Saturday, January 02, 2016

Olho por olho


Pedro J. Bondaczuk


O seqüestro do xeque Abdel Karim Obeid, por parte de um comando israelense, ocorrido na sexta-feira passada, no Sul do Líbano, foi um ato, no mínimo, precipitado, por colocar em risco os 17 reféns estrangeiros em território libanês, em mãos de vários grupos extremistas.

Combater tais facções, em meio ao caos de um país esfacelado, onde não se sabe quem manda de fato, é como procurar uma agulha num palheiro. O melhor que se faz, numa circunstância dessas, é se defender das suas investidas e se limitar a isso. Até porque, diante das circunstâncias, fazer do ataque a melhor arma de defesa, nesse caso, pode redundar no que deu. Na provável execução do tenente-coronel norte-americano William Higgins e, sabe-se lá, de quem mais.

Quando se lida com fanáticos, não se pode esperar nenhum rasgo de lucidez. E esta, em verdade, é a presente situação. Os israelenses, que contam com um dos melhores serviços secretos do mundo (o Mossad) e com comandos extremamente bem treinados e disciplinados, certamente quiseram mostrar ao Hezbollah que estão dispostos a atingir a organização em seus próprios domínios e com suas próprias táticas. Ou seja, partiram para uma espécie de pena de Talião contra os xiitas, o que nunca funcionou no passado e funciona muito menos agora.

O pai da independência indiana, Mohandas Karamanchand Gandhi, o “Mahatma” (“Grande Alma”) da Índia, cujo movimento de resistência passiva aos britânicos completa, hoje, 69 anos, dizia, do alto da sua extraordinária clarividência: “Olho por olho e o mundo acabará cego”.

E é para isso que parece estarmos nos encaminhando: para uma cegueira generalizada. De nada adianta – e o Pentágono sabe disso – os norte-americanos fazerem uma demonstração de seu poderio de fogo diante do Líbano. Apenas a potência destruidora da nave capitânia da Sexta Frota dos Estados Unidos, o porta-aviões “USS Coral Sea”, tem capacidade de varrer qualquer vestígio de Beirute da face da Terra. Mas, e daí?

Qual a culpa da população dessa cidade pela ação desses grupelhos radicais fanatizados, que agem exatamente no vácuo do poder deixado pela guerra civil? Ela, certamente, é muito mais vítima de toda essa situação do que os outros 16 reféns estrangeiros, do que o coronel Higgins ou de que as milícias e grupos que se trucidam selvagemente, dia após dia.

É uma gente heróica, decidida a se manter naquilo que é seu a qualquer custo, mesmo diante da iminência da morte, com a esperança de que um dia a racionalidade retorne, não somente a Beirute, mas a todo o Líbano. E que o país volte a ser a Suíça do Oriente Médio e não a atual terra de ninguém em que o fanatismo, o cinismo internacional e a indiferença mundial o transformaram.    

(Artigo publicado na página 16, Internacional, do Correio Popular, em 1º de agosto de 1989)


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