Tuesday, November 17, 2015

Violência inviabiliza nova era



Pedro J. Bondaczuk


Os acontecimentos ocorridos nos últimos dois anos, tidos como os do fim da guerra fria e do início de uma nova era para a humanidade, foram, na verdade, mal interpretados. A rigor, permanecem inacabados, à espera de hábil complementação. Dependendo dos agentes, poderão ser construtivos ou destrutivos.

Cabe aos analistas políticos, àqueles a que compete, através da imprensa, “interpretar” a realidade, orientar a visão da sociedade para o rumo correto. Um dos seus papéis é o de alertar sobre armadilhas que possam estar escondidas atrás dos fatos; buscar projetar as conseqüências de tudo o que ocorre, com o máximo de isenção, especialmente ideológica.

O poeta Archibald McLeish observou isso com rara maestria ao escrever: “Algumas vezes, como um teatro mal construído, a história tem pontos mortos onde não se escuta a música”. O momento atual pode ser um deles.

O fracasso do secretário de Estado norte-americano, James Baker, em organizar uma conferência regional de paz para o Oriente Médio, por exemplo, mostrou que as alianças, formadas contra o Iraque, na recente guerra do Golfo Pérsico, não foram motivadas por nenhum desejo sincero de cooperação da comunidade árabe com o Ocidente. Tratou-se, apenas, de um gesto oportunista para se livrar de um ex-parceiro, no caso Saddam Hussein, cujas ambições cresceram a ponto de se tornarem megalomaníacas e ameaçarem os grandes negócios da região.

Às monarquias dessa área não interessa nenhuma mudança no status quo. Discussões sobre a concessão de liberdades democráticas aos seus povos soam como indecentes, pornográficas, até sacrílegas para dinastias que buscam o máximo enriquecimento de inexpressivas elites, em termos numéricos, em detrimento de seus povos.

O Oriente Médio do pós-guerra, ao invés de respirar um clima de concórdia, propício ao estabelecimento da paz, nunca se armou tanto quanto agora. Está investindo, portanto, na violência, que por isso tende a se multiplicar e perpetuar.

O poeta e dramaturgo alemão Friedrich Schiller observou, em sua peça “Maria Stuart”: “Se ódio contra ódio se choca, nada de bom pode-se esperar”. O mesmo raciocínio, aumentado em muitas vezes pela lente da superpopulação, vale para a Ásia.

Rancores seculares, religiosos, étnicos e ideológicos, estraçalham o continente, que abriga mais de 60% da humanidade, sem que as Nações Unidas, que se mostraram tão severas contra Saddam Hussein, façam grandes coisas para evitar.

O assassinato do ex-primeiro-ministro indiano Rajiv Gandhi, na terça-feira passada, colocou sob o foco das atenções mundiais as conseqüências das omissões e injustiças de séculos, que podem resultar, apenas, no que estão resultando: selvajaria, sofrimento e dor.
É preciso, principalmente, por parte dos interpretes da realidade, maior realismo na avaliação dos acontecimentos. Daniel J. Boorstin, num lúcido ensaio publicado recentemente, constatou: “Aplaudimos rápido demais uma ‘nova era’ de democracia na União Soviética com a ascensão de Mikhail Gorbachev. Durante toda uma primavera de Praça da Paz Celestial, saudamos o advento da democracia na China. E, com a ‘derrota’ de Saddam Hussein, fomos tentados a esperar uma época de paz e decência no Oriente Médio – até o massacre de curdos e xiitas esvaziar nossas ilusões. Hoje, mais do que nunca, precisamos aguçar nosso vocabulário e nos lembrar das diferenças que existem entre a história e os atuais acontecimentos, entre ‘revolução’ e as espécies de ‘momentos decisivos’ que confundem nosso modo de ver os mais recentes boletins”. Os tempos são mais de alarme do que de tolas e infundadas esperanças.          

(Artigo publicado na página 14, Internacional, do Correio Popular, em 28 de maio de 1991)


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