Thursday, January 07, 2016

Devedores põem a corda no próprio pescoço


Pedro J. Bondaczuk

A questão da dívida externa da América Latina, à medida que o tempo passa, vai ganhando contornos de grande dramaticidade, colocando em risco a estabilidade política e até a sobrevivência dos países devedores. Não bastasse a freqüente oscilação dos juros internacionais, aumentando, em fração de segundos, como num piscar de olhos, as necessidades de desembolso, outro fator, muito mais perigoso, está entrando em cena. É que a quase totalidade dos produtos básicos de exportação dos Estados latino-americanos está sofrendo inédita erosão de preços. Dessa forma, as vendas externas têm que ser cada vez mais volumosas para que se apurem os mesmos saldos comerciais da véspera, indispensáveis para que o compromisso com os credores seja honrado.E esse processo, logicamente, tem um ponto de exaustão.

O estanho, por exemplo, responsável por mais da metade das entradas de divisas da Bolívia, está com as mais baixas cotações de todos os tempos. O mesmo ocorre com o açúcar latino-americano, com o cobre, com a carne e com os cereais. No caso dos minérios, a própria necessidade de satisfazer o compromisso da dívida, através de crescente geração de superávits da balança comercial, redundou na saturação do mercado comprador. Isso foi agravado ainda mais com a perda do impulso do crescimento econômico norte-americano. E os Estados Unidos são, disparados, os maiores parceiros comerciais da América Latina. E estão comprando cada vez menos.

No caso dos alimentos, a coisa foi um pouquinho pior. Além de terem pesado os mesmos fatores registrados em relação aos minérios, o mundo ainda obteve, em 1985, a maior safra agrícola já colhida num só ano desde que o homem aprendeu a cultivar a terra e produzir a própria comida. Foi a maior colheita já vista em dez mil anos de história! Os silos na Europa, na Ásia e nos Estados Unidos estão abarrotados de cereais e essa estocagem acarreta milhões de dólares de prejuízo a cada dia que passa, representados por custos. É evidente que essa superprodução causou autêntica hecatombe nos preços. É a lei da oferta e da procura funcionando. Em termos de América Latina, o país que mais sofreu com isso foi a Argentina. Sua super-safra do ano passado, que poderia gerar grande soma de divisas, em condições normais, e aliviar um pouquinho a pressão a que os argentinos se vêem submetidos pelos credores, pouca, virtualmente nenhuma vantagem lhes trouxe.

A situação da América Latina em relação à dívida externa é mais ou menos como a do trabalhador que assume uma prestação num momento econômico favorável, quando seu salário é suficiente para cobrir com folga o compromisso e os juros são, digamos, “suaves”. De repente, ele perde o emprego, a conjuntura econômica se deteriora, e as taxas subitamente se elevam. Quando volta a reempregar-se, seus ganhos ficam aquém das necessidades, enquanto a dívida se multiplica. É isso, grosso modo, o que vem acontecendo em praticamente toda a região.

Não bastassem essas agruras, eis que uma nova matéria-prima, fundamental para diversos países latino-americanos, se desvaloriza. Com a queda do preço do barril de petróleo, anunciada desde setembro do ano passado e que começou a gerar efeitos em dezembro, México, Venezuela e Equador ficaram à beira da insolvência. E a armadilha é tão grande que quanto mais eles lutam para obter superávits no comércio exterior, vendendo quantidades crescentes do produto, mais apertam a corda no próprio pescoço, aumentando a oferta e, por conseqüência, jogando os preços cada vez mais para baixo. Apenas em 1986, México e Venezuela, com todo o esforço que vêm fazendo, vão perder, no mínimo, US$ 7,2 bilhões de renda com o petróleo.

Enquanto tudo isso acontece, o Fundo Monetário Internacional, que há tempos deixou de ser uma entidade de socorro aos países em dificuldade para se tornar feroz “ferrabrás” dos credores, só sabe exigir mais sacrifícios dos desesperados devedores, como se desconhecesse a forma como essa dívida foi contraída e o destino que se deu ao dinheiro emprestado. Tudo isso cheira a monumental vigarice. O clima, do jeito que se apresenta, é mais propício a gigantescas explosões sociais de conseqüências imprevisíveis. Afinal, nem todos têm vocação para escravos ou compulsão para o suicídio. E embora com outra denominação, é isto o que se está exigindo das sofridas populações da América Latina.


(Artigo publicado na editoria Internacional do Correio Popular, em 8 de agosto de 1991).

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