Lampejo que resultou
numa obra-prima
Pedro
J. Bondaczuk
A origem de muitos
livros – e aqui estou pensando, especificamente, nos de ficção – é, às vezes,
puramente casual. Você está em uma roda de amigos em que a conversa é trivial.
Alguém conta um caso, desses até comuns, sem nada de especial. Porém, em determinado
momento, o tal sujeito cita uma circunstância que lhe produz, sem que se saiba
a razão, repentino lampejo, como velocíssimo raio de luz. Você, intimamente,
diz para você mesmo, quase que automaticamente: “Isso dá excelente história”.
Caso leve a sério e dê ouvidos a essa voz da intuição, poderá produzir um
romance genial, que lhe garanta o tão sonhado sucesso literário. Claro, há uma
série de condições a serem preenchidas. A principal é que você seja escritor
preparado, criativo, aplicado e trabalhador etc.etc.etc. Afinal, Literatura (a
boa) tem só um tantinho, e ínfimo, de “inspiração” e um tantão enorme de
“!transpiração”.
Muitos livros de ficção
nascem de outros livros que você esteja lendo ou tenha lido. Não se trata de
plágio. Como no caso de conversa com amigos, que citei, determinado trecho da
obra em questão que estiver lendo pode produzir o tal repentino e velocíssimo
lampejo, como o que às vezes é produzido no tal bate-papo informal. E o
processo para a redação do “primoroso” romance que pode projetá-lo no cenário
literário é o mesmo que citei antes, com idênticas condições. Foi assim, por
exemplo, de forma tão casual, que nasceu o best-seller “A casa das sete
mulheres”. Pelo menos foi o que sua autora, a gaúcha Leticia Wierzchowski,
revelou em entrevista exclusiva que concedeu em julho de 2010 ao portal
SaraivaConteudo (WWW.saraivaconteudo.com.br),
com revelações sobre seus gostos, sua trajetória literária e seu início de
carreira, entre tantos outros assuntos.
Mas deixemos que ela
própria diga como surgiu a idéia (vitoriosa, sem dúvida) para escrever “A casa
das sete mulheres”: “Tem um autor gaúcho, que mora em Florianópolis, Tabajara
Ruas, um dos grandes autores brasileiros vivos. Ele tem livros lindos: ‘O amor
de Pedro por João’ e ‘Os varões assinalados’. A história de ‘A casa das sete
mulheres’ surgiu da leitura de ‘Os varões assinalados’, que primeiro foi
publicado como um folhetim em um jornal. Quando saímos para lua de mel, eu e
Marcelo compramos livros... [risos] Minhas irmãs: ‘Não é possível! Vocês
levando livros para a lua de mel...’ [risos] E Marcelo leu antes ‘Os varões
assinalados’, um livrão de 600 páginas, e disse: ‘Eu não vou falar nada pra ti,
mas tem uma história nesse livro que acho que tu poderias contar’. Eu li o
livro e fiquei impressionada: é avassalador!!! É um romance que conta a
Revolução Farroupilha através dos homens, os varrões que fizeram a guerra”.
A seguir, Letícia
revela o trecho específico que lhe fez passar pela mente o tal e velocíssimo
“raio de luz”, o insight para que pensasse seriamente em escrever um livro,
partindo daquele detalhezinho particular. “(...) Tem um paragrafinho em que o
Bento Gonçalves levava o Giuseppe Garibaldi para uma estância, para um jantar,
para apresentar a família, e falava: ‘Agora você vai conhecer a casa das sete
mulheres’. E, rapidamente, mostrava que Garibaldi trocava uns olhares com a
Manoela [de Paula Ferreira]. E citava uns nomes, que davam sete... Nunca tinha
parado para pensar na Revolução Farroupilha e muito menos no ponto de vista de
uma mulher”, revelou Letícia.
Mas a criativa e
persistente escritora gaúcha não ignorou aquele súbito insight, como a maioria,
em circunstâncias semelhantes tende a fazer. Levou-o a sério. Amadureceu a
idéia. Tomou as primeiras providências para fazer daquela súbita inspiração
algo concreto, porém com muita, com muitíssima transpiração, o que qualquer
obra literária de qualidade requer. “Quando peguei o romance do Tabajara e me
deparei com personagens que estudamos na escola, com nomes de ruas, que foram
humanizados, fiquei impressionada. ‘Isso é um filme!’ Então liguei para o
Tabajara: ‘Taba, eu posso escrever uma história pegando o mote dessa passagem?’
Ele falou: ‘Claro! Imagina, que legal’ O José Guimarães já escreveu uma novela
curta que chama ‘Amor de perdição’, um breve encontro entre Manoela e Giuseppe
Garibaldi. Nas memórias do Garibaldi, ele falava sobre ela... Eu saí atrás”.
A partir desse momento,
“A casa das sete mulheres” começou a nascer. Letícia iniciou o planejamento
sobre o que pretendia abordar, embora a trama ainda estivesse sumamente crua em
sua mente. “(...) A história que eu queria começar a contar era a história da
Manoela: uma mulher bonita, de uma família rica e importante do Rio Grande do
Sul, que se apaixona por um aventureiro. Garibaldi quando chegou aqui [em Porto
Alegre] não tinha ido para a Itália fazer toda campanha italiana. Ele era um
cara com a cabeça a prêmio na Europa. Por causa dessa paixão, Manoela morre
virgem e louca, vestida de noiva, num sobrado, chamando por ele. Isso me
impressionou. Daí comecei a escrever o romance”.
Todavia, quando você
está empenhado em uma tarefa desse porte, a de redação de um livro, a vida não
para até que você o conclua. Muito pelo contrário. Tarefas domésticas,
despesas, incidentes inesperados, viagens não programadas (ou mesmo
programadas) e outras tantas circunstâncias fortuitas podem aparecer (e quase
sempre aparecem) em nosso caminho, atrapalhando a concentração. Se você souber driblar
tudo isso, poderá concluir o romance. Nem sempre a gente sabe. “ (...) Nesse
meio tempo, me mudei para São Paulo, e me deparei com uma questão: eu tinha
quatro livros publicados, mas todos por editoras gaúchas. Eu chegava a São
Paulo e não encontrava um único livro meu para vender. O próprio Tabajara me
indicou para a Record. A Luciana Villas-Boas gostou do meu trabalho e publicou
de cara uma reedição de ‘O anjo e o resto de nós’. Eu falei: ‘Talvez você tome
um susto. Se você não quiser essa história não tem problema nenhum. Estou
escrevendo sobre uma revolução do século XIX contada pelo ponto de vista
feminino. Não sei se vai ter alguém que queira ler’. Ela riu e falou: ‘Me dá
esse livro para ler’”
Deu no que deu. Letícia
narra na citada entrevista exclusiva para o site “SaraivaConteudo” o resultado
dessa conversa com a representante da Editora Record. “(...) Ela (Luciana
Villas-Boas) leu e logo depois falou: ‘Acho que esse livro vai fazer muito
sucesso. Inclusive, acho que esse livro vai para a TV. Vou publicar’. Ela foi
muito visionária. Terminei o romance e a Record publicou em abril [de 2002]. A
carioca Lúcia Riff, minha agente literária, enviou meu livro para a Globo. Não
sei que engrenagens se moveram... Maria Adelaide Amaral estava fazendo uma adaptação
de uma minissérie, ‘O capitão mouro’ [de Georges Bourdoukan] e por algum motivo
perdeu os direitos do trabalho. Eles ficaram sem nada para colocar na grade.
Uma coisa rara porque, às vezes, a Globo compra os direitos e passa 20 anos até
levar ao ar, como ‘Mad Maria’ [de Márcio de Souza, adaptado por Benedito Ruy
Barbosa]. Eu publiquei meu livro em abril e em setembro recebi um telefonema da
minha agente dizendo que eles queriam comprar os direitos para a minissérie”. O
resto da história não é necessário repetir. “A casas das sete mulheres” foi o
sucesso que vocês conhecem, tanto editorial, quanto televisivo.
Portanto, caríssimo
escritor que me dá a honra de sua leitura, nunca ignore esses súbitos,
inesperados e aleatórios lampejos de inspiração, esses velocíssimos e quase
imperceptíveis raios de luz, esses insights que podem, até mesmo, nunca mais se
repetir. Claro, não deve se fiar, apenas, nesses misteriosos momentos e nem se
deixar enganar por eles. Nenhuma obra, muito menos uma com potencial para se
transformar em best-seller, virá prontinha à sua mente, como num passe de
mágica. Isso não existe. Você terá que trabalhar, e muito, para produzir a
obra-prima com que tanto sonha. Se o fizer... talvez obtenha o mesmo resultado,
se não muito maior, que Leticia Wierzchowski obteve com “A casa das sete
mulheres”. Talvez... Essa incerteza é o preço que você terá que pagar por ser
escritor.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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