Genocídio da fome
Pedro J. Bondaczuk
Os dados do mais recente
relatório da Organização das Nações Unidas para a Infância (Unicef), o seu
balanço anual “O Estado das Crianças Americanas”, revelam dados tão
contundentes para a América Latina que não se pode deixar de dar razão àqueles
que entendem que o descobrimento da América, por Cristóvão Colombo, há cinco
séculos, foi uma tragédia para parcela considerável da humanidade. Sim, porque,
a despeito de alguns políticos e economistas, o continente é habitado por
gente, por seres humanos, por homens, mulheres, velhos e crianças, e não por
números estatísticos e nem simplesmente pagadores de uma insólita dívida
“eterna”.
A
referido estudo dá conta de que, anualmente, morrem cerca de um milhão de
menores latino-americanos e por causas tão corriqueiras, que chegam a revoltar
os que têm algum resquício de sensibilidade. Uma das causas maiores de
mortalidade, por exemplo, é a diarréia, cujos óbitos poderiam ser evitados com
a administração de um simples soro caseiro! Nada mais do que um copo de água
esterilizada, com uma colher de chá de sal e uma de sopa de açúcar.
A
diretora da Unicef, Marta Mauras, disse, na Cidade do México, qual é a grande
questão hemisférica: “O maior problema das crianças latino-americanas é a
pobreza em termos gerais. Dos quase 180 milhões de crianças e adolescentes
menores de 18 anos, mais ou menos a metade pertence a famílias pobres”.
Ou
seja, cerca de 90 milhões de meninos e meninas estão condenados a uma vida sem
perspectivas, à morte precoce por condições precaríssimas de trabalho --- se
conseguirem trabalhar --- ou por desnutrição, ou ceifados pela violência das
ruas ou mortos pela polícia se caírem na marginalidade, destino bastante
provável para uma parcela considerável deles.
Nós,
latino-americanos, não contentes com os erros e as omissões do passado, com a
desorganização e a corrupção latentes no presente, estamos nos desfazendo do
futuro. Quanto potencial desperdiçado por puro egoísmo das elites, por falta de
visão de planejadores, por incompetência administrativa dos políticos, por
criminosa omissão dos intelectuais!
Estamos
conseguindo reproduzir neste hemisfério um inferno que nem mesmo a fértil
imaginação do florentino Dante Aligheri conseguiria criar!
Para
complicar as coisas, o relatório da Unicef não dá margem à mínima esperança.
Pelo contrário. Marta Mauras conclui que “entre os 20% mais ricos, houve um
aumento” no continente. Ou seja, o fosso econômico que separa humanos e
subumanos está se alargando, relegando milhões de pessoas à absoluta
desesperança.
Essa
é a “bomba da miséria” contra o qual o ex-presidente da extinta União
Soviética, Mikkhail Gorbachev, alertou, quando de sua recente passagem pelo
Brasil. E qual a solução? O teatrólogo romeno Eugene Ionesco explica como tudo
poderia ser resolvido, sem a necessidade de nenhum gênio, até porque a raiz do
problema é óbvia demais para não ser enxergada.
“Por
que não nos amamos? Era o que perguntava em sua lúcida ingenuidade o idiota de
Dostoievsky. Para isso, não há necessidade de grandes homens e grandes
doutrinas”, afirma o diretor de teatro. E não há mesmo, até porque se
houvesse...
(Artigo
publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 19 de dezembro de 1992).
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