Monday, January 18, 2016

Hora dos diplomatas falarem

Pedro J. Bondaczuk

O dia de ontem foi dos mais violentos, em termos de ações terroristas. Ocorreram atentados em Lyon, na Fraca; em Sanaa, Yemen do Norte e em Madri, na Espanha. Registraram-se, ainda, duas emboscadas: uma nas Filipinas, por parte de guerrilheiros de esquerda, na qual foram mortos três jornalistas e outra na Amazônia peruana, a cargo de traficantes de cocaína, que atacaram um comboio policial.

O noticiário dá, portanto, bem o reflexo dos ânimos no mundo, no momento em que a Sexta Frota norte-americana permanece nas cercanias da Líbia e que aviões dos Estados Unidos fazem vôos de reconhecimento sobre Trípoli.

Atribuir todas essas ações ao coronel Mumammar Khadafy, entretanto, é, na melhor das hipóteses, usando uma expressão muito popular, tentar “tapar o sol com a peneira”. Ou seja, é bastante cômodo, para os líderes ocidentais, arranjarem um bode-expiatório, que pague por todas as suas mazelas e incompetências políticas.

No ano passado, o alvo preferido das críticas e das ameaças foi a África do Sul, país cujo odioso sistema do apartheid vigora desde 1948, e que somente agora despertou, com maior intensidade, as atenções ocidentais.

Por que? Seria alienação, finalmente corrigida, do Ocidente, ou por que não foi necessário usar esse pretexto antes, para distrair a opinião pública de problemas mais graves e mais urgentes? Desde janeiro, as baterias de ódio se voltaram contra a Líbia (e não somente contra o coronel Khadafy, como se busca dar a entender).

Afinal, não foi esse líder a ser atingido pelos bombardeios norte-americanos de 14 de abril. Muitos civis, alheios aos acontecimentos, pagaram com suas vidas. Se o alvo fosse apenas o líder líbio, como se insinuou, os ataques se limitariam a dois ou três objetivos em Trípoli. Afinal, esse irrequieto criador de casos não reside em Benghazi, para que essa cidade fosse, também, atacada.

Cidadãos inocentes desse país estão sendo expulsos de quase todas as partes da Europa. Primeiro, foi a França que mandou quatro deles para casa mais cedo. Depois, foi a vez da Alemanha Ocidental. Agora, são a Espanha e a Grã-Bretanha que tomam essas atitudes.

Em certos aspectos, isso é compreensível, pois prevenir é melhor do que remediar, como diria o personagem de Eça de Queiroz, o Conselheiro Acácio, useiro e vezeiro em emitir aforismos óbvios. Mas essa atitude traz consigo um certo ranço discriminatório contra um pequeno povo. E isso não traz qualquer benefício para ninguém. Cria uma barreira de ódio entre as pessoas e estimula vinganças e retaliações.

Tanto os líbios não são responsáveis por tudo o quanto de ruim acontece no mundo atual, que o mais grave atentado de ontem nada teve a ver com esse país, ou seja, a explosão de um carro-bomba no centro de Madri.

Quanto ao assassinato do executivo britânico, ocorrido em Lyon, na França, é duvidoso que tenha alguma vinculação com a questão do Mediterrâneo. É muito cômodo para certas pessoas que presenciam um fato desses dizer que o seu autor foi um árabe. Como se esse povo trouxesse estampada na testa a sua procedência.

O que aconteceu, anteontem, no centro de Londres, também dificilmente tem qualquer conotação com a crise entre o Ocidente e Muammar Khadafy. Aliás, dois grupos britânicos (portanto, locais) fizeram uma autêntica guerrinha de telefonemas anônimos, visando a assumir, a todo custo, a autoria da ação.

Querer atacar um país, para punir meia dúzia de celerados, equivale a disparar mísseis e tiros de canhão contra uma colméia, apenas porque uma pequenina abelha nos aplicou um dolorido ferrão. É, evidentemente, um ato desproporcional, para não dizer ilegal e contrário a todas as normas internacionais.

Constitui-se numa ação de guerra, sem que esse estado de beligerância seja declarado. O momento não é para arroubos de truculência e nem para condenações odiosas e exageradas. O instante é mais para diplomatas, estes eternos remendadores dos erros e das bobagens cometidos pelos líderes mundiais, do que para políticos e militares. Afinal, sempre é mais vantajosa para todas as partes uma certa má-diplomacia, do que uma “boa” guerra.

(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 26 de abril de 1986)

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