Pedro e o lobo
Pedro J. Bondaczuk
A União Soviética, quando
se trata de noticiar a morte de alguma autoridade, é como o lobo que “perde o
pêlo, mas não perde o vício”. Ou seja, procura esconder a doença dos seus
anciãos, como se ficar doente não fosse um fato normal da vida de qualquer ser
humano.
Isso
ocorreu em relação a Leonid Brezhnev, durante todo o ano de 1982. Repetiu-se
com Yuri Andropov, em 1984. Prosseguiu com Dmitri Ustinov, no ano passado. E
teve a sua culminância há semanas atrás, com Chernenko.
Todos
esses líderes, cujas doenças foram insistentemente negadas e que eram colocados
em importantes compromissos públicos pela imprensa soviética, quando na verdade
se encontravam em leitos de hospitais, morreram. Foram quatro ocasiões em que
os russos foram flagrados mentindo, e como “a mentira tem pernas curtas...”
Bem,
agora a história toda se repete com o ministro da Defesa, Sergei Sokholov, de
73 anos de idade, que sucedeu a Dmitri Ustinov em dezembro passado nesse posto.
Está certo que ele foi visto nos funerais de Chernenko por todos os que
estiveram presentes às cerimônias e, aparentemente, não demonstrava sinal algum
de debilidade.
Todavia,
em se tratando de uma pessoa de provecta idade, nunca se pode afirmar com
segurança que esteja a salvo de riscos. O maior exemplo disso é o que aconteceu
ainda agorinha com o presidente eleito brasileiro, Tancredo Neves, tendo que se
submeter a uma intervenção cirúrgica exatamente no dia previsto para a sua
posse (foi operado na madrugada de ontem), após o País esperar por 21 anos para
retornar à normalidade democrática. São coisas que ninguém no mundo pode
prever.
Supondo
que os rumores, em relação a Sokholov, não tenham procedência, ninguém pode
culpar o Ocidente, após os precedentes supra referidos, por desconfiar das
informações fornecidas pelos soviéticos. Afinal, eles mentiram à opinião
pública, não apenas de seu país, mas do mundo todo, em quatro oportunidades em
apenas 28 meses. Nada impede que mintam pela quinta vez consecutiva. Afinal, já
adquiriram um verdadeiro “knowhow” de despistamentos.
Caso
os boatos acerca do ministro da Defesa soviético tenham procedência, aquele
país pode passar por uma situação curiosa. A de contar, num mesmo colegiado de
governo, atuando em estreita colaboração, com dois líderes que até
segunda-feira disputavam renhidamente a secretaria-geral do PC, cargo máximo
que se pode atingir na União Soviética.
É
que Grigori Romanov, um “expert” em questões de defesa, foi cogitado para
liderança do Cremlin desde a morte de Andropov, perdendo a indicação para
Mikhail Gorbachev na sucessão seguinte, a de Chernenko. Ambos, porém, têm
linhas de ação andropovianas, ou seja, reformistas. Possuem, portanto, muito
mais pontos em comum do que notáveis diferenças.
Romanov,
em dezembro, segundo algumas versões, teria recusado o Ministério da Defesa,
certamente sonhando um pouco mais alto. Agora, se convidado, dificilmente
deixaria de aceitar a incumbência, acomodando, dessa forma, as últimas e
aparentes divergências do regime.
Só
que os soviéticos, se não quiserem perder a credibilidade internacional,
precisam modificar alguns costumes no que diz respeito às informações oficiais.
Por exemplo, se Sokholov realmente manteve encontro com o ministro do Laos,
conforme a imprensa de lá noticiou, que se exiba na televisão a imagem dessa
reunião.
Caso
contrário, vai ocorrer com Moscou algo semelhante àquela historiazinha de
“Pedro e o Lobo”. De tanto passar trote nos outros, divulgando inverdades,
ninguém mais acreditará doravante em suas notícias, mesmo quando estas forem
rigorosamente verdadeiras.
(Artigo
publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 16 de março de
1985).
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