Caldo de cultura para germe da violência
Pedro J.
Bondaczuk
O chanceler argentino, Dante Caputo, fez, ontem, em
Genebra, perante a Comissão de Direitos Humanos da ONU, um brilhante discurso
abordando um tema bastante surrado, evitado por muitos, mas sempre oportuno.
Falou sobre a miséria e os riscos que ela produz para a paz mundial e para o
entendimento entre os povos.
Na oportunidade, chegou a usar de
uma alegoria até bastante original. Disse que ninguém pode viajar em segurança,
na primeira classe de um transatlântico de luxo, quando nos porões da
embarcação há uma bomba, prestes a explodir. Para Caputo, este artefato mortal
vem a ser a miséria do Terceiro Mundo.
Mais da metade da humanidade não
sabe, por exemplo, o que é liberdade. Essa cifra talvez já chegue a dois
terços. Quase o mesmo tanto vegeta, sem nenhuma perspectiva de futuro, nem para
si e muito menos para os filhos, no mais completo “Deus dará”. Esse estado de
coisas, obviamente, é um caldo de cultura ideal para o surgimento do terrorismo.
Embora seja verdade que muitas
vezes as lideranças do terror emergem das universidades, são os milhões de
deserdados da sorte, de indivíduos que não têm onde morar e são empurrados de
um acampamento de refugiados para outro, que servem de massa de manobra para
líderes messiânicos, para oportunistas sem caráter e nem piedade que acham que
para chegar ao “céu” precisam, antes, estabelecer o “inferno” na Terra.
Aliás, falar em miséria, num país
como o nosso, onde há tanta, chega a ser redundância. Até mesmo aquele que
consagrou a expressão de que a condição de miserabilidade é tema predileto de
intelectuais, o carnavalesco Joãozinho Trinta, da Escola de Samba Beija-Flor de
Nilópolis, neste ano saiu do sério.
Ao invés de levar para a avenida
as tradicionais fantasias de luxo, com que encantou os olhos dos turistas
basbaques, no passado, preferiu mostrar as nossas chagas sociais, através da
sua arte. Fez desfilarem ratos, urubus, bêbados, mendigos e prostitutas, na
Marquês de Sapucaí, para mostrar aos que nos visitam o lixo que tantos tentam
esconder sob o tapete, como se procedendo dessa forma a miséria vá acabar, como
que num passe de mágica.
Caputo ressaltou, com muita
propriedade, que é impossível esperar uma paz duradoura e estável enquanto esta
“bomba” estiver montada para explodir a qualquer instante. E nós
acrescentaríamos que não pode ser pacífico um mundo onde 900 milhões de pessoas
não sabem ler e nem escrever. Onde um bilhão residem em taperas e cem milhões
nem isso têm para lhes cobrir a cabeça. Onde morrem 40 crianças por minuto, por
falta de comida, quando há tanto desperdício. Onde quase três bilhões de seres
humanos não são livres para pensar, trabalhar e decidir seus destinos.
Miséria, portanto, não deveria
ser assunto somente de intelectuais, mas de todos os que acreditam que este
mundo ainda tem salvação.
(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio popular, em 18
de fevereiro de 1989).
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