Falta de “luz”
Pedro J. Bondaczuk
O
“País da Luz” é o título de um dos meus tantos livros de crônicas, a imensa
maioria inédita. Este também jamais foi publicado. Até hoje não entendo a razão de tê-lo
preterido quando surgiu a oportunidade de publicar nova obra. Na época, não lhe
dei o devido valor. Entendia que tinha coisas melhores, mais profundas e úteis,
para partilhar com o público. Deveria ter sido humilde e pedido a opinião de
alguém de bom gosto antes de tomar tal decisão. Mas... não pedi. Dia destes,
encaminhei a um amigo, crítico literário, pessoa que reputo como de vasto
conhecimento de Literatura, os originais (inéditos) do “País da luz”. Esperava
que ele viesse me soterrar com uma tonelada de imprecisões que acreditava que
viesse a encontrar no referido livro.
Enviei-lhe
esses textos justamente por conhecer sua fama de implacável crítico, desses
Caxias, que nunca fazem concessões a quem quer que seja, quando se trata de
qualidade. Para minha surpresa, recebi detalhado (e entusiástico) relatório,
apontando inúmeras virtudes que ele detectou no livro. Como deficiências
detectou, apenas, meros erros de digitação (simples troca de letras em
determinadas palavras, o que ele atribuiu, com razão, à pressa). Não deixou de
criticar, como se vê. Não criticou, porém, meu estilo, como eu esperava, nem os
temas abordados, ou as informações prestadas, enfim, o essencial: o conteúdo.
Criticou, isto sim, meu “relaxo” na revisão. Não deixou de ser chata, para mim,
essa constatação, já que no início da minha carreira jornalística fui revisor,
tido e havido como dos melhores pelos meus patrões. Pressa... Ah, como a
afoiteza é implacável inimiga da perfeição!
A
avaliação positiva do livro, todavia, e feita por alguém rigorosamente
credenciado a avaliar, com o critério requerido, obras literárias, comprovou-me,
entre tantas outras coisas, que quem escreve é o menos indicado para julgar o
que escreveu. É como um médico, por exemplo, querer curar as próprias doenças.
Raramente dá certo. A obra que eu julgava eivada de defeitos tinha, como
deficiência única, apenas reles errinhos de digitação, frutos de pressa e de
distração, que, certamente, o revisor da editora a que fosse encaminhada
localizaria e corrigiria num piscar de olhos, sem nenhum drama. Maldita
insegurança!!!
Quando
surgiu a oportunidade de publicar novo livro (na verdade, foram dois), a
editora queria que eles fossem de gêneros diferentes. Para o de contos, optei
por “Lance fatal” (e agora fico na dúvida se fiz, também, escolha correta. Desconfio que o indicado
deveria ser “Passarela de sonhos”). Já quanto ao de crônicas, fiquei na dúvida
se publicava “Cronos & Narciso” ou “País da Luz”. Minha intuição indicava
que deveria ser o primeiro. Hoje não sei se fiz a escolha adequada.
Provavelmente, não. O tal amigo detestou o livro que foi publicado. Garantiu
que se fosse consultado, indicaria, sem pestanejar, aquele que preteri. Achou
“Cronos & Narciso” um tanto pedante, mesmo reconhecendo méritos literários
mele. Mas desmanchou-se em elogios sobre “País da luz”.
Lembro
que este livro começou a nascer quando ouvi determinada canção de Chico Buarque
de Holanda (que nem é das suas composições mais conhecidas), que tem, em
determinado trecho, estes versos:
"A novidade
que tem
no Brejo da Cruz
é a criançada
se alimentar da luz".
Achei,
na ocasião, e acho muito mais ainda hoje, esses versos magníficos, verdadeira
pintura, posto que feita com este instrumento frágil (e que nos fornece tão
poucos recursos para criar) que é a palavra. Trazem uma carga poética imensa em
sua simplicidade. Despertam, sobretudo, nossa "imaginação". Ou seja,
nossa capacidade de transformar conceitos abstratos em imagens (que é o
significado do termo). E trazem um elemento essencial à vida (animal ou
vegetal), como a conhecemos, e à percepção do próprio mundo e de tudo o que nos
cerca: a luz.
Sabe-se
que nas profundezas abissais dos oceanos há um peixe que vive na absoluta
escuridão. Por não precisar, não tem olhos. Para quê? No ambiente escuro em que
habita não poderia mesmo ver! E a natureza é sumamente sábia....e prática. Não
faz nada que seja supérfluo. Qualquer órgão que não seja utilizado, finda por
se atrofiar, até desaparecer. O homem, por exemplo, tem vestígios de guelras,
herdadas dos antepassados que teriam vivido no mar. Hoje, esse órgão não teria
qualquer função para o ser humano. Daí ter se atrofiado a tal ponto de ser
quase imperceptível.
Todos
nos "alimentamos" de luz... Aqui ou no "Brejo da Cruz".
Mais ainda o artista, comprometido em reproduzir e, quando possível, criar
beleza. Ou em sugeri-la, para que o leitor, ou o apreciador de um quadro ou de
uma escultura, a projetem em imagem. Ou seja, "imaginem" um cenário
qualquer. Arte, portanto, é antes de tudo sugestão. É sempre, no mínimo, um
dueto. Requer uma parceria: a do autor e de seu consumidor. Jamais um mesmo
quadro, por exemplo, vai ser visto e interpretado da mesma forma por duas
pessoas. Ou um poema será sentido de maneira igual. Ou uma sinfonia despertará
idênticas emoções e fantasias. A arte é, em essência, coletiva.
Luz...Três
simples letrinhas no nosso idioma com significado, função e mistério tão
transcendentais! Nada a supera em velocidade (300 mil quilômetros por segundo).
Os cientistas ainda não definiram com precisão sua natureza. É matéria? É
energia? É ambos? Não é nenhum dos dois? Ninguém pode afirmar nada a seu
respeito. Seus raios são dotados de determinada quantidade de calor.
Concentrados (lasers ou masers), são poderosíssimos. Cortam uma chapa do mais
duro dos metais (titânio, aço, etc.) como se fosse um tablete de manteiga. Os
místicos associam-na à divindade ou à glória divina.
"Luz,
quero luz. Luz na janela, nas ruas, no mar, no coração de todo mundo. Luz na
cabeça dos que nos (des)governam". Estas palavras não são minhas. São de
uma crônica de Antônio Torres, publicada no caderno "Idéias", do
"Jornal do Brasil" do Rio de Janeiro, em 5 de janeiro de 1992, destas
que nunca perdem a atualidade. Ou seja, escrita em pleno verão, o período do
ano marcado pela descontração e pela alegria de viver. É a época em que, como a
criançada do Brejo da Cruz, quebramos nosso jejum nos "alimentando de
luz"... Da luz mental que me faltou ao manter inédito um livro com tão
valioso “atestado de qualidade”.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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