Monday, January 25, 2016

Clamor popular


Pedro J. Bondaczuk


A população do País – que nos últimos dias tem afluído às praças públicas das grandes cidades de forma ordeira e organizada, em quantidades representativas, para exigir a saída do presidente Fernando Collor do governo, mediante um impeachment ou até mesmo pela renúncia – está manifestando da maneira mais direta possível o seu desejo por mudanças.

Não as ditadas em gabinetes por sisudos burocratas, através de planos que nunca levam em conta o sofrimento alheio. Não os pacotes dos que tratam pessoas como meros números estatísticos que podem ser manipulados. Estes só conseguem manter um status quo apodrecido, repugnante, que acompanha os brasileiros praticamente desde a independência do País.

O que o povo quer mudar é o comportamento dos homens públicos que, salvo raras exceções, nunca tiveram a grandeza para entender que as funções que lhes são conferidas pela sociedade são, na verdade, uma missão, e não eventual prêmio por alguma virtude que acham que possuem.

Deseja o resgate de sua cidadania, lembrada apenas nos momentos em que se cobra o cumprimento de suas obrigações de cidadãos, como o pagamento de impostos ou o acatamento a determinadas leis, ditadas de cima para baixo, sem qualquer embasamento nos costumes e nas práticas populares, sem a correspondente recíproca dos direitos. E estes são suprimidos, às vezes numa única penada, por decretos muitas vezes perversos e iníquos, que privilegiam minorias, em detrimento da maioria.

O povo tem saído às ruas – e é bom de se ver a juventude estudantil voltando a participar e a acreditar na mobilização popular – para exigir um choque ético neste País. Para dar um basta ao tráfico de influências, às manobras protecionistas, à corrupção desbragada e indecente que tem campeado ao longo da nossa história, em especial a republicana.

Nos últimos tempos, a população tentou enviar aos políticos mensagens mais calmas, através da enxurrada de votos brancos e nulos nas recentes eleições, quer presidenciais, quer para os governos de Estados, que foram realizadas. Em vão.

Aliás, o presidente Collor somente foi eleito por causa do seu discurso mudancista. Ganhou porque os descamisados acreditaram que poria um ponto final à bandalheira com a coisa pública, que campeou no período de José Sarney.

Seu discurso, recorde-se, foi todo calcado na caça impiedosa aos “marajás”. Aqueles que embolsam o suado dinheirinho de uma população sofrida, mas paciente, através de leis iníquas por eles ou por seus protetores elaboradas, numa flagrante e cínica ação de legislar em causa própria.

A última mobilização popular em grande escala ocorreu em 1984, quando da campanha Diretas-já. Naquela oportunidade, as expectativas dos cidadãos foram frustradas pelos que se arrogavam ser seus representantes.

Por isso, os brasileiros caíram numa apatia absoluta, numa descrença generalizada que já redundou em males talvez irreparáveis. Os homens públicos, aqueles que são líderes de fato e não somente “raposas” da política, não podem deixar escapar a atual oportunidade, talvez a última, para iniciar uma irresistível arrancada nacional para o desenvolvimento. A ira popular, se bem canalizada, pode ser a energia que nos faltava.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 27 de agosto de 1992).


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