Monday, November 09, 2015

Inesquecível paixão por um mito de dois mundos

Pedro J. Bondaczuk

O romance “A casa das sete mulheres”, da gaúcha Leticia Wierzchowski, destaca não somente uma única personagem feminina inesquecível, como na maioria das histórias que tratei nesta minha já longa série, mas sete: Antônia, Caetana, Rosário, Ana, Perpétua, Manuela e Mariana. Como esquecer esse grupo heterogêneo, esse septeto confinado por toda uma década no interior da Estância da Barra, de difícil acesso para garantir sua segurança, propriedade do patriarca da família, Bento Gonçalves, mítico líder e herói da Revolução Farroupilha?! Sim, como? Todas as sete têm sua importância na história e o papel de protagonistas. Só quem não tivesse sensibilidade as esqueceria. Aliás, este sequer leria o primoroso romance histórico de Letícia, entre os melhores no gênero da rica Literatura brasileira.

A bem da verdade, não há apenas sete personagens femininas inesquecíveis no enredo, mas oito, pois não se pode esquecer de Anita Garibaldi, que embora praticamente não apareça na trama, é relevante, por conquistar Giuseppe Garibaldi, o mito, o grande herói de dois continentes, o inesquecível amor da vida de Manuela. Embora nas 509 páginas do romance – que a gente lê de um só fôlego, lamentando quando chega ao final, pelo atrativo e gostoso estilo da autora – Letícia trate das batalhas, conflitos, dificuldades e tudo o que cercou esse importante episódio da História do Brasil, sobretudo do Rio Grande do Sul, o foco central está, mesmo, naquelas sete mulheres. Está nos seus amores. Está nos seus ciúmes. Está em suas alegrias, tristezas, temores e expectativas e não de um único dia, de uma semana ou mesmo de um mês, mas de dez anos!!! Centra-se, por exemplo, nas incertezas e desencontros do relacionamento de Rosário e Steban. Ou na paixão incontida e enlouquecedora de Mariana e João Gutierrez. Enfim, nas esperanças e desesperos de todas aquelas sete mulheres. E, sobretudo, no amor de Manuela e Garibaldi, que a gente torce o tempo todo para que tenha um “happy end”, mas que termina em renúncia e saudade.

Apesar da objetividade de Letícia, todo esse conjunto de dramas e conflitos é narrado com realismo, é verdade, mas com ternura, de uma forma envolvente, delicada, pura, poética até. Sem nenhum exagero, “A casa das sete mulheres” é um imenso e bem composto poema épico. Embora as sete protagonistas sejam sumamente importantes, uma delas se destaca e, para mim, é a personagem feminina inesquecível, de fato e de direito (com a ressalva que se alguém eleger qualquer das outras seis, estará bem eleita). Refiro-me a Manuela.

A própria autora deixa esse destaque implícito ao dividir o livro em duas partes, que são intercaladas. Numa delas, relata como era a vida na Estância da Barra, com a ausência dos homens da casa. Na segunda, apresenta-nos o diário de Manuela, em que ela relata, na primeira pessoa, suas angústias, alegrias, sonhos de amor por Garibaldi, a quem ela hesitou em seguir, acabando, por conseqüência, por perdê-lo para sempre para Anita Garibaldi, que o seguiu até mesmo para a Itália, findo o conflito gaúcho, onde também se destacou na luta pela unificação daquele país. Em um de seus relatos, tão íntimos e pessoais, ela registrou: “Fui talhada para ser de um único homem, e serei dele eternamente. Mesmo que nunca nos casemos, mesmo que a guerra ou o destino o leve para longe de mim, permanecerei esperando-o até quando for necessário, até a eternidade”. E foi o que fez.

Em outro registro, Manuela detalha como perdeu Giuseppe Garibaldi e as conseqüências emocionais que sofreu com a perda: “Foram dias de um vazio cruel para mim. A proibição do nosso noivado me trouxe doenças e uma fraqueza que assustou minha mãe. D. Antonia preparou chás e compressas; eu não melhorava por teimosia. Não era justo que me obrigassem a casar com um primo que eu não amava enquanto Giuseppe tanto ardia em estar comigo. D. Antônia falou-me francamente que tinha pena daquele malogro amoroso, mas que era o único caminho e que um dia eu agradeceria a decisão de meu tio e de minha mãe”.

Mais adianta, Manuela acrescenta: “ Para a tia, havia o certo e o errado, nada fora disso. Respondi-lhe que ela mesma tinha conhecido a felicidade mui brevemente, e que dela se havia esquecido havia tempos, portanto eu a perdoava, mas que nunca mais seria feliz. E nem me casaria com outro que não fosse o meu Giuseppe. D. Antônia fitou-me com os olhos rasos d’água e não disse mais nada, restou em silêncio, aplicando compressas em minha testa febril. Muito depois, quando saía desse quarto, sussurrou: ‘Um dia, isso tudo passa, filha. Vosmecê vai ver’”. Passou e não passou. Restou a Manuela a lembrança de um amor frustrado, que nunca se perpetuou.

Pungentemente belo é mais este relato de Manuela, em seu diário, sobre como toda aquela saga de heroísmo, sangue e morte acabou: “Restei eu, como um fantasma, para narrar uma história de heróis, de morte e de amor, numa terra que sempre vivera de heróis, morte e amor. Numa terra de silêncios, onde o brilho das adagas cintilava nas noites de fogueiras. Onde as mulheres teciam seus panos como quem tecia a própria vida. Ah, mas isso tudo levou muito tempo, tempo demais… Naqueles dias, meus cabelos ainda estavam crescendo. Naquele tempo ainda tínhamos muitos sonhos”. Esse trecho, convenhamos, não comporta comentários ou observações. É ou não é um final adequado para um magnífico poema épico, posto que em prosa?!!!


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