Monday, January 04, 2016

Imunidade ou impunidade?


Pedro J. Bondaczuk

A Câmara de Deputados delibera sobre a eventual cassação de mandato de Sérgio Naya, dono da Construtora Sersan, (ir)responsável pela construção do edifício Palace II, no bairro da Tijuca, no Rio, que desmoronou parcialmente, causando a morte de oito pessoas e deixando centenas de famílias desamparadas. O conjunto foi implodido em 28 de fevereiro passado. Em quatro segundos, o sonho de centenas de brasileiros virou pó, pela irresponsabilidade de um homem que é protegido pela imunidade parlamentar e que, portanto, não pode ser processado, por este e por outros delitos de que é acusado. É deputado, e por isso só pode responder criminalmente pelo que fez com a anuência dos seus pares.

O outro prédio do condomínio, o Palace I, também corre risco de desmoronamento, carecendo de uma operação arriscada, e de eficácia duvidosa, de reforço dos pilares de sustentação para que não caia. Para evitar nova tragédia, a Defesa Civil removeu os moradores do local, ampliando o drama social de dezenas de famílias, que de uma hora para outra, correm o risco de perder tudo o que têm. O País inteiro, que assistiu o caso entre estarrecido com o cinismo de Naya e revoltado com tamanha irresponsabilidade, exige uma punição exemplar do mau engenheiro (que teve, por sinal, sua licença profissional devidamente cassada).

Apesar de recomendação a favor da cassação do mandato, por parte de alguns parlamentares lúcidos (ou de olho nas próximas eleições, não importa), há um certo cepticismo, por parte da opinião pública, de que esta venha a se concretizar. Isto se deve, basicamente, ao corporativismo dos congressistas, que relutam em suspender a imunidade de seus pares, mesmo dos comprovadamente criminosos, como é esse incompetente.

Nos últimos dias, Naya tem recebido centenas de manifestações de apoio, como se o seu ato fosse digno de elogios e ele fosse uma vítima e não um delinqüente, merecedor somente da generalizada reprovação e exemplar reparação dos danos que causou àqueles que confiaram nele. Teme-se que este caso, tão logo saia do noticiário, termine como tantos outros – naufrágio do Baton Mouche, explosão no Osasco Plaza Shopping, queda do avião da TAM, etc. –, com os prejudicados arcando sozinhos com os prejuízos e com os infratores escapando impunes e zombando da justiça.

O receio é o de que, mesmo a mesa da Câmara recomendando a cassação, essa venha a ser derrubada pelo plenário. Mas os deputados que votarem contra devem estar cientes de que seus eleitores vão estar atentos à sua atitude. Um apoio, mesmo que indireto (por omissão ou abstenção do voto), a Sérgio Naya, vai equivaler à cumplicidade nos crimes que ele cometeu, entre os quais estão falsificações de assinaturas, sonegação fiscal e, possivelmente, contrabando. Como um homem desses pode estar no Congresso? Como conseguiu convencer tantas pessoas a lhe darem seu voto e fazerem dele seu representante?

Os congressistas devem ter a lucidez necessária para entender que esta é a pergunta mais feita nos últimos dias por todo o País. Principalmente pelos que assistiram ao vídeo amador, exibido pelo programa "Fantástico", da "Rede Globo", em que o deputado se jactava de haver falsificado a assinatura de um governador. Trata-se, portanto, de criminoso confesso. Que a salvaguarda da imunidade, que é a garantia democrática do parlamentar, para expressar com absoluta liberdade suas idéias e opiniões no Congresso, não se transforme em algo ruim: em simples sinônimo de impunidade.

(Artigo escrito em 2 de março de 1998)



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