Clamor popular
Pedro J.
Bondaczuk
A população do País – que nos últimos dias tem afluído às
praças públicas das grandes cidades de forma ordeira e organizada, em
quantidades representativas, para exigir a saída do presidente Fernando Collor
do governo, mediante um impeachment ou até mesmo pela renúncia – está
manifestando da maneira mais direta possível o seu desejo por mudanças.
Não as ditadas em gabinetes por
sisudos burocratas, através de planos que nunca levam em conta o sofrimento
alheio. Não os pacotes dos que tratam pessoas como meros números estatísticos
que podem ser manipulados. Estes só conseguem manter um status quo apodrecido,
repugnante, que acompanha os brasileiros praticamente desde a independência do
País.
O que o povo quer mudar é o comportamento
dos homens públicos que, salvo raras exceções, nunca tiveram a grandeza para
entender que as funções que lhes são conferidas pela sociedade são, na verdade,
uma missão, e não eventual prêmio por alguma virtude que acham que possuem.
Deseja o resgate de sua
cidadania, lembrada apenas nos momentos em que se cobra o cumprimento de suas
obrigações de cidadãos, como o pagamento de impostos ou o acatamento a
determinadas leis, ditadas de cima para baixo, sem qualquer embasamento nos
costumes e nas práticas populares, sem a correspondente recíproca dos direitos.
E estes são suprimidos, às vezes numa única penada, por decretos muitas vezes
perversos e iníquos, que privilegiam minorias, em detrimento da maioria.
O povo tem saído às ruas – e é
bom de se ver a juventude estudantil voltando a participar e a acreditar na
mobilização popular – para exigir um choque ético neste País. Para dar um basta
ao tráfico de influências, às manobras protecionistas, à corrupção desbragada e
indecente que tem campeado ao longo da nossa história, em especial a
republicana.
Nos últimos tempos, a população
tentou enviar aos políticos mensagens mais calmas, através da enxurrada de
votos brancos e nulos nas recentes eleições, quer presidenciais, quer para os
governos de Estados, que foram realizadas. Em vão.
Aliás, o presidente Collor
somente foi eleito por causa do seu discurso mudancista. Ganhou porque os
descamisados acreditaram que poria um ponto final à bandalheira com a coisa
pública, que campeou no período de José Sarney.
Seu discurso, recorde-se, foi
todo calcado na caça impiedosa aos “marajás”. Aqueles que embolsam o suado
dinheirinho de uma população sofrida, mas paciente, através de leis iníquas por
eles ou por seus protetores elaboradas, numa flagrante e cínica ação de
legislar em causa própria.
A última mobilização popular em
grande escala ocorreu em 1984, quando da campanha Diretas-já. Naquela
oportunidade, as expectativas dos cidadãos foram frustradas pelos que se
arrogavam ser seus representantes.
Por isso, os brasileiros caíram
numa apatia absoluta, numa descrença generalizada que já redundou em males
talvez irreparáveis. Os homens públicos, aqueles que são líderes de fato e não
somente “raposas” da política, não podem deixar escapar a atual oportunidade, talvez
a última, para iniciar uma irresistível arrancada nacional para o
desenvolvimento. A ira popular, se bem canalizada, pode ser a energia que nos
faltava.
(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 27 de
agosto de 1992).
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