Hora dos diplomatas falarem
Pedro J. Bondaczuk
O dia de ontem foi dos mais
violentos, em termos de ações terroristas. Ocorreram atentados em Lyon, na
Fraca; em Sanaa, Yemen do Norte e em Madri, na Espanha. Registraram-se, ainda,
duas emboscadas: uma nas Filipinas, por parte de guerrilheiros de esquerda, na
qual foram mortos três jornalistas e outra na Amazônia peruana, a cargo de
traficantes de cocaína, que atacaram um comboio policial.
O noticiário dá, portanto, bem o
reflexo dos ânimos no mundo, no momento em que a Sexta Frota norte-americana
permanece nas cercanias da Líbia e que aviões dos Estados Unidos fazem vôos de
reconhecimento sobre Trípoli.
Atribuir todas essas ações ao
coronel Mumammar Khadafy, entretanto, é, na melhor das hipóteses, usando uma
expressão muito popular, tentar “tapar o sol com a peneira”. Ou seja, é
bastante cômodo, para os líderes ocidentais, arranjarem um bode-expiatório, que
pague por todas as suas mazelas e incompetências políticas.
No ano passado, o alvo preferido
das críticas e das ameaças foi a África do Sul, país cujo odioso sistema do
apartheid vigora desde 1948, e que somente agora despertou, com maior
intensidade, as atenções ocidentais.
Por que? Seria alienação,
finalmente corrigida, do Ocidente, ou por que não foi necessário usar esse
pretexto antes, para distrair a opinião pública de problemas mais graves e mais
urgentes? Desde janeiro, as baterias de ódio se voltaram contra a Líbia (e não
somente contra o coronel Khadafy, como se busca dar a entender).
Afinal, não foi esse líder a ser
atingido pelos bombardeios norte-americanos de 14 de abril. Muitos civis,
alheios aos acontecimentos, pagaram com suas vidas. Se o alvo fosse apenas o
líder líbio, como se insinuou, os ataques se limitariam a dois ou três
objetivos em Trípoli.
Afinal , esse irrequieto criador de casos não reside em
Benghazi, para que essa cidade fosse, também, atacada.
Cidadãos inocentes desse país
estão sendo expulsos de quase todas as partes da Europa. Primeiro, foi a França
que mandou quatro deles para casa mais cedo. Depois, foi a vez da Alemanha
Ocidental. Agora, são a Espanha e a Grã-Bretanha que tomam essas atitudes.
Em certos aspectos, isso é
compreensível, pois prevenir é melhor do que remediar, como diria o personagem
de Eça de Queiroz, o Conselheiro Acácio, useiro e vezeiro em emitir aforismos
óbvios. Mas essa atitude traz consigo um certo ranço discriminatório contra um
pequeno povo. E isso não traz qualquer benefício para ninguém. Cria uma
barreira de ódio entre as pessoas e estimula vinganças e retaliações.
Tanto os líbios não são
responsáveis por tudo o quanto de ruim acontece no mundo atual, que o mais
grave atentado de ontem nada teve a ver com esse país, ou seja, a explosão de
um carro-bomba no centro de Madri.
Quanto ao assassinato do executivo
britânico, ocorrido em Lyon, na França, é duvidoso que tenha alguma vinculação
com a questão do Mediterrâneo. É muito cômodo para certas pessoas que
presenciam um fato desses dizer que o seu autor foi um árabe. Como se esse povo
trouxesse estampada na testa a sua procedência.
O que aconteceu, anteontem, no
centro de Londres, também dificilmente tem qualquer conotação com a crise entre
o Ocidente e Muammar Khadafy. Aliás, dois grupos britânicos (portanto, locais)
fizeram uma autêntica guerrinha de telefonemas anônimos, visando a assumir, a
todo custo, a autoria da ação.
Querer atacar um país, para punir
meia dúzia de celerados, equivale a disparar mísseis e tiros de canhão contra
uma colméia, apenas porque uma pequenina abelha nos aplicou um dolorido ferrão.
É, evidentemente, um ato desproporcional, para não dizer ilegal e contrário a
todas as normas internacionais.
Constitui-se numa ação de guerra,
sem que esse estado de beligerância seja declarado. O momento não é para
arroubos de truculência e nem para condenações odiosas e exageradas. O instante
é mais para diplomatas, estes eternos remendadores dos erros e das bobagens
cometidos pelos líderes mundiais, do que para políticos e militares. Afinal,
sempre é mais vantajosa para todas as partes uma certa má-diplomacia, do que
uma “boa” guerra.
(Artigo publicado na página 10,
Internacional, do Correio Popular, em 26 de abril de 1986)
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk.
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