Thursday, November 19, 2015

Amargo sentimento de permanente divisão


Pedro J. Bondaczuk

A visita que o secretário geral do Partido Comunista da Alemanha Oriental realiza, desde ontem, à parte Ocidental do país dividido, a despeito de se tratar de evento histórico, deve estar despertando os sentimentos mais contraditórios nos alemães dos dois lados. O próprio visitante, Erich Hoenecker, certamente vive um conflito íntimo muito grande. Afinal, nasceu no lado Oeste do território, que hoje é antagonista da parte que comanda. Sua terra natal, portanto, e tudo o que a liga a ela, sentimentalmente, passou a ser, para ele, por razões ideológicas, sua “inimiga” natural. Desde que o país foi dividido em dois, em 1945, ao cabo da Segunda Guerra Mundial, esta é a primeira vez que os líderes das duas Alemanhas se reúnem, com tempo e disposição para discutir suas enormes diferenças.

Não se pode esperar, portanto, que ambos troquem amabilidades, a não ser as protocolares de praxe. As reuniões entre os dois estadistas provavelmente serão tensas, duras, marcadas pela intransigência e por inúmeras queixas e recriminações mútuas. Todavia, a importância da visita está no fato dela pelo menos ter acontecido, o que não deixa de ser um avanço. Por que? Porque, com ela, está sendo aberto um canal direto de diálogo entre Bonn e Berlim Oriental que ambos, com certeza, tentarão não somente conservar, mas ampliar ao máximo.

Há, no entanto, os que vêem nessa visita outro aspecto, e este não tão positivo. O encontro representaria aceitação tácita, tanto da parte do chanceler alemão-ocidental Helmuth Kohl, quanto da do seu interlocutor comunista Erich Hoenecker, de algo que, a despeito de ser dura realidade, nenhum dos dois ousou jamais admitir como definitivo e imutável: a divisão da Alemanha em dois Estados, separados por ideologias e concepções de vida antagônicas e inconciliáveis. Se fosse possível penetrar na mente dos dois líderes e auscultar seus sentimentos, suponho que se detectaria que estes se caracterizariam, sobretudo, por frustração. Pela quase certeza de que o sonho de uma Alemanha unida, rica e poderosa, maior potência da Europa Ocidental, se torna cada vez mais remoto, quase impossível.

Fico imaginando o que cada um deles sentiu ontem, quando foram içadas duas bandeiras diferentes do que deveria ser um mesmo e único país e quando foram executados dois hinos nacionais distintos, símbolos enfáticos desse estúpido divisionismo. As emoções de ambos devem ter sido semelhantes, se não iguais. Provavelmente foram, principalmente, de frustração face essa “peça” que a História pregou no povo alemão. A fisionomia constrangida dos dois sugere que foi o que eles sentiram.

Quem sabe esse sentimento amargo os possa levar para o mesmo lado, para a execução de uma tarefa comum, mesmo que por caminhos antagônicos para tal: a da reunificação da Alemanha. A possibilidade disso acontecer, face à realidade atual, é remotíssima. É, virtualmente, missão impossível. Mas... as coisas mudam. As circunstâncias se alteram. A roda da história gira, e nem sempre com lógica. Quem sabe se em escassos anos, ou até mesmo em meses, o que hoje é tão improvável, não surpreenda o mundo e se transforme em realidade! Tomara que sim!


(Artigo publicado na Editoria Internacional do Correio Popular em 8 de setembro de 1987).

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