Monday, November 02, 2015

Fome no país da abundância



Pedro J. Bondaczuk


O Brasil é o país de contrastes extremos. Olhando pela janela do meu gabinete de trabalho e vendo as brincadeiras despreocupadas das crianças na rua de casa – umas empinando papagaios, outras andando de bicicleta, outras, ainda, correndo atrás de uma bola, talvez sonhando em ser um Romário, um Bebeto ou, quem sabe, até mesmo um Pelé – fico imaginando quantos desses pequenos sonhadores conseguirão transformar em realidade os seus sonhos.

Esses meninos e meninas que vejo, por sinal, são uns privilegiados, por mais humildes que possam ser suas famílias. Têm infância! O mesmo não se pode dizer de 7,2 milhões de brasileirinhos abandonados nas ruas das grandes cidades deste país-continente.

Dizem que a crônica deve ser sempre bem-humorada, mas não consigo sorrir diante desse quadro trágico de miserabilidade e abandono. Não há como. Hoje, o Brasil já conta com 32 milhões de excluídos da cidadania, que não batalham, em absoluto, para concretizar grandes sonhos, elevados ideais ou mesmo por uma vida modesta. Nem mesmo à esperança parecem ter direito. Lutam, tão-somente, pela sobrevivência.

Enquanto crianças coradas e sadias passeiam seus ingênuos sonhos debaixo da minha janela, há, neste momento, milhares de outras perambulando, maltrapilhas e famintas, sem eira e nem beira, sem passado, presente ou futuro, pelas ruas de Campinas, de São Paulo, do Rio de Janeiro etc. Driblam os carros, nos cruzamentos das grandes avenidas, com uma flanela nas mãos ou carregando limões, chocolates, frutas ou balas para vender, à cata de alguns trocados dos sempre apressados e em geral mal-humorados motoristas.

Alguns desses garotos e garotas sequer sabem onde estão ou o que fazem, drogados com cola de sapateiro, quando não outros tóxicos mais fortes, como a maconha, o crack e às vezes até cocaína. Há quem esteja à espreita dos mais incautos, ou indefesos, para lhes surrupiar a carteira ou seja lá o que for que possam furtar.

Estes, em geral, estão a soldo de marginais adultos, que os exploram. Que terrível infância a do abandono, do desamor, da ausência de perspectivas e de dignidade! Como escrever bem-humorado sobre isso?!!     

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 21 de outubro de 1993)


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