País
ainda surpreende
Pedro J. Bondaczuk
A opinião pública continua sendo surpreendida com
diversos acontecimentos neste país de tantos contrastes e confrontos, certezas
e contradições. Algumas dessas surpresas (raras) são positivas, como médicos
criando novas técnicas cirúrgicas para salvar vidas, pessoas praticando atos de
abnegação e solidariedade comoventes, etc. Outras, no entanto, são
desagradáveis e, mais do que isso, trágicas pela brutalidade que encerram.
Apenas três dias depois da magnífica marcha dos
sem-terra, de dois meses de duração, até Brasília, para expor democrática e
ordeiramente suas reivindicações e queixas não somente ao presidente Fernando
Henrique Cardoso, mas a toda a sociedade, dada a ampla cobertura que a jornada
recebeu dos meios de comunicação, ocorre o hediondo crime, que comoveu, chocou
e indignou todo o País.
Em 21 de abril, Dia de Tiradentes e data em que a
cidade idealizada e construída por Juscelino Kubitschek completava 37 anos, o
índio pataxó Galdino de Jesus, que dormia em um ponto de ônibus, é queimado
vivo, por cinco adolescentes de classe média alta, que alegaram querer fazer
"uma brincadeira" e afirmaram, "candidamente" (na verdade
com um cinismo revoltante), que pensavam se tratar de um "mendigo",
como se fosse lícito, válido e permitido incinerar indigentes.
Muito se disse e se escreveu, desde então, sobre
este ato irresponsável, estúpido, de absoluto "non sense". Apesar das
cobranças da imprensa e da opinião pública, teme-se, no entanto, que se valendo
das brechas da legislação penal brasileira, arcaica, defasada, dos anos 40, os
garotos agressores venham a escapar impunes. Não é nada difícil que alguém
ainda lhes conceda uma medalha pela sua "piromania" homicida.
Caso revelador da inadequação da lei é o do ex-PM
Paulo Roberto Alvarenga, condenado por um júri, no Rio, a 449 anos e oito meses
de prisão por sua participação na chacina de Vigário Geral, ocorrida em 29 de
agosto de 1993.
Naquela oportunidade, policiais militares invadiram
a favela para vingar a morte de um companheiro. Saíram atirando a esmo e
trucidaram 21 pessoas. Nenhuma delas, frise-se, participante do crime que
pretendiam "punir", assumindo o papel de promotores, juizes e
carrascos simultaneamente. Agindo assim, exorbitaram da autoridade que lhes
fora conferida pela farda e transpuseram a linha divisória entre a legalidade e
a criminalidade. Transformaram-se num bando de bandidos. E nada mais ou menos
do que isso.
Alvarenga – e a Justiça mostrou isso mediante sua
condenação – era um dos assassinos. No entanto, apesar da extensão da sua pena,
dentro de cinco anos no máximo o ex-PM poderá estar livre, por causa das
mencionadas brechas na lei penal. Absurdo dos absurdos! É essa impunidade que
estimula a violência, que não se faz de rogada, tornando instável e vida do
brasileiro, que teme até mesmo sair de casa, diante dos crescentes riscos que
corre.
O que a opinião pública cobra é rigor na punição
desses ou de quaisquer outros crimes, não importando quem os cometa. Não se
trata de vingança, até porque, ao menos doutrinariamente, a sentença não tem
essa função ou finalidade. Reivindica-se justiça, para que os sagrados direitos
naturais da vida, da propriedade e da segurança pessoal e patrimonial, que têm
que ser preservados a qualquer custo ou preço (bases da civilização), sejam de
fato garantidos.
(Texto escrito em 28 de abril de 1997 e publicado
como editorial na Folha do Taquaral)
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk.
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