o fez. Sua passagem pela vida militar foi algo sensacional. Corajoso, os perigos das batalhas nada significavam para ele. E, como tomava decisões rápidas, com seriedade e consciência, destacava-se dos demais soldados, inseguros e indecisos. Durante uma batalha na Virgínia, salvou um companheiro ferido em meio ao fogo cruzado, o que lhe valeu, apenas três meses depois de alistar-se como voluntário, a patente de sargento”.

Sua carreira militar foi tão brilhante, que merece um comentário inteiro a parte, que me proponho a fazer oportunamente. Por enquanto, fiquemos na questão do decisivo “cara ou coroa”, em que Ambrose Bierce jogou todo seu futuro em uma reles moeda atirada para o ar, como se fosse a melhor decisão a tomar. Você agiria assim, paciente leitor? Duvido! Eu jamais deixaria por conta da sorte ou do azar o que ser e o que fazer pelo resto da vida. Heloíse Seixas detalha como tudo isso se deu, finda a Guerra da Secessão, com a vitória da União sobre os secessionistas sulistas:

“Depois de trabalhar durante um ano na reconstrução do Sul, foi novamente chamado pelo general Hazen que, em tempos de paz, tinha sido incumbido de explorar e mapear o Oeste e o queria como seu assistente técnico. Feliz da vida, Bierce aceitou.  E, assim, embrenharam-se pelo Velho Oeste, atravessando o território dos índios Sioux. Na mesma época, o general Hazen fez uma recomendação formal para que Bierte, até então apenas um oficial voluntário, fosse aceito como oficial do Exército Regular americano. Mas, depois de muitas aventuras, quando finalmente chegaram a São Francisco, no fim de 1866, descobriram que Bierce havia sido aceito no Exército Regular, só que com a patente reduzida para segundo-tenente. E sem perspectiva de uma promoção tão cedo. Embora adorasse o trabalho, era uma situação humilhante. Bierce fez cara ou coroa para decidir se aceitaria ou não. Jogou a moeda para cima para ver se ficaria com a patente inferior ou se iria para a vida civil, a fim de exercer a única profissão sobre a qual tinha um mínimo de conhecimento — o jornalismo. A moeda decidiu jornalismo e Bierce aceitou o veredicto”.

Na época em que isso se deu, os donos de jornais – primeiro na Inglaterra e, posteriormente, nos Estados Unidos -  “descobriram” que o público adorava escândalos de toda a sorte, violência, crimes, denúncias de corrupção e sangue, muito sangue. A bem da verdade, muitos barões da imprensa, mundo afora, ainda pensam assim nos dias atuais. É o tipo de jornalismo que abomino e que, felizmente, jamais exerci em minha carreira de mais de quatro décadas contínuas. Mas... Aquilo era um prato cheio para Ambrose Bierce, que odiava a humanidade (e a si mesmo, destaque-se). Seu compromisso era com a morte e não com a vida. Naqueles primórdios da imprensa, ser jornalista era sumamente perigoso. Pudera! Muitos eram ameaçados, perseguidos, espancados e não raro mortos por personagens violentos e inconformados com as notícias e comentários a seu respeito. É verdade que ainda hoje isso ocorre. Não, todavia, com a virulência de então. Ainda bem! Mas Bierce venceu na atividade, tornando-se mestre, entre outras coisas, em destilar veneno e cinismo, fazendo da brutalidade a matéria-prima de suas reportagens e artigos.


Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk 

No comments: