Monday, January 25, 2016

De moral e moralismo


Pedro J. Bondaczuk

O homem que prega moral é usualmente um hipócrita, a mulher moralizadora é invariavelmente feia”. Quem escreveu isso foi o escritor inglês, Oscar Wilde, que acabou pagando preço proibitivo pela ação de “moralistas de plantão”. Cumpriu pena na prisão de Reading, condenado pela prática de homossexualismo (que era considerado crime na Inglaterra do seu tempo). Foi humilhado, espezinhado, vilipendiado e teve que cumprir dois anos de cárcere e trabalhos forçados. Escreveu, no “xilindró”, longa carta a seu alegado amante, Lorde Alfred Douglas, responsável por sua condenação, acusando-o de tê-lo arruinado, que foi transformada no livro “De profundis”.

Mas, cá para nós, inocente ou culpado, Wilde não deixa de ter lá sua razão. Opinião parecida com a dele era a do jornalista italiano Dino Segré, que assinava seus textos com o pseudônimo de Pitigrilli, que fez do moralismo e dos hipócritas que o exercitavam tema recorrente para praticamente todos os livros que escreveu. A tônica de seus contos, por exemplo, eram comentários ácidos, posto que humorísticos, utilizando o recurso imbatível para quem sabe utilizá-lo com perícia (o da ironia), sobre a sociedade e os costumes não só do seu país e do seu tempo, mas de todos os lugares e tempos. 

Não vou botar a mão nessa cumbuca, porquanto meu objetivo não é o de debater a moral e seus gratuitos “fiscais”. É o de assinalar que acabo de reler um dos livros de Pitigrilli, lançado no Brasil pela Editora Vecchi, intitulado “O cinto de castidade”, composto por sete contos, leitura divertidíssima, tanto pela linguagem empregada pelo autor, quanto pelos conceitos que emite, com ironia e humor. Além da história que dá título ao volume, há mais as seguintes: “Um cão infeliz”, “A sua língua e a minha”, “Uma ‘garçoniere’ e o teu coração”, “O centenário”, “Engana-me bem”, “O sereno pessimista” e “Mas não a tocarei”. É uma obra que recomendo. Se puder encontrá-la, compre-a, caro leitor. Provavelmente você a encontrará em algum dos tantos sebos espalhados pelo País.

Pitigrilli, que revelou ter adotado esse pseudônimo porque gostava de “pôr os pingos nos is” (e punhas de fato), teve sua obra traduzida para 17 idiomas. Em um período da sua vida, morou em Buenos Aires, onde se refugiou para escapar de furiosos adversários que queriam acertar contas com ele. Pudera! Alguns de seus livros são: “Mamíferos de Luxo” (1920), “O Cinto de Castidade” (1921), “Cocaína” (1921), “Ultraje ao Pudor” (1922), “A Virgem de 18 Quilates” (1924), “O Experimento de Pott” (1929), “Os Vegetarianos do Amor” (1931), “Loura Dolicocéfala” (1936), “A Maravilhosa Aventura” (1948), “A Piscina de Siloé” (1948), “O Farmacêutico a Cavalo” (1948), “O Deslize do Moralista” (1948), “Moisés e o Cavaleiro Levi” (1948), “Nossa Senhora de Miss Tif” (1974) e “Pitigrilli fala de Pitigrilli” (1949).

Sua temática e, sobretudo, seu estilo irônico influenciaram inúmeros escritores, na Itália, Argentina e Brasil, entre os quais cito o humorista Chico Anysio, do qual me confesso fiel admirador. Note-se que o que Pitigrilli atacava não era a moral em si, mas esse moralismo calhorda e hipócrita, exercitado, usualmente, por pessoas recalcadas, que viam (e vêem, pois existem muitos e muitos e muitos nos dias atuais por aí afora) supostas transgressões que na verdade eles trazem em suas doentias mentes. Pitigrilli afirma, por exemplo, em determinado trecho do conto que dá título ao livro “Cinto de castidade”: “Entre moralistas nunca existem divergências, porque eles admitem incondicionalmente a inútil renúncia, a pureza aviltante, a felicidade tola, a honestidade ridícula, a criminosa cloroformização dos sentidos”. Ou seja, eles se entendem e se apóiam. São cúmplices em uma mesma estreiteza mental.

Em outro conto, “O cão infeliz”, Pitigrilli escreve: “O recurso para as mulheres feias e para as que não são mais belas é a moral, essa peronospora que onde quer que pouse faz murchar as flores mais louçãs. Pela moral, propinam-se conferências, escrevem-se livros, consumam-se delitos, fazem-se os jovens contrai vícios secretos, inventam-se mentiras, multiplicam-se preconceitos, desnaturam-se instintos, criam-se honrarias, fundam-se círculos com distintivos para os sócios, de usar na lapela, como se para distinguir as conservadoras da moral não bastassem os distintivos e traços que elas trazem fatalmente impressos na casa”.  

Para encerrar, cito outro escritor inglês – este o detentor do recorde de venda de livros em todos os tempos, com exceção da Bíblia – Charles Dickens, que em sua obra denunciou as deletérias conseqüências do moralismo calhorda imperante em seu país e no seu tempo, o do “faça o que falo, não faça o que faço”: “O moralista é como um sinal de trânsito que indica para onde se pode ir para uma cidade, mas não vai”.


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