Violência
inviabiliza nova era
Pedro J. Bondaczuk
Os acontecimentos ocorridos nos últimos dois anos,
tidos como os do fim da guerra fria e do início de uma nova era para a
humanidade, foram, na verdade, mal interpretados. A rigor, permanecem
inacabados, à espera de hábil complementação. Dependendo dos agentes, poderão
ser construtivos ou destrutivos.
Cabe aos analistas políticos, àqueles a que compete,
através da imprensa, “interpretar” a realidade, orientar a visão da sociedade
para o rumo correto. Um dos seus papéis é o de alertar sobre armadilhas que
possam estar escondidas atrás dos fatos; buscar projetar as conseqüências de
tudo o que ocorre, com o máximo de isenção, especialmente ideológica.
O poeta Archibald McLeish observou isso com rara
maestria ao escrever: “Algumas vezes, como um teatro mal construído, a história
tem pontos mortos onde não se escuta a música”. O momento atual pode ser um
deles.
O fracasso do secretário de Estado norte-americano,
James Baker, em organizar uma conferência regional de paz para o Oriente Médio,
por exemplo, mostrou que as alianças, formadas contra o Iraque, na recente
guerra do Golfo Pérsico, não foram motivadas por nenhum desejo sincero de
cooperação da comunidade árabe com o Ocidente. Tratou-se, apenas, de um gesto
oportunista para se livrar de um ex-parceiro, no caso Saddam Hussein, cujas
ambições cresceram a ponto de se tornarem megalomaníacas e ameaçarem os grandes
negócios da região.
Às monarquias dessa área não interessa nenhuma
mudança no status quo. Discussões sobre a concessão de liberdades democráticas
aos seus povos soam como indecentes, pornográficas, até sacrílegas para
dinastias que buscam o máximo enriquecimento de inexpressivas elites, em termos
numéricos, em detrimento de seus povos.
O Oriente Médio do pós-guerra, ao invés de respirar
um clima de concórdia, propício ao estabelecimento da paz, nunca se armou tanto
quanto agora. Está investindo, portanto, na violência, que por isso tende a se
multiplicar e perpetuar.
O poeta e dramaturgo alemão Friedrich Schiller
observou, em sua peça “Maria Stuart”: “Se ódio contra ódio se choca, nada de
bom pode-se esperar”. O mesmo raciocínio, aumentado em muitas vezes pela lente
da superpopulação, vale para a Ásia.
Rancores seculares, religiosos, étnicos e ideológicos,
estraçalham o continente, que abriga mais de 60% da humanidade, sem que as
Nações Unidas, que se mostraram tão severas contra Saddam Hussein, façam
grandes coisas para evitar.
O assassinato do ex-primeiro-ministro indiano Rajiv
Gandhi, na terça-feira passada, colocou sob o foco das atenções mundiais as
conseqüências das omissões e injustiças de séculos, que podem resultar, apenas,
no que estão resultando: selvajaria, sofrimento e dor.
É preciso, principalmente, por parte dos interpretes
da realidade, maior realismo na avaliação dos acontecimentos. Daniel J.
Boorstin, num lúcido ensaio publicado recentemente, constatou: “Aplaudimos
rápido demais uma ‘nova era’ de democracia na União Soviética com a ascensão de
Mikhail Gorbachev. Durante toda uma primavera de Praça da Paz Celestial,
saudamos o advento da democracia na China. E, com a ‘derrota’ de Saddam
Hussein, fomos tentados a esperar uma época de paz e decência no Oriente Médio
– até o massacre de curdos e xiitas esvaziar nossas ilusões. Hoje, mais do que
nunca, precisamos aguçar nosso vocabulário e nos lembrar das diferenças que
existem entre a história e os atuais acontecimentos, entre ‘revolução’ e as
espécies de ‘momentos decisivos’ que confundem nosso modo de ver os mais
recentes boletins”. Os tempos são mais de alarme do que de tolas e infundadas
esperanças.
(Artigo publicado na página 14, Internacional, do
Correio Popular, em 28 de maio de 1991)
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