Fome
no país da abundância
Pedro J. Bondaczuk
O Brasil é o país de contrastes extremos. Olhando
pela janela do meu gabinete de trabalho e vendo as brincadeiras despreocupadas
das crianças na rua de casa – umas empinando papagaios, outras andando de bicicleta,
outras, ainda, correndo atrás de uma bola, talvez sonhando em ser um Romário,
um Bebeto ou, quem sabe, até mesmo um Pelé – fico imaginando quantos desses
pequenos sonhadores conseguirão transformar em realidade os seus sonhos.
Esses meninos e meninas que vejo, por sinal, são uns
privilegiados, por mais humildes que possam ser suas famílias. Têm infância! O
mesmo não se pode dizer de 7,2 milhões de brasileirinhos abandonados nas ruas
das grandes cidades deste país-continente.
Dizem que a crônica deve ser sempre bem-humorada,
mas não consigo sorrir diante desse quadro trágico de miserabilidade e
abandono. Não há como. Hoje, o Brasil já conta com 32 milhões de excluídos da
cidadania, que não batalham, em absoluto, para concretizar grandes sonhos, elevados
ideais ou mesmo por uma vida modesta. Nem mesmo à esperança parecem ter
direito. Lutam, tão-somente, pela sobrevivência.
Enquanto crianças coradas e sadias passeiam seus
ingênuos sonhos debaixo da minha janela, há, neste momento, milhares de outras
perambulando, maltrapilhas e famintas, sem eira e nem beira, sem passado,
presente ou futuro, pelas ruas de Campinas, de São Paulo, do Rio de Janeiro
etc. Driblam os carros, nos cruzamentos das grandes avenidas, com uma flanela
nas mãos ou carregando limões, chocolates, frutas ou balas para vender, à cata
de alguns trocados dos sempre apressados e em geral mal-humorados motoristas.
Alguns desses garotos e garotas sequer sabem onde
estão ou o que fazem, drogados com cola de sapateiro, quando não outros tóxicos
mais fortes, como a maconha, o crack e às vezes até cocaína. Há quem esteja à
espreita dos mais incautos, ou indefesos, para lhes surrupiar a carteira ou
seja lá o que for que possam furtar.
Estes, em geral, estão a soldo de marginais adultos,
que os exploram. Que terrível infância a do abandono, do desamor, da ausência
de perspectivas e de dignidade! Como escrever bem-humorado sobre isso?!!
(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio
Popular, em 21 de outubro de 1993)
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