Wednesday, November 11, 2015

Lampejo que resultou numa obra-prima

Pedro J. Bondaczuk

A origem de muitos livros – e aqui estou pensando, especificamente, nos de ficção – é, às vezes, puramente casual. Você está em uma roda de amigos em que a conversa é trivial. Alguém conta um caso, desses até comuns, sem nada de especial. Porém, em determinado momento, o tal sujeito cita uma circunstância que lhe produz, sem que se saiba a razão, repentino lampejo, como velocíssimo raio de luz. Você, intimamente, diz para você mesmo, quase que automaticamente: “Isso dá excelente história”. Caso leve a sério e dê ouvidos a essa voz da intuição, poderá produzir um romance genial, que lhe garanta o tão sonhado sucesso literário. Claro, há uma série de condições a serem preenchidas. A principal é que você seja escritor preparado, criativo, aplicado e trabalhador etc.etc.etc. Afinal, Literatura (a boa) tem só um tantinho, e ínfimo, de “inspiração” e um tantão enorme de “!transpiração”.

Muitos livros de ficção nascem de outros livros que você esteja lendo ou tenha lido. Não se trata de plágio. Como no caso de conversa com amigos, que citei, determinado trecho da obra em questão que estiver lendo pode produzir o tal repentino e velocíssimo lampejo, como o que às vezes é produzido no tal bate-papo informal. E o processo para a redação do “primoroso” romance que pode projetá-lo no cenário literário é o mesmo que citei antes, com idênticas condições. Foi assim, por exemplo, de forma tão casual, que nasceu o best-seller “A casa das sete mulheres”. Pelo menos foi o que sua autora, a gaúcha Leticia Wierzchowski, revelou em entrevista exclusiva que concedeu em julho de 2010 ao portal SaraivaConteudo (WWW.saraivaconteudo.com.br), com revelações sobre seus gostos, sua trajetória literária e seu início de carreira, entre tantos outros assuntos.

Mas deixemos que ela própria diga como surgiu a idéia (vitoriosa, sem dúvida) para escrever “A casa das sete mulheres”: “Tem um autor gaúcho, que mora em Florianópolis, Tabajara Ruas, um dos grandes autores brasileiros vivos. Ele tem livros lindos: ‘O amor de Pedro por João’ e ‘Os varões assinalados’. A história de ‘A casa das sete mulheres’ surgiu da leitura de ‘Os varões assinalados’, que primeiro foi publicado como um folhetim em um jornal. Quando saímos para lua de mel, eu e Marcelo compramos livros... [risos] Minhas irmãs: ‘Não é possível! Vocês levando livros para a lua de mel...’ [risos] E Marcelo leu antes ‘Os varões assinalados’, um livrão de 600 páginas, e disse: ‘Eu não vou falar nada pra ti, mas tem uma história nesse livro que acho que tu poderias contar’. Eu li o livro e fiquei impressionada: é avassalador!!! É um romance que conta a Revolução Farroupilha através dos homens, os varrões que fizeram a guerra”.

A seguir, Letícia revela o trecho específico que lhe fez passar pela mente o tal e velocíssimo “raio de luz”, o insight para que pensasse seriamente em escrever um livro, partindo daquele detalhezinho particular. “(...) Tem um paragrafinho em que o Bento Gonçalves levava o Giuseppe Garibaldi para uma estância, para um jantar, para apresentar a família, e falava: ‘Agora você vai conhecer a casa das sete mulheres’. E, rapidamente, mostrava que Garibaldi trocava uns olhares com a Manoela [de Paula Ferreira]. E citava uns nomes, que davam sete... Nunca tinha parado para pensar na Revolução Farroupilha e muito menos no ponto de vista de uma mulher”, revelou Letícia.

Mas a criativa e persistente escritora gaúcha não ignorou aquele súbito insight, como a maioria, em circunstâncias semelhantes tende a fazer. Levou-o a sério. Amadureceu a idéia. Tomou as primeiras providências para fazer daquela súbita inspiração algo concreto, porém com muita, com muitíssima transpiração, o que qualquer obra literária de qualidade requer. “Quando peguei o romance do Tabajara e me deparei com personagens que estudamos na escola, com nomes de ruas, que foram humanizados, fiquei impressionada. ‘Isso é um filme!’ Então liguei para o Tabajara: ‘Taba, eu posso escrever uma história pegando o mote dessa passagem?’ Ele falou: ‘Claro! Imagina, que legal’ O José Guimarães já escreveu uma novela curta que chama ‘Amor de perdição’, um breve encontro entre Manoela e Giuseppe Garibaldi. Nas memórias do Garibaldi, ele falava sobre ela... Eu saí atrás”.

A partir desse momento, “A casa das sete mulheres” começou a nascer. Letícia iniciou o planejamento sobre o que pretendia abordar, embora a trama ainda estivesse sumamente crua em sua mente. “(...) A história que eu queria começar a contar era a história da Manoela: uma mulher bonita, de uma família rica e importante do Rio Grande do Sul, que se apaixona por um aventureiro. Garibaldi quando chegou aqui [em Porto Alegre] não tinha ido para a Itália fazer toda campanha italiana. Ele era um cara com a cabeça a prêmio na Europa. Por causa dessa paixão, Manoela morre virgem e louca, vestida de noiva, num sobrado, chamando por ele. Isso me impressionou. Daí comecei a escrever o romance”.

Todavia, quando você está empenhado em uma tarefa desse porte, a de redação de um livro, a vida não para até que você o conclua. Muito pelo contrário. Tarefas domésticas, despesas, incidentes inesperados, viagens não programadas (ou mesmo programadas) e outras tantas circunstâncias fortuitas podem aparecer (e quase sempre aparecem) em nosso caminho, atrapalhando a concentração. Se você souber driblar tudo isso, poderá concluir o romance. Nem sempre a gente sabe. “ (...) Nesse meio tempo, me mudei para São Paulo, e me deparei com uma questão: eu tinha quatro livros publicados, mas todos por editoras gaúchas. Eu chegava a São Paulo e não encontrava um único livro meu para vender. O próprio Tabajara me indicou para a Record. A Luciana Villas-Boas gostou do meu trabalho e publicou de cara uma reedição de ‘O anjo e o resto de nós’. Eu falei: ‘Talvez você tome um susto. Se você não quiser essa história não tem problema nenhum. Estou escrevendo sobre uma revolução do século XIX contada pelo ponto de vista feminino. Não sei se vai ter alguém que queira ler’. Ela riu e falou: ‘Me dá esse livro para ler’”

Deu no que deu. Letícia narra na citada entrevista exclusiva para o site “SaraivaConteudo” o resultado dessa conversa com a representante da Editora Record. “(...) Ela (Luciana Villas-Boas) leu e logo depois falou: ‘Acho que esse livro vai fazer muito sucesso. Inclusive, acho que esse livro vai para a TV. Vou publicar’. Ela foi muito visionária. Terminei o romance e a Record publicou em abril [de 2002]. A carioca Lúcia Riff, minha agente literária, enviou meu livro para a Globo. Não sei que engrenagens se moveram... Maria Adelaide Amaral estava fazendo uma adaptação de uma minissérie, ‘O capitão mouro’ [de Georges Bourdoukan] e por algum motivo perdeu os direitos do trabalho. Eles ficaram sem nada para colocar na grade. Uma coisa rara porque, às vezes, a Globo compra os direitos e passa 20 anos até levar ao ar, como ‘Mad Maria’ [de Márcio de Souza, adaptado por Benedito Ruy Barbosa]. Eu publiquei meu livro em abril e em setembro recebi um telefonema da minha agente dizendo que eles queriam comprar os direitos para a minissérie”. O resto da história não é necessário repetir. “A casas das sete mulheres” foi o sucesso que vocês conhecem, tanto editorial, quanto televisivo.

Portanto, caríssimo escritor que me dá a honra de sua leitura, nunca ignore esses súbitos, inesperados e aleatórios lampejos de inspiração, esses velocíssimos e quase imperceptíveis raios de luz, esses insights que podem, até mesmo, nunca mais se repetir. Claro, não deve se fiar, apenas, nesses misteriosos momentos e nem se deixar enganar por eles. Nenhuma obra, muito menos uma com potencial para se transformar em best-seller, virá prontinha à sua mente, como num passe de mágica. Isso não existe. Você terá que trabalhar, e muito, para produzir a obra-prima com que tanto sonha. Se o fizer... talvez obtenha o mesmo resultado, se não muito maior, que Leticia Wierzchowski obteve com “A casa das sete mulheres”. Talvez... Essa incerteza é o preço que você terá que pagar por ser escritor.


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