Escalando o cume deste dia
Pedro J. Bondaczuk
O
“universo” de Jorge Luís Borges (cujo nome completo, extenso e pomposo, é Jorge
Francisco Isidoro Luís Borges Acevedo) é
fascinante, variado, precioso e, sobretudo,
inovador. Para melhor usufruí-lo, é necessário que tenhamos razoável
nível de cultura geral, com conhecimentos pelo menos elementares de história,
das artes e, acima de tudo, das letras. Quanto mais, melhor. Sem nenhum
exagero, é exatamente como “universo” que entendo que sua relativamente vasta
obra deve ser caracterizada. Seus livros (mesmo os de ficção) não são para
serem lidos afoitamente, como se lêem esses tantos romances “ água com açúcar”, escritos, apenas, para nos
entreter em modorrentos dias de folga, chuvosos e frios, sem nada de melhor
para fazer e não para refletirmos a propósito da complexíssima vida e da
consequente complexidade humana. Esse tipo de Literatura, se é que podemos lhe
atribuir tão nobre caracterização, prioriza a ação, em detrimento da reflexão.
Tais livros podem ser (e não raro são) até que bem escritos. Porém... carecem
de conteúdo. Entre outras superficialidades, essas histórias têm personagens
absolutamente óbvios, sem os mistérios, as surpresas e as contradições que
caracterizam, de verdade, os seres humanos. Os contos de Borges, todavia, não
são assim. Destaque-se que a produção de romances jamais fascinou esse erudito
mestre das letras.
Uma
das características da obra borgiana, quer em prosa quer em poesia, é a
onipresença de determinados elementos que eram suas obsessões. Lembro, entre
estes, labirintos, tigres, adagas e espelhos, aos quais, à certa altura – a
partir do livro “Elogio da sombra”, de 1969 – acrescentou a velhice e a ética.
Com esses frágeis fios oníricos, ou mágicos, teceu nossos sonhos de deslumbrados
leitores. Jorge Luís Borges é um dos escritores que mais satisfação me dá em
“devassar” seus textos, em procurar neles mensagens embutidas, não óbvias,
subliminares talvez, embora me exija grande esforço, concentração absoluta e
total, para não me perder em seu complexo raciocínio. Talvez justamente por
isso me desperte tanto fascínio, sei lá. O escritor e ensaísta John Maxwell
Coetzee disse a seu respeito: "Borges, mais do que ninguém, renovou a
linguagem de ficção e, assim, abriu o caminho para uma geração notável de
romancistas hispano-americanos". Foi, portanto, um desbravador.
Embora
seus livros tenham sido escritos para serem lidos, obviamente, (apesar de
muitos, da maioria dos "escrevinhadores" contemporâneos, não serem
legíveis e não passarem de exercícios de vaidade e fatuidade) conferindo-nos,
aos que os devoramos com voracidade, papel mais nobre, reitero, do que o de
meros leitores – o da co-autoria no ato da sua interpretação – sinto-me um
intruso ao percorrer cada meandro da sua mágica literatura. Mormente dos seus
contos, gênero literário da minha predileção.
Trata-se
de um escritor com o qual sempre tive empatia, profunda afinidade, de alguém a
quem "invejei" (mas com “inveja saudável” ditada pela veneração) por haver atingido o "cume da
montanha" que há tanto tento escalar e da qual me encontro, ainda, na
base, na periferia, nos arredores olhando deslumbrado sua altura, namorando o
pico, disposto a empreender a escalada sem medir o esforço necessário e nem
atentar se tenho ou não capacidade, competência e energia para a empreitada.
Borges é meu modelo, meu paradigma, meu referencial, meu guru na difícil e nem
sempre compensadora tarefa (ou seria mania?) de escrever. Como ele, desejo ser
simples nos meus textos, compreensível pela generalidade – já que a totalidade seria impossível – das
pessoas, sem descambar para a infantilidade. Como ele, pretendo semear sonhos,
como exímio prestidigitador. Como ele, quero sentir alegria, prazer, satisfação
de escrever.
A
esse respeito, Borges afirmou em seu livro "Elogio da sombra – um ensaio
autobiográfico": "(...) O beletrismo é um equívoco e um equívoco
nascido da vaidade. Acredito firmemente que a boa literatura deve ser escrita
com modéstia". Esta simplicidade, todavia, não implica em desleixo com a
linguagem. Não significa se descuidar das regras ortográficas e gramaticais.
Não admite empolação, empulhação, enganação ou falsa erudição. Muito pelo
contrário.
Á
medida que envelheço, entendo cada vez mais que as coisas realmente importantes
são as que não aparentam ter importância. É o cotidiano. É a rotina. São as
pequenas e em geral anônimas manifestações de simpatia diárias representadas
pelo sorriso de uma criança, pelo cumprimento de um vizinho, pelos espontâneos
gestos de cortesia nos ônibus, nos elevadores ou na rua de pessoas
absolutamente estranhas. É a "escalada do cume" de cada dia. Essa
expressão é "emprestada" de Borges. Mais especificamente do poema
"James Joyce" que diz:
"Num dia do homem estão os dias
do tempo, desde aquele inconcebível
dia inicial do tempo, em que um terrível
deus prefixou os dias e agonias
até aquele outro em que o ubíquo rio
do tempo terrenal torne à sua fonte
que é o Eterno, e se apague no presente,
o futuro, o ontem, o que agora é meu.
Entre a alva e a noite está a História
universal. Do fundo da noite vejo
a meus pés os caminhos do hebreu
Cartago aniquilada, Inferno e Glória.
Dá-me, Senhor, coragem e alegria
para escalar o cume deste dia".
Faço
minhas estas palavras. Transformo-as em estribilho, em mantra, em prece de cada
alvorecer. Faço delas dístico, lema, slogan em minha vida. "Dá-me, Senhor,
coragem e alegria para escalar o cume deste dia". Dá-me sabedoria e
humildade para alegrar, orientar e trazer esperanças a conhecidos e estranhos, a
amigos e inimigos, às pessoas que amo e às que nunca conseguirei amar... Grande
Borges, com seu fascinante e mágico “universo”!!!
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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