Só a ponta do iceberg
Pedro J.
Bondaczuk
O escândalo “Irangate”, mesmo antes que dois dos
principais implicados na questão tenham deposto, escudados na Quinta Emenda da
Constituição dos Estados Unidos, que os protege contra a auto-incriminação (a
saber, o ex-chefe do Conselho de Segurança Nacional, vice-almirante John
Poindexter e seu subordinado, tenente-coronel Oliver North), está trazendo à
baila fatos estarrecedores.
Não cabe na mente de ninguém com um pouquinho só de
bom-senso que tantas tramóias tenham sido feitas, envolvendo, até agora, direta
ou indiretamente, cerca de 25 países, apenas para derrubar o governo eleito de
uma pequenina e pobre República da paupérrima América Central, com população
pouca coisa superior a 2 milhões de habitantes.
De acordo com revelações feitas anteontem, durante uma
entrevista à rede de televisão ABC, pelo general reformado da Força Aérea,
Richard Secord, os norte-americanos ficaram sabendo (certamente estarrecidos)
que três representantes diretos do regime dos aiatolás persas chegaram a ser
recebidos até mesmo na Casa Branca, para tratar da aquisição de armamentos. E,
para pasmo geral, esse oficial aduziu que o presidente Ronald Reagan estava
sabendo disso.
Se não impediu, portanto, que tal reunião dos iranianos
com Oliver North e Robert McFarlane se realizasse na sede do governo, é porque
consentiu. Afinal, o chefe do país era ele! Cabia-lhe, caso não concordasse com
as ações dos seus subordinados, demiti-los, pura e simplesmente.
Notem os leitores que esse estranho encontro se deu em
setembro do ano passado, pouquíssimos dias antes do escândalo vir a público,
denunciado que foi, pela primeira vez, por um jornal da Síria (cuja matéria, na
ocasião, o Correio Popular reproduziu, quando pouco órgãos de informação deram
importância a ela).
Nesse mês, as manchetes eram ocupadas pelo “affaire”
Zakharov-Daniloff, com as superpotências fazendo uma espécie de cortina de
fumaça para a opinião pública, quem sabe para encobrir esses conchavos, nada
edificantes.
Quem sabe foi por isso, por saber do envolvimento de
muitos de seus pares nessas manobras, que o líder líbio Muammar Khdafy tenha
feito, no dia 12 de setembro de 1986, em Harare, no Zimbabwe, durante reunião
do Movimento dos Países Não-Alinhados, aquele eu desabafo (que não foi muito
bem entendido na ocasião), quando disse que iria se retirar da entidade, por
ela não passar de uma farsa, de uma enorme mentira.
Tudo o que se possa imaginar num romance de espionagem e
de operações encobertas, que o mais imaginoso escritor possa escrever, acabará
sendo, tranqüilamente, superado pela realidade dos fatos verificados neste
escândalo. E somente com aquilo que já foi revelado dele.
Suspeita-se que, até aqui, haja aflorado nada mais do que
a ponta do iceberg. Que o véu de mistério que cerca a questão tenha sido
erguido apenas meros milímetros, deixando só entrever o perfil do monstrengo
que encobre.
Ora, se para combater um regime transitório, num país de
tão pequenas proporções, em termos econômicos, políticos, militares e
estratégicos, como é a Nicarágua, se fez tanta tramóia, o que não aconteceu na
guerra fria de 30 anos entre as superpotências e que ninguém ficou sabendo?
Onde a ética? Onde o respeito entre os povos? Onde a lei?
Será que todos os valores das civilizações deste violento
final de milênio não passam de enganadoras miragens, de ilusões, de sombras? Se
o maior país do mundo, reconhecido como a terra da liberdade e da democracia,
age dessa forma, como não estarão agindo as ditaduras mais ferozes deste
Planeta?!
Quantas mentiras não estarão sendo perpetradas em troca de
algo tão volátil e transitório chamado poder? Quantas traições, quantas
negociatas, quantos desvios éticos? E tudo por que? Por mero capricho de um
presidente? Para satisfazer a megalomania de líderes de correntes ideológicas
em desuso, por terem desgraçado e tiranizado tantos povos? Por mero dinheiro? É
algo que, certamente, as pessoas sérias, e que acreditam no império da lei,
jamais haverão de entender!
(Artigo publicado
na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 13 de maio de 1987).
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