Wednesday, January 27, 2016

Fenômeno ignorado na ficção


Pedro J. Bondaczuk

A popularidade dos esportes – e não somente do futebol, embora a modalidade seja imbatível nesse aspecto – é um dos fenômenos da atualidade mais marcantes, incontestáveis e... inexplicáveis racionalmente. Trata-se de manifestação de apreço (para dizer o mínimo, pois o que há é fanatismo explícito) relativamente recente. Contribuíram para ela, sem a menor dúvida, os notáveis avanços tecnológicos nas áreas de transportes e de comunicações.

Observe-se que não estou me referindo, no caso, à prática esportiva das pessoas “comuns” (ou seja, dos não atletas profissionais), hábito, por sinal, saudabilíssimo, de quem o tem, se e quando voltado à preservação da saúde (desde que exercitado, claro, com as devidas cautelas, sem se descambar para exageros). Qual outro evento congrega maior público do que o futebol, ou o basquete, ou o vôlei, ou o futebol americano (dependendo do país em que cada uma dessas e de outras modalidades é mais popular)? Comícios políticos? Ora, ora, ora, só pode ser piada. Aliás, pelo contrário. Poucas vezes na História os políticos gozaram de maior repúdio e desprestígio (e no mundo todo), do que atualmente. Pudera!

A religião reúne mais gente? Claro que não! As igrejas, salvo uma ou outra exceção, permanecem, na maior parte do ano, praticamente entregues às moscas. Os fiéis só se lembram delas nos momentos de extrema aflição. Trata-se de comportamento muito diferente de há apenas alguns poucos anos. Abstenho-me de fazer juízo de valor sobre se esta postura é certa ou errada. Apenas constato que, para a maioria, o futebol, por exemplo, é mais importante do que a religião, embora as pessoas neguem enfaticamente essa tola opção. Até mesmo shows musicais, dos mais populares astros e estrelas do rock, bastante concorridos, não se aproximam, sequer remotamente, em termos de interesse, ao que é despertado no público por competições esportivas. E nem mesmo me refiro a Copas do Mundo ou Jogos Olímpicos.

E onde quero chegar com essas considerações? Ao fato dos escritores (sobretudo os de ficção) darem pouquíssima (virtualmente nenhuma) importância a esse fenômeno de popularidade. Romances, contos e/ou novelas baseados em futebol, basquete, beisebol, ou seja que modalidade popular for, podem ser contados nos dedos de uma só mão. E nenhum livro desses gêneros chegou a ser best-seller. Desafio que me citem uma, uma única obra do tipo. que seja pelo menos minimamente conhecida. Sei que há, mas não me lembro de nenhuma. Vocês não acham estranho que uma potencial fonte temática inesgotável, como essa, seja ignorada? Eu acho!

Já imaginaram quantas e boas histórias se pode escrever explorando as diversas facetas (dos torcedores, dos jogadores, dos treinadores, dos dirigentes etc.etc.etc.) do futebol, do basquete, do beisebol, do futebol americano e vai por aí afora? E por que ninguém explora esse inesgotável filão? Por medo de que não interesse o público e os livros encalhem nas prateleiras das livrarias?

Ora, se o assunto for tratado com imaginação e talento, isso não irá acontecer. Se até bobagens, como vampiros, lobisomens, zumbis e correlatos rendem enredos que atraem tanta gente, por que algo que não é imaginário, mas que está presente na vida de todo mundo, não renderia? Terá público sim, e cativo, tenho plena convicção. Desconfio que, até quem não cultive o hábito da leitura, abra exceção e consagre algum romance, conto ou novela, bem escrito e verossímil, sobre futebol, por exemplo, tornando-o best-sellers. Antes que alguém me alerte, informo que estou consciente da existência da Literatura esportiva. Esta, porém, não é ficcional.

A imensa maioria dos livros sobre esportes (se não a totalidade) é constituída de biografias de atletas consagrados, de histórias de clubes e de estatísticas de competições, como a Copa do Mundo de Futebol, as Olimpíadas, a Copa da Uefa, a Copa América etc.etc.etc. Romances? Não, não me lembro de nenhum, embora admita que exista. Contos? Lembro-me de alguns, mas bastante escassos. Novelas? Idem. As modalidades esportivas atuais, todas elas, são historicamente recentes. Não completaram, sequer, dois séculos.

Quem pode jurar que as gerações futuras terão essa mesma preferência que temos hoje? Tenho intuição que, da mesma forma que apareceram e se impuseram, as modalidades esportivas atuais podem (ou vão?) declinar e desaparecer, substituídas ou não por novas. E, por estranha inércia dos nossos ficcionistas, os leitores do futuro tendem a desconhecer, ou saber muito pouco sobre um dos comportamentos mais disseminados e recorrentes de bilhões (e são bilhões mesmo!) de pessoas dos séculos XIX, XX e XXI. Será, pois, desnecessária e estranhíssima lacuna na história da nossa época.


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