Sunday, January 24, 2016

Saboreando duplamente a vida

Pedro J. Bondaczuk

O escritor, não importa o gênero que utilize para expor sua criação, é, sobretudo, o cronista do seu tempo. Não, amigo leitor, não estou sendo repetitivo, embora tenha escrito essa mesma coisa “n” vezes. Estou sendo “reiterativo”, o que comporta certa diferença, posto que sutil. Há conceitos que devem ser repetidos e repetidos e repetidos vezes sem conta para que se fixem na mente nas pessoas. Este é um deles. O escritor retrata comportamentos, gostos, cenários, personagens etc. do período em que viveu, o que é importantíssimo para as futuras gerações.. Por mais que sua obra tenha caráter ficcional, reflete a realidade de determinada época e lugar: os que ele testemunhou.

Escrever e partilhar os textos com milhares, milhões de pessoas que não se conhece, é um ato de generosidade. Ainda mais quando essa partilha é espontânea, gratuita e, portanto, sem nenhum custo, como muitos escritores fazem utilizando esse instrumento fantástico (quando usado com critério, responsabilidade e sabedoria) que é a internet.Gosto de, a cada dia, visitar os blogs de alguns escritores com os quais tenho afinidade e usufruir das idéias e reflexões que eles, generosamente, partilham comigo, além de suas experiências, não raro sem saberem, sequer, que existo. Claro que temos que ser seletivos. A rede mundial tem de tudo. Tem inclusive uma enxurrada de tolices e de idéias, digamos, “perniciosas”, para dizer o mínimo, quando não destrutivas. Mas não se pode generalizar o que, ademais, é uma burrice. Há muita coisa que nos engrandece e instrui e doada, por muitos, graciosamente, de forma generosa e nobre.

Há quem interprete esse exercício de escrita como mera vaidade. Até pode ser. Mas... que mal há no fato do escritor querer ser minimamente reconhecido? É preciso atentar que ele encara um trabalho “braçal” na elaboração das suas crônicas, contos, romances, poemas etc. Lê, pesquisa, estuda, medita e, finalmente, escreve. Seus textos não brotam do nada, como num súbito passe de magia. Mais generoso, ainda, é aquele que vive desse ofício e que, ainda assim, reserva parte do seu tempo, em que poderia estar ganhando dinheiro, para escrever de graça, ofertando o sumo do seu pensamento, o licor da sua emoção, a magia do seu talento e criatividade a pessoas que não conhece e dificilmente irá conhecer. E de graça.

Toda leitura, porém, desde que feita com critério e sabedoria, é importante, e por várias razões, que sequer é necessário mencionar, de tão óbvias que são. Há quem seja refratário, por exemplo, aos clássicos, achando que são ultrapassados e que nada têm a aprender com eles. Tremendo equívoco! É um preconceito tolo, incompatível com pessoas inteligentes que buscam sabedoria. Na leitura dos clássicos, por exemplo, observamos (entre tantas outras coisas) o quanto os costumes mudam, a moral se altera e as expectativas oscilam ao longo do tempo. Todavia, as características básicas do único animal da natureza que tem a faculdade de pensar permanecem com o passar dos anos, das décadas, dos séculos e dos milênios: o egoísmo, a ganância, a falta de solidariedade, a vaidade, a corrupção etc.etc.etc.

Quem quiser fazer rigoroso estudo do comportamento de determinada sociedade, portanto, a par de livros específicos sobre o assunto, tem que ler, necessariamente, poemas, contos, romances, novelas e peças teatrais do período que pretender estudar. A Literatura, como se vê, está muito longe de ser, apenas, uma forma de entretenimento, como outra qualquer, como muitos, aliás (talvez a maioria) ainda pensam. A verdadeira história de um povo não é a narrada por seus historiadores, mas a descrita pelos seus ficcionistas.

Anais Nin descreveu com precisão qual é a principal função dos que escrevem livros: “O papel de um escritor não é dizer aquilo que todos são capazes de dizer, mas sim aquilo que não somos capazes de dizer”  Como se vê, a Literatura é muito mais importante, e prática, do que a maioria supõe. Para quem não se lembra, ou não sabe, informo que Anais Nin foi uma escritora francesa do século passado, falecida em 1977, filha do ilustre compositor cubano Joaquim Nin. É dela, também, a observação de que “escrevemos para saborear a vida duas vezes: no momento e em retrospectiva”. Esta é, segundo entendo, uma das recompensas, creio que a principal, dos escritores. Pense nisso, caríssimo leitor.


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