Uma inesquecível
menininha má
Pedro
J. Bondaczuk
O escritor peruano,
Mário Vargas Llosa – Prêmio Nobel de Literatura de 2010 – criou várias
personagens femininas, com perfis, personalidades, ações e reações as mais
diversas. Até aí, eu não disse nada de novo ou de original. Limitei-me ao
óbvio. O escritor peruano conferiu, a muitas, papéis, digamos, de
protagonistas, de figuras centrais nos enredos e não o de meras “figurantes”.
Algumas são tão importantes que são citadas em títulos de muitos de seus 19
romances e cinco peças teatrais. De outras, menciona características que as
identificam de cara. São os casos de “Tia Júlia e o escrevinhador”, de
“História de Mayta”, de “Travessuras da menina má”, além de “A menina de
Tacna”, “Kathie e o hipopótamo” e “La Chunga”, estas três últimas obras para
serem encenadas no palco.
Perguntaram-me, dia
desses, numa roda de amigos, quando o assunto referente à obra de Vargas Llosa
veio à baila, qual personagem feminina das que ele criou era (na verdade é),
para mim, inesquecível. Respondi, sem pestanejar, o óbvio: “Todas!”. Afinal,
cada uma delas tem lá sua importância nos respectivos enredos em que aparecem.
Meu interlocutor, todavia, foi mais insistente e exigente (diria que “chato”).
Impôs-me, como condição, que eu escolhesse só uma, a que me venha
automaticamente á memória, assim de imediato, quando o tema da obra do escritor
peruano vem à baila.
A expectativa, pelo que
depreendi, era que eu citasse Amália, por exemplo, ou Hortensia ou Queta, todas
três personagens de seu romance mais famoso, “Conversa no Catedral”. Alguns dos
amigos esperavam que eu mencionasse, como alternativa, a boliviana Júlia, do
livro “Tia Júlia e o escrevinhador”. Todos erraram. Já que tinha que escolher
uma única personagem feminina inesquecível, minha escolha recaiu sobre uma
protagonista de um romance não tão badalado de Vargas Llosa, mas que li com
gosto e encantamento. Refiro-me a Otília, ou Lily, como é tratada, do livro
“Travessuras da menina má”, publicado em 2006.
Admito que a escolha é
subjetiva. Aliás, a Literatura tem muito (desconfio que tenha “tudo”) de
subjetividade. Associei a figura dessa garota ousada e voluntariosa, que
enlouqueceu de paixão o pacato Ricardo Somocurcio, a uma moça que conheci há
alguns anos, que agia igualzinho a ela. Fiquei hipnotizado por essa figura. Na
época, acreditei ter ficado apaixonado por aquela “garotinha má”, cuja maldade
consistia em prometer sem entregar. Até hoje não sei se me apaixonei de fato ou
se apenas acreditei que tenha me apaixonado. Sempre que me lembro desse
romance, todavia, ela vem-me à memória, de imediato,. Como que num processo
mnemônico, lembro não especificamente de Lily, mas da referida mulher que tanto
me intrigou. Portanto, não importa a razão, a “menininha má” é, sem sombra de
dúvida, minha personagem feminina inesquecível entre as tantas que Vargas Llosa
criou.
Ricardo (ou
“Ricardito”, ou “coisinha á toa”, ou “o menino bom”, como o autor o tratou), é
um peruano pacato, de comportamento simples, cujo maior sonho na vida era não
só conhecer Paris, mas morar na Cidade Luz. Em Lima, sua cidade natal, conheceu
Lily, nos anos 50, e se apaixonou por ela, ou julgou ter se apaixonado. Lá um
certo dia ele consegue emprego de tradutor da Unesco e segue para Paris, sede
desse organismo da ONU. Sem recursos financeiros para coisa melhor, consegue um
lugarzinho para morar (ou para se “esconder”), no sótão de um hotel na Rue
Saint Sulpice. Porém não reclama. Afinal... realizou seu sonho de viver em
Paris.
Tudo caminhava bem, até
que Ricardito, ou “o menino bom,”, como queiram, reencontra justamente quem?
Ela, sim, Lily, sua antiga, mas inesquecível paixão. E a “menina má”,
inconformista, aventureira e pragmática, justifica plenamente seu apelido. Faz
jogo de gato e rato com o cada vez mais apaixonado rapaz. Aparece do nada e
desaparece, da mesma forma, para desespero de Ricardo. Enquanto a paixão deste
raia ao delírio, a postura de Lily é de indiferença face o amor. No desenrolar
desse original romance, Vargas Llosa faz o leitor “viajar” por lugares famosos
do mundo: pela Paris revolucionária dos anos 60; por Londres do amor livre dos
anos 70; por Tóquio dos grandes mafiosos e pela Madri da transição política dos
anos 80.
Cabe, aqui, um
esclarecimento sobre o livro “Conversa no Catedral”. Pode parecer ao leitor
desavisado que cometi erro de digitação ao grafar seu título. Que em vez de
escrever “no”, no masculino, deveria ter escrito “na”, no feminino. Algumas
edições desse romance foram publicadas como no segundo caso, porém, da forma
errada, que à primeira vista parece a certa. Catedral, onde Vargas Llosa situa
parte do seu enredo não é nenhuma igreja, nenhum dos tantos templos católicos
de Lima. É um bar, com um que de bordel. Portanto, a conversa a que ele se
refere é a que se dá “no Catedral” e não “na Catedral”. Explicado?
Mas, voltando à minha
personagem feminina inesquecível na obra de Mário Vargas Llosa, não me furto de
exclamar: “Ah, perversa menininha má, que mexeu tanto com os sentimentos e com
a imaginação do ‘menino bom’!!! Ah, misteriosa menininha má (a do meu caso, a
real) que até hoje me desperta fantasias loucas e me deixa intrigado sobre se
isso que senti por você era amor ou mero capricho!!!” Como esquecê-las (a
ambas): à moça que um dia conheci (conheci mesmo?) e à figura feminina
magistralmente construída por Vargas Llosa?!
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