Imunidade
ou impunidade?
Pedro J. Bondaczuk
A Câmara de Deputados delibera sobre a eventual
cassação de mandato de Sérgio Naya, dono da Construtora Sersan, (ir)responsável
pela construção do edifício Palace II, no bairro da Tijuca, no Rio, que
desmoronou parcialmente, causando a morte de oito pessoas e deixando centenas
de famílias desamparadas. O conjunto foi implodido em 28 de fevereiro passado.
Em quatro segundos, o sonho de centenas de brasileiros virou pó, pela
irresponsabilidade de um homem que é protegido pela imunidade parlamentar e
que, portanto, não pode ser processado, por este e por outros delitos de que é
acusado. É deputado, e por isso só pode responder criminalmente pelo que fez
com a anuência dos seus pares.
O outro prédio do condomínio, o Palace I, também
corre risco de desmoronamento, carecendo de uma operação arriscada, e de
eficácia duvidosa, de reforço dos pilares de sustentação para que não caia.
Para evitar nova tragédia, a Defesa Civil removeu os moradores do local,
ampliando o drama social de dezenas de famílias, que de uma hora para outra,
correm o risco de perder tudo o que têm. O País inteiro, que assistiu o caso
entre estarrecido com o cinismo de Naya e revoltado com tamanha
irresponsabilidade, exige uma punição exemplar do mau engenheiro (que teve, por
sinal, sua licença profissional devidamente cassada).
Apesar de recomendação a favor da cassação do
mandato, por parte de alguns parlamentares lúcidos (ou de olho nas próximas
eleições, não importa), há um certo cepticismo, por parte da opinião pública,
de que esta venha a se concretizar. Isto se deve, basicamente, ao
corporativismo dos congressistas, que relutam em suspender a imunidade de seus
pares, mesmo dos comprovadamente criminosos, como é esse incompetente.
Nos últimos dias, Naya tem recebido centenas de
manifestações de apoio, como se o seu ato fosse digno de elogios e ele fosse
uma vítima e não um delinqüente, merecedor somente da generalizada reprovação e
exemplar reparação dos danos que causou àqueles que confiaram nele. Teme-se que
este caso, tão logo saia do noticiário, termine como tantos outros – naufrágio
do Baton Mouche, explosão no Osasco Plaza Shopping, queda do avião da TAM, etc.
–, com os prejudicados arcando sozinhos com os prejuízos e com os infratores escapando
impunes e zombando da justiça.
O receio é o de que, mesmo a mesa da Câmara
recomendando a cassação, essa venha a ser derrubada pelo plenário. Mas os
deputados que votarem contra devem estar cientes de que seus eleitores vão
estar atentos à sua atitude. Um apoio, mesmo que indireto (por omissão ou
abstenção do voto), a Sérgio Naya, vai equivaler à cumplicidade nos crimes que
ele cometeu, entre os quais estão falsificações de assinaturas, sonegação
fiscal e, possivelmente, contrabando. Como um homem desses pode estar no
Congresso? Como conseguiu convencer tantas pessoas a lhe darem seu voto e
fazerem dele seu representante?
Os congressistas devem ter a lucidez necessária para
entender que esta é a pergunta mais feita nos últimos dias por todo o País. Principalmente
pelos que assistiram ao vídeo amador, exibido pelo programa
"Fantástico", da "Rede Globo", em que o deputado se jactava
de haver falsificado a assinatura de um governador. Trata-se, portanto, de
criminoso confesso. Que a salvaguarda da imunidade, que é a garantia
democrática do parlamentar, para expressar com absoluta liberdade suas idéias e
opiniões no Congresso, não se transforme em algo ruim: em simples sinônimo de
impunidade.
(Artigo escrito em 2 de março de 1998)
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