Sunday, January 17, 2016

Caldo de cultura para germe da violência


Pedro J. Bondaczuk


O chanceler argentino, Dante Caputo, fez, ontem, em Genebra, perante a Comissão de Direitos Humanos da ONU, um brilhante discurso abordando um tema bastante surrado, evitado por muitos, mas sempre oportuno. Falou sobre a miséria e os riscos que ela produz para a paz mundial e para o entendimento entre os povos.

Na oportunidade, chegou a usar de uma alegoria até bastante original. Disse que ninguém pode viajar em segurança, na primeira classe de um transatlântico de luxo, quando nos porões da embarcação há uma bomba, prestes a explodir. Para Caputo, este artefato mortal vem a ser a miséria do Terceiro Mundo.

Mais da metade da humanidade não sabe, por exemplo, o que é liberdade. Essa cifra talvez já chegue a dois terços. Quase o mesmo tanto vegeta, sem nenhuma perspectiva de futuro, nem para si e muito menos para os filhos, no mais completo “Deus dará”. Esse estado de coisas, obviamente, é um caldo de cultura ideal para o surgimento do terrorismo.

Embora seja verdade que muitas vezes as lideranças do terror emergem das universidades, são os milhões de deserdados da sorte, de indivíduos que não têm onde morar e são empurrados de um acampamento de refugiados para outro, que servem de massa de manobra para líderes messiânicos, para oportunistas sem caráter e nem piedade que acham que para chegar ao “céu” precisam, antes, estabelecer o “inferno” na Terra.

Aliás, falar em miséria, num país como o nosso, onde há tanta, chega a ser redundância. Até mesmo aquele que consagrou a expressão de que a condição de miserabilidade é tema predileto de intelectuais, o carnavalesco Joãozinho Trinta, da Escola de Samba Beija-Flor de Nilópolis, neste ano saiu do sério.

Ao invés de levar para a avenida as tradicionais fantasias de luxo, com que encantou os olhos dos turistas basbaques, no passado, preferiu mostrar as nossas chagas sociais, através da sua arte. Fez desfilarem ratos, urubus, bêbados, mendigos e prostitutas, na Marquês de Sapucaí, para mostrar aos que nos visitam o lixo que tantos tentam esconder sob o tapete, como se procedendo dessa forma a miséria vá acabar, como que num passe de mágica.

Caputo ressaltou, com muita propriedade, que é impossível esperar uma paz duradoura e estável enquanto esta “bomba” estiver montada para explodir a qualquer instante. E nós acrescentaríamos que não pode ser pacífico um mundo onde 900 milhões de pessoas não sabem ler e nem escrever. Onde um bilhão residem em taperas e cem milhões nem isso têm para lhes cobrir a cabeça. Onde morrem 40 crianças por minuto, por falta de comida, quando há tanto desperdício. Onde quase três bilhões de seres humanos não são livres para pensar, trabalhar e decidir seus destinos.

Miséria, portanto, não deveria ser assunto somente de intelectuais, mas de todos os que acreditam que este mundo ainda tem salvação.

(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio popular, em 18 de fevereiro de 1989).



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