Wednesday, January 20, 2016

País ainda surpreende



Pedro J. Bondaczuk


A opinião pública continua sendo surpreendida com diversos acontecimentos neste país de tantos contrastes e confrontos, certezas e contradições. Algumas dessas surpresas (raras) são positivas, como médicos criando novas técnicas cirúrgicas para salvar vidas, pessoas praticando atos de abnegação e solidariedade comoventes, etc. Outras, no entanto, são desagradáveis e, mais do que isso, trágicas pela brutalidade que encerram.

Apenas três dias depois da magnífica marcha dos sem-terra, de dois meses de duração, até Brasília, para expor democrática e ordeiramente suas reivindicações e queixas não somente ao presidente Fernando Henrique Cardoso, mas a toda a sociedade, dada a ampla cobertura que a jornada recebeu dos meios de comunicação, ocorre o hediondo crime, que comoveu, chocou e indignou todo o País.

Em 21 de abril, Dia de Tiradentes e data em que a cidade idealizada e construída por Juscelino Kubitschek completava 37 anos, o índio pataxó Galdino de Jesus, que dormia em um ponto de ônibus, é queimado vivo, por cinco adolescentes de classe média alta, que alegaram querer fazer "uma brincadeira" e afirmaram, "candidamente" (na verdade com um cinismo revoltante), que pensavam se tratar de um "mendigo", como se fosse lícito, válido e permitido incinerar indigentes.

Muito se disse e se escreveu, desde então, sobre este ato irresponsável, estúpido, de absoluto "non sense". Apesar das cobranças da imprensa e da opinião pública, teme-se, no entanto, que se valendo das brechas da legislação penal brasileira, arcaica, defasada, dos anos 40, os garotos agressores venham a escapar impunes. Não é nada difícil que alguém ainda lhes conceda uma medalha pela sua "piromania" homicida.

Caso revelador da inadequação da lei é o do ex-PM Paulo Roberto Alvarenga, condenado por um júri, no Rio, a 449 anos e oito meses de prisão por sua participação na chacina de Vigário Geral, ocorrida em 29 de agosto de 1993.

Naquela oportunidade, policiais militares invadiram a favela para vingar a morte de um companheiro. Saíram atirando a esmo e trucidaram 21 pessoas. Nenhuma delas, frise-se, participante do crime que pretendiam "punir", assumindo o papel de promotores, juizes e carrascos simultaneamente. Agindo assim, exorbitaram da autoridade que lhes fora conferida pela farda e transpuseram a linha divisória entre a legalidade e a criminalidade. Transformaram-se num bando de bandidos. E nada mais ou menos do que isso.

Alvarenga – e a Justiça mostrou isso mediante sua condenação – era um dos assassinos. No entanto, apesar da extensão da sua pena, dentro de cinco anos no máximo o ex-PM poderá estar livre, por causa das mencionadas brechas na lei penal. Absurdo dos absurdos! É essa impunidade que estimula a violência, que não se faz de rogada, tornando instável e vida do brasileiro, que teme até mesmo sair de casa, diante dos crescentes riscos que corre.

O que a opinião pública cobra é rigor na punição desses ou de quaisquer outros crimes, não importando quem os cometa. Não se trata de vingança, até porque, ao menos doutrinariamente, a sentença não tem essa função ou finalidade. Reivindica-se justiça, para que os sagrados direitos naturais da vida, da propriedade e da segurança pessoal e patrimonial, que têm que ser preservados a qualquer custo ou preço (bases da civilização), sejam de fato garantidos.

(Texto escrito em 28 de abril de 1997 e publicado como editorial na Folha do Taquaral)

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