De moral e moralismo
Pedro
J. Bondaczuk
“O homem que prega
moral é usualmente um hipócrita, a mulher moralizadora é invariavelmente feia”.
Quem escreveu isso foi o escritor inglês, Oscar Wilde, que acabou pagando preço
proibitivo pela ação de “moralistas de plantão”. Cumpriu pena na prisão de Reading,
condenado pela prática de homossexualismo (que era considerado crime na
Inglaterra do seu tempo). Foi humilhado, espezinhado, vilipendiado e teve que
cumprir dois anos de cárcere e trabalhos forçados. Escreveu, no “xilindró”,
longa carta a seu alegado amante, Lorde Alfred Douglas, responsável por sua
condenação, acusando-o de tê-lo arruinado, que foi transformada no livro “De
profundis”.
Mas, cá para nós,
inocente ou culpado, Wilde não deixa de ter lá sua razão. Opinião parecida com
a dele era a do jornalista italiano Dino Segré, que assinava seus textos com o
pseudônimo de Pitigrilli, que fez do moralismo e dos hipócritas que o
exercitavam tema recorrente para praticamente todos os livros que escreveu. A
tônica de seus contos, por exemplo, eram comentários ácidos, posto que
humorísticos, utilizando o recurso imbatível para quem sabe utilizá-lo com
perícia (o da ironia), sobre a sociedade e os costumes não só do seu país e do
seu tempo, mas de todos os lugares e tempos.
Não vou botar a mão
nessa cumbuca, porquanto meu objetivo não é o de debater a moral e seus
gratuitos “fiscais”. É o de assinalar que acabo de reler um dos livros de
Pitigrilli, lançado no Brasil pela Editora Vecchi, intitulado “O cinto de
castidade”, composto por sete contos, leitura divertidíssima, tanto pela
linguagem empregada pelo autor, quanto pelos conceitos que emite, com ironia e
humor. Além da história que dá título ao volume, há mais as seguintes: “Um cão
infeliz”, “A sua língua e a minha”, “Uma ‘garçoniere’ e o teu coração”, “O
centenário”, “Engana-me bem”, “O sereno pessimista” e “Mas não a tocarei”. É
uma obra que recomendo. Se puder encontrá-la, compre-a, caro leitor.
Provavelmente você a encontrará em algum dos tantos sebos espalhados pelo País.
Pitigrilli, que revelou
ter adotado esse pseudônimo porque gostava de “pôr os pingos nos is” (e punhas
de fato), teve sua obra traduzida para 17 idiomas. Em um período da sua vida,
morou em Buenos Aires, onde se refugiou para escapar de furiosos adversários
que queriam acertar contas com ele. Pudera! Alguns de seus livros são:
“Mamíferos de Luxo” (1920), “O Cinto de Castidade” (1921), “Cocaína” (1921),
“Ultraje ao Pudor” (1922), “A Virgem de 18 Quilates” (1924), “O Experimento de
Pott” (1929), “Os Vegetarianos do Amor” (1931), “Loura Dolicocéfala” (1936), “A
Maravilhosa Aventura” (1948), “A Piscina de Siloé” (1948), “O Farmacêutico a
Cavalo” (1948), “O Deslize do Moralista” (1948), “Moisés e o Cavaleiro Levi”
(1948), “Nossa Senhora de Miss Tif” (1974) e “Pitigrilli fala de Pitigrilli”
(1949).
Sua temática e,
sobretudo, seu estilo irônico influenciaram inúmeros escritores, na Itália,
Argentina e Brasil, entre os quais cito o humorista Chico Anysio, do qual me
confesso fiel admirador. Note-se que o que Pitigrilli atacava não era a moral
em si, mas esse moralismo calhorda e hipócrita, exercitado, usualmente, por
pessoas recalcadas, que viam (e vêem, pois existem muitos e muitos e muitos nos
dias atuais por aí afora) supostas transgressões que na verdade eles trazem em
suas doentias mentes. Pitigrilli afirma, por exemplo, em determinado trecho do
conto que dá título ao livro “Cinto de castidade”: “Entre moralistas nunca
existem divergências, porque eles admitem incondicionalmente a inútil renúncia,
a pureza aviltante, a felicidade tola, a honestidade ridícula, a criminosa
cloroformização dos sentidos”. Ou seja, eles se entendem e se apóiam. São
cúmplices em uma mesma estreiteza mental.
Em outro conto,
“O cão infeliz”, Pitigrilli escreve: “O recurso para as mulheres feias e para
as que não são mais belas é a moral, essa peronospora que onde quer que pouse
faz murchar as flores mais louçãs. Pela moral, propinam-se conferências,
escrevem-se livros, consumam-se delitos, fazem-se os jovens contrai vícios
secretos, inventam-se mentiras, multiplicam-se preconceitos, desnaturam-se
instintos, criam-se honrarias, fundam-se círculos com distintivos para os
sócios, de usar na lapela, como se para distinguir as conservadoras da moral
não bastassem os distintivos e traços que elas trazem fatalmente impressos na
casa”.
Para encerrar,
cito outro escritor inglês – este o detentor do recorde de venda de livros em
todos os tempos, com exceção da Bíblia – Charles Dickens, que em sua obra
denunciou as deletérias conseqüências do moralismo calhorda imperante em seu
país e no seu tempo, o do “faça o que falo, não faça o que faço”: “O moralista
é como um sinal de trânsito que indica para onde se pode ir para uma cidade,
mas não vai”.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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