Fenômeno ignorado na
ficção
Pedro
J. Bondaczuk
A popularidade dos
esportes – e não somente do futebol, embora a modalidade seja imbatível nesse
aspecto – é um dos fenômenos da atualidade mais marcantes, incontestáveis e...
inexplicáveis racionalmente. Trata-se de manifestação de apreço (para dizer o
mínimo, pois o que há é fanatismo explícito) relativamente recente.
Contribuíram para ela, sem a menor dúvida, os notáveis avanços tecnológicos nas
áreas de transportes e de comunicações.
Observe-se que não
estou me referindo, no caso, à prática esportiva das pessoas “comuns” (ou seja,
dos não atletas profissionais), hábito, por sinal, saudabilíssimo, de quem o
tem, se e quando voltado à preservação da saúde (desde que exercitado, claro,
com as devidas cautelas, sem se descambar para exageros). Qual outro evento
congrega maior público do que o futebol, ou o basquete, ou o vôlei, ou o
futebol americano (dependendo do país em que cada uma dessas e de outras
modalidades é mais popular)? Comícios políticos? Ora, ora, ora, só pode ser
piada. Aliás, pelo contrário. Poucas vezes na História os políticos gozaram de
maior repúdio e desprestígio (e no mundo todo), do que atualmente. Pudera!
A religião reúne mais
gente? Claro que não! As igrejas, salvo uma ou outra exceção, permanecem, na
maior parte do ano, praticamente entregues às moscas. Os fiéis só se lembram
delas nos momentos de extrema aflição. Trata-se de comportamento muito
diferente de há apenas alguns poucos anos. Abstenho-me de fazer juízo de valor
sobre se esta postura é certa ou errada. Apenas constato que, para a maioria, o
futebol, por exemplo, é mais importante do que a religião, embora as pessoas
neguem enfaticamente essa tola opção. Até mesmo shows musicais, dos mais
populares astros e estrelas do rock, bastante concorridos, não se aproximam,
sequer remotamente, em termos de interesse, ao que é despertado no público por
competições esportivas. E nem mesmo me refiro a Copas do Mundo ou Jogos
Olímpicos.
E onde quero chegar com
essas considerações? Ao fato dos escritores (sobretudo os de ficção) darem
pouquíssima (virtualmente nenhuma) importância a esse fenômeno de popularidade.
Romances, contos e/ou novelas baseados em futebol, basquete, beisebol, ou seja
que modalidade popular for, podem ser contados nos dedos de uma só mão. E
nenhum livro desses gêneros chegou a ser best-seller. Desafio que me citem uma,
uma única obra do tipo. que seja pelo menos minimamente conhecida. Sei que há,
mas não me lembro de nenhuma. Vocês não acham estranho que uma potencial fonte
temática inesgotável, como essa, seja ignorada? Eu acho!
Já imaginaram quantas e
boas histórias se pode escrever explorando as diversas facetas (dos torcedores,
dos jogadores, dos treinadores, dos dirigentes etc.etc.etc.) do futebol, do
basquete, do beisebol, do futebol americano e vai por aí afora? E por que
ninguém explora esse inesgotável filão? Por medo de que não interesse o público
e os livros encalhem nas prateleiras das livrarias?
Ora, se o assunto for
tratado com imaginação e talento, isso não irá acontecer. Se até bobagens, como
vampiros, lobisomens, zumbis e correlatos rendem enredos que atraem tanta
gente, por que algo que não é imaginário, mas que está presente na vida de todo
mundo, não renderia? Terá público sim, e cativo, tenho plena convicção.
Desconfio que, até quem não cultive o hábito da leitura, abra exceção e
consagre algum romance, conto ou novela, bem escrito e verossímil, sobre
futebol, por exemplo, tornando-o best-sellers. Antes que alguém me alerte,
informo que estou consciente da existência da Literatura esportiva. Esta,
porém, não é ficcional.
A imensa maioria dos
livros sobre esportes (se não a totalidade) é constituída de biografias de
atletas consagrados, de histórias de clubes e de estatísticas de competições,
como a Copa do Mundo de Futebol, as Olimpíadas, a Copa da Uefa, a Copa América
etc.etc.etc. Romances? Não, não me lembro de nenhum, embora admita que exista.
Contos? Lembro-me de alguns, mas bastante escassos. Novelas? Idem. As
modalidades esportivas atuais, todas elas, são historicamente recentes. Não
completaram, sequer, dois séculos.
Quem pode jurar que as
gerações futuras terão essa mesma preferência que temos hoje? Tenho intuição
que, da mesma forma que apareceram e se impuseram, as modalidades esportivas
atuais podem (ou vão?) declinar e desaparecer, substituídas ou não por novas.
E, por estranha inércia dos nossos ficcionistas, os leitores do futuro tendem a
desconhecer, ou saber muito pouco sobre um dos comportamentos mais disseminados
e recorrentes de bilhões (e são bilhões mesmo!) de pessoas dos séculos XIX, XX
e XXI. Será, pois, desnecessária e estranhíssima lacuna na história da nossa
época.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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