Sunday, November 15, 2015

Uma inesquecível menininha má

Pedro J. Bondaczuk

O escritor peruano, Mário Vargas Llosa – Prêmio Nobel de Literatura de 2010 – criou várias personagens femininas, com perfis, personalidades, ações e reações as mais diversas. Até aí, eu não disse nada de novo ou de original. Limitei-me ao óbvio. O escritor peruano conferiu, a muitas, papéis, digamos, de protagonistas, de figuras centrais nos enredos e não o de meras “figurantes”. Algumas são tão importantes que são citadas em títulos de muitos de seus 19 romances e cinco peças teatrais. De outras, menciona características que as identificam de cara. São os casos de “Tia Júlia e o escrevinhador”, de “História de Mayta”, de “Travessuras da menina má”, além de “A menina de Tacna”, “Kathie e o hipopótamo” e “La Chunga”, estas três últimas obras para serem encenadas no palco.

Perguntaram-me, dia desses, numa roda de amigos, quando o assunto referente à obra de Vargas Llosa veio à baila, qual personagem feminina das que ele criou era (na verdade é), para mim, inesquecível. Respondi, sem pestanejar, o óbvio: “Todas!”. Afinal, cada uma delas tem lá sua importância nos respectivos enredos em que aparecem. Meu interlocutor, todavia, foi mais insistente e exigente (diria que “chato”). Impôs-me, como condição, que eu escolhesse só uma, a que me venha automaticamente á memória, assim de imediato, quando o tema da obra do escritor peruano vem à baila.

A expectativa, pelo que depreendi, era que eu citasse Amália, por exemplo, ou Hortensia ou Queta, todas três personagens de seu romance mais famoso, “Conversa no Catedral”. Alguns dos amigos esperavam que eu mencionasse, como alternativa, a boliviana Júlia, do livro “Tia Júlia e o escrevinhador”. Todos erraram. Já que tinha que escolher uma única personagem feminina inesquecível, minha escolha recaiu sobre uma protagonista de um romance não tão badalado de Vargas Llosa, mas que li com gosto e encantamento. Refiro-me a Otília, ou Lily, como é tratada, do livro “Travessuras da menina má”, publicado em 2006.

Admito que a escolha é subjetiva. Aliás, a Literatura tem muito (desconfio que tenha “tudo”) de subjetividade. Associei a figura dessa garota ousada e voluntariosa, que enlouqueceu de paixão o pacato Ricardo Somocurcio, a uma moça que conheci há alguns anos, que agia igualzinho a ela. Fiquei hipnotizado por essa figura. Na época, acreditei ter ficado apaixonado por aquela “garotinha má”, cuja maldade consistia em prometer sem entregar. Até hoje não sei se me apaixonei de fato ou se apenas acreditei que tenha me apaixonado. Sempre que me lembro desse romance, todavia, ela vem-me à memória, de imediato,. Como que num processo mnemônico, lembro não especificamente de Lily, mas da referida mulher que tanto me intrigou. Portanto, não importa a razão, a “menininha má” é, sem sombra de dúvida, minha personagem feminina inesquecível entre as tantas que Vargas Llosa criou.

Ricardo (ou “Ricardito”, ou “coisinha á toa”, ou “o menino bom”, como o autor o tratou), é um peruano pacato, de comportamento simples, cujo maior sonho na vida era não só conhecer Paris, mas morar na Cidade Luz. Em Lima, sua cidade natal, conheceu Lily, nos anos 50, e se apaixonou por ela, ou julgou ter se apaixonado. Lá um certo dia ele consegue emprego de tradutor da Unesco e segue para Paris, sede desse organismo da ONU. Sem recursos financeiros para coisa melhor, consegue um lugarzinho para morar (ou para se “esconder”), no sótão de um hotel na Rue Saint Sulpice. Porém não reclama. Afinal... realizou seu sonho de viver em Paris.

Tudo caminhava bem, até que Ricardito, ou “o menino bom,”, como queiram, reencontra justamente quem? Ela, sim, Lily, sua antiga, mas inesquecível paixão. E a “menina má”, inconformista, aventureira e pragmática, justifica plenamente seu apelido. Faz jogo de gato e rato com o cada vez mais apaixonado rapaz. Aparece do nada e desaparece, da mesma forma, para desespero de Ricardo. Enquanto a paixão deste raia ao delírio, a postura de Lily é de indiferença face o amor. No desenrolar desse original romance, Vargas Llosa faz o leitor “viajar” por lugares famosos do mundo: pela Paris revolucionária dos anos 60; por Londres do amor livre dos anos 70; por Tóquio dos grandes mafiosos e pela Madri da transição política dos anos 80.

Cabe, aqui, um esclarecimento sobre o livro “Conversa no Catedral”. Pode parecer ao leitor desavisado que cometi erro de digitação ao grafar seu título. Que em vez de escrever “no”, no masculino, deveria ter escrito “na”, no feminino. Algumas edições desse romance foram publicadas como no segundo caso, porém, da forma errada, que à primeira vista parece a certa. Catedral, onde Vargas Llosa situa parte do seu enredo não é nenhuma igreja, nenhum dos tantos templos católicos de Lima. É um bar, com um que de bordel. Portanto, a conversa a que ele se refere é a que se dá “no Catedral” e não “na Catedral”. Explicado?  

Mas, voltando à minha personagem feminina inesquecível na obra de Mário Vargas Llosa, não me furto de exclamar: “Ah, perversa menininha má, que mexeu tanto com os sentimentos e com a imaginação do ‘menino bom’!!! Ah, misteriosa menininha má (a do meu caso, a real) que até hoje me desperta fantasias loucas e me deixa intrigado sobre se isso que senti por você era amor ou mero capricho!!!” Como esquecê-las (a ambas): à moça que um dia conheci (conheci mesmo?) e à figura feminina magistralmente construída por Vargas Llosa?!


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