Tuesday, January 26, 2016

A ficção do chamado “espírito de Reykjavik”



Pedro J. Bondaczuk


O espírito de concórdia de Reykjavik (se é que ele chegou, de fato, a existir), que se diz foi manifestado em certos momentos da reunião de cúpula informal, realizada na Islândia pelo presidente norte-americano Ronald Reagan e pelo líder soviético Mikhail Gorbachev, nos dias 11 e 12 de outubro passado, com menos de um mês, se tornou ultrapassado.

Provavelmente, não passou de uma encenação feita pelos dirigentes das superpotências, voltada mais para os respectivos públicos internos, e destinada a aplacar os ânimos dos grupos pacifistas internacionais.

Mal essas conversações, iniciadas após a superação de uma crise desgastante, envolvendo o jornalista Nicholas Danilof e o físico nuclear, Gennady Zakharov, terminaram, outro incidente de grande porte, antagonizando Washington e Moscou, estourou. Foi a guerra das expulsões de diplomatas, que envolveu 55 russos e 10 norte-americanos.

Se alguma propensão à boa vontade ainda restava, após o encontro de Reykjavik, portanto, essas mútuas alfinetadas, sem sentido ou bom-senso, encarregaram-se de extinguir ou, ao menos, de esfriar. E eis que as superpotências retornam à velha cantilena das propostas desarmamentistas, surradas e rejeitadas, há tempos, e às mesmas acusações dos últimos 41 anos.

A reunião da Islândia, embora muitos teimem em não reconhecer, foi, rigorosamente, inútil. As divergências, manifestadas anteontem e ontem, em Viena, na Áustria, onde o secretário de Estado George Shultz e o chanceler Eduard Shevardnadze se reuniram, por cinco longas e desgastantes horas, demonstraram, mais uma vez, que a questão da corrida armamentista retornou à estaca zero. E essas divergências deixam uma suspeita no observador: a de que todo o estardalhaço em torno da reunião de cúpula informal de Reykjavik, tinha um objetivo definido.

Reagan precisava impressionar os norte-americanos, que temem um confronto nuclear, numa desesperada tentativa de evitar uma derrota nas eleições legislativas, tarefa na qual, no final das contas, ele não obteve sucesso. Gorbachev necessitava das atenções do seu povo para continuar ostentando a aura de pacifista perante a população russa.

As superpotências tratam essa questão das armas nucleares como se apenas elas fossem as interessadas, quando, na verdade, toda a humanidade o é. Todos estamos nesse barco e a ameaça do holocausto paira, sinistra, sobre todas as cabeças. Ninguém está a salvo desse perigo.

A prosseguir nessa toada, não está muito longe de se confirmar a sombria previsão de Gabriel Garcia Márquez, o colombiano que conquistou o Prêmio Nobel de Literatura de 1982, que na recente reunião do Grupo dos Seis, realizada em agosto passado, no México, concluiu o seu discurso com estas palavras (que, Oxalá, não sejam proféticas): “No caos final do gelo e da noite eterna, o único vestígio do que foi a vida serão as baratas”. Se é que estas conseguirão, de fato, sobreviver.     

(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 7 de novembro de 1986)


 Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk      

No comments: