A história das
árvores-homens
Pedro
J. Bondaczuk
A crônica, desde que
bem escrita, com emoção e verdade, é um dos gêneros que mais aprecio, no mesmo
patamar de apreciação da (boa) poesia. Talvez isso se deva (sei lá) ao fato da
minha profissão: sou, antes e acima de tudo, jornalista. E a crônica é uma
espécie de ponte entre o Jornalismo e a Literatura. É, portanto, um tipo de
texto “híbrido” que nasceu nas redações, mas ganhou o mundo em livros e
conquistou seu lugar de honra no mundo literário. Tenho preferência especial
(posto que não única) por crônicas escritas por poetas.
É certo que as de
autoria de escritores que não componham poesias (muitas das quais antológicas)
– como, por exemplo, as pérolas de
sensibilidade e beleza de Rubem Braga (o “papa” dos cronistas brasileiros)
Fernando Sabino e Luís Fernando Veríssimo, para citar apenas alguns – são do
tipo que nenhum leitor sensível e de bom gosto consegue ignorar e muito menos
esquecer. Nem poderia. São clássicos do gênero da rica (e infelizmente não
devidamente valorizada) Literatura Brasileira.
Todavia, crônicas
escritas por poetas, como Carlos Drummond de Andrade, Mário Quintana, Vinícius
de Moraes, Afonso Romano de Sant’Ana e... Harry Wiese, são especiais. Aqui
cabe, tranquilamente, um superlativo, tão a meu gosto (sou exagerado por
natureza): especialíssimas. São, salvo uma ou outra exceção, caracterizadas por
triplo hibridismo: entre jornalismo, poesia e prosa literária. Incluo o poeta
catarinense Harry Wiese no rol dos “monstros sagrados” pois é aí que ele merece
estar, embora não veja quem o inclua. Recentemente, teci uma série de
comentários sobre seu precioso livro “IbirAMARes”, que recomendei e recomendo a
você, leitor inteligente e de bom gosto, que o adquira e o leia. Certamente me dará
razão quando exalto as qualidades ostensivas e inegáveis dessa obra, um primor
de inspiração e correção e desse autor.
Agora, tenho em mãos
outra produção desse escritor, que aprendi a admirar e, sobretudo, a apreciar.
Trata-se de um livro de crônicas, intitulado “A história das árvores-homens e
outras crônicas”, primorosa edição da mesma editora que lançou “IbirAMARes”, a
Nova Letra. E ele rescende, da primeira á última página, a poesia, já a partir
do próprio título, posto que seja de prosa. Tem aquele triplo hibridismo que
identifiquei em Carlos Drummond de Andrade, Mário Quintana, Vinícius de Moraes
e Afonso Romano de Sant’Ana. Ou seja, jornalismo, poesia e prosa literária.
Os textos são tão bons
(e destacar essa qualidade chega a ser redundante, pois até hoje não li
absolutamente nada de Harry Wiese que fosse pelo menos mediano, quanto mais
ruim), que fico tentado a partilhar com vocês “todas” as crônicas desse tão bem
editado livro. Óbvio que não o farei. Aliás, não reproduzirei nem mesmo uma
única delas. Por que? Simples! Se o fizesse, seria “sacanagem”. Não o farei
para não desestimular o leitor de adquirir essa magnífica obra, que tem que
constar nas prateleiras das melhores bibliotecas. Apenas citarei dois trechos
da crônica que dá título ao livro e que estão reproduzidos na sua contracapa:
“(...)
Quase no meio daquela floresta, um pouco à direita, bem na linha do horizonte,
no limite entre o céu e a terra, existiam duas árvores de grande porte, que se
destacavam das demais, dando a impressão de que seriam homens, um
cumprimentando ao outro. Nos dias de ventos fortes, pareciam que estavam se
movendo e, nos pensamentos de um menino, elas estavam vivas. Eram as minhas
árvores-homens (...)”.
Não dá para sentir o
cheiro de natureza, ouvir seus sons, visualizar sua selvagem beleza?!!! Claro
que sim! É poesia pura, posto que seguindo os cânones característicos da
crônica. E Harry Wiese prossegue no mesmo diapasão:
“(...)
Da varanda da velha casa, eu avistava as duas árvores em forma de gente. Lá,
bem no meio das duas, nascia a Lua tão linda, cor de prata. Não havia encanto
maior do que observar aquele fenômeno. De uma coisa eu tinha certeza: ninguém
no mundo assistia a um nascer de Lua tão lindo como eu. Assim,
em pouco tempo, as árvores-homens, lentamente, se tornaram brilhantes e a
natureza se banhava nos raios macios do luar. Os sapos faziam algazarra nos
pântanos e no riacho. Os animais na mata saíam das tocas e esconderijos. Os
sons emitidos pelos grilos e outros insetos pareciam instrumentos musicais
agudos. Por causa do luar, os galos que dormiam nas laranjeiras anunciavam um
novo dia por engano. E lá se ia a Lua, subindo cada vez mais no céu. Eu voltava
à cama contente. Papai roncava, mamãe dormia tranqüila e eu sonhava com as
árvores-homens que significavam os mistérios da montanha e a beleza do mundo,
lá fora, longe de casa a impressionar um menino sonhador (...)”.
Mas... o tempo mudou,
transformou, maculou e destruiu toda essa paradisíaca beleza. Aliás, não foi
ele que destruiu, mas foram os homens, com essa balela, que denominam de
“progresso”, mas que interfere, para pior, na natureza e põe fim ao que deveria
ser preservado a qualquer custo. Para o leitor não ficar na mão, reproduzo o
final dessa magnífica crônica (trecho que não está na contracapa do livro),
mais para poesia em prosa do que esta, num “grand finale” digno de um gênio das
letras:
“Já
pensei em reconstruir este meu paraíso perdido. Fiz planos e sonhei acordado.
Afinal, o que um ser humano não é capaz de fazer? É só comprar a terra de
volta, adquirir o material e fazer uma réplica da casa e do jardim. Pintar os
cômodos com as cores originais guardadas na subconsciência Ela ficaria, certamente, igual à outra.
Então, voltaria a ser feliz como em tempos de magia infantil.
Todavia
o bom senso me fez desistir. Desisti por dois motivos: não é possível
reconstruir recordações guardadas no subconsciente e, se possível fossem,
confesso que aquele sentimento, embora de decepção e tristeza, é mais lindo que
qualquer plágio, mesmo feito com as melhores intenções. A casa paterna vai
ficar como está, vai ficar do mesmo jeito como falo com minha mãe, com meus
tios e minhas tias em língua materna.
No
meu entender a língua materna e a casa paterna são esteios irretocáveis da
nossa vida, que devemos preservar e amar para sempre nem que seja só no
silêncio dos pensamentos”. Linda lição de ternura!!!
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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