Inesquecível paixão por
um mito de dois mundos
Pedro
J. Bondaczuk
O romance “A casa das
sete mulheres”, da gaúcha Leticia Wierzchowski, destaca não somente uma única
personagem feminina inesquecível, como na maioria das histórias que tratei
nesta minha já longa série, mas sete: Antônia, Caetana, Rosário, Ana, Perpétua,
Manuela e Mariana. Como esquecer esse grupo heterogêneo, esse septeto confinado
por toda uma década no interior da Estância da Barra, de difícil acesso para
garantir sua segurança, propriedade do patriarca da família, Bento Gonçalves,
mítico líder e herói da Revolução Farroupilha?! Sim, como? Todas as sete têm
sua importância na história e o papel de protagonistas. Só quem não tivesse
sensibilidade as esqueceria. Aliás, este sequer leria o primoroso romance
histórico de Letícia, entre os melhores no gênero da rica Literatura
brasileira.
A bem da verdade, não
há apenas sete personagens femininas inesquecíveis no enredo, mas oito, pois
não se pode esquecer de Anita Garibaldi, que embora praticamente não apareça na
trama, é relevante, por conquistar Giuseppe Garibaldi, o mito, o grande herói
de dois continentes, o inesquecível amor da vida de Manuela. Embora nas 509
páginas do romance – que a gente lê de um só fôlego, lamentando quando chega ao
final, pelo atrativo e gostoso estilo da autora – Letícia trate das batalhas,
conflitos, dificuldades e tudo o que cercou esse importante episódio da
História do Brasil, sobretudo do Rio Grande do Sul, o foco central está, mesmo,
naquelas sete mulheres. Está nos seus amores. Está nos seus ciúmes. Está em
suas alegrias, tristezas, temores e expectativas e não de um único dia, de uma
semana ou mesmo de um mês, mas de dez anos!!! Centra-se, por exemplo, nas
incertezas e desencontros do relacionamento de Rosário e Steban. Ou na paixão
incontida e enlouquecedora de Mariana e João Gutierrez. Enfim, nas esperanças e
desesperos de todas aquelas sete mulheres. E, sobretudo, no amor de Manuela e
Garibaldi, que a gente torce o tempo todo para que tenha um “happy end”, mas
que termina em renúncia e saudade.
Apesar da objetividade
de Letícia, todo esse conjunto de dramas e conflitos é narrado com realismo, é
verdade, mas com ternura, de uma forma envolvente, delicada, pura, poética até.
Sem nenhum exagero, “A casa das sete mulheres” é um imenso e bem composto poema
épico. Embora as sete protagonistas sejam sumamente importantes, uma delas se
destaca e, para mim, é a personagem feminina inesquecível, de fato e de direito
(com a ressalva que se alguém eleger qualquer das outras seis, estará bem
eleita). Refiro-me a Manuela.
A própria autora deixa
esse destaque implícito ao dividir o livro em duas partes, que são
intercaladas. Numa delas, relata como era a vida na Estância da Barra, com a
ausência dos homens da casa. Na segunda, apresenta-nos o diário de Manuela, em
que ela relata, na primeira pessoa, suas angústias, alegrias, sonhos de amor
por Garibaldi, a quem ela hesitou em seguir, acabando, por conseqüência, por
perdê-lo para sempre para Anita Garibaldi, que o seguiu até mesmo para a
Itália, findo o conflito gaúcho, onde também se destacou na luta pela
unificação daquele país. Em um de seus relatos, tão íntimos e pessoais, ela
registrou: “Fui talhada para ser de um único homem, e serei dele eternamente.
Mesmo que nunca nos casemos, mesmo que a guerra ou o destino o leve para longe
de mim, permanecerei esperando-o até quando for necessário, até a eternidade”.
E foi o que fez.
Em outro registro,
Manuela detalha como perdeu Giuseppe Garibaldi e as conseqüências emocionais
que sofreu com a perda: “Foram dias de um vazio cruel para mim. A proibição do
nosso noivado me trouxe doenças e uma fraqueza que assustou minha mãe. D.
Antonia preparou chás e compressas; eu não melhorava por teimosia. Não era
justo que me obrigassem a casar com um primo que eu não amava enquanto Giuseppe
tanto ardia em estar comigo. D. Antônia falou-me francamente que tinha pena
daquele malogro amoroso, mas que era o único caminho e que um dia eu
agradeceria a decisão de meu tio e de minha mãe”.
Mais adianta, Manuela
acrescenta: “ Para a tia, havia o certo e o errado, nada fora disso.
Respondi-lhe que ela mesma tinha conhecido a felicidade mui brevemente, e que
dela se havia esquecido havia tempos, portanto eu a perdoava, mas que nunca
mais seria feliz. E nem me casaria com outro que não fosse o meu Giuseppe. D.
Antônia fitou-me com os olhos rasos d’água e não disse mais nada, restou em silêncio,
aplicando compressas em minha testa febril. Muito depois, quando saía desse
quarto, sussurrou: ‘Um dia, isso tudo passa, filha. Vosmecê vai ver’”. Passou e
não passou. Restou a Manuela a lembrança de um amor frustrado, que nunca se
perpetuou.
Pungentemente belo é
mais este relato de Manuela, em seu diário, sobre como toda aquela saga de
heroísmo, sangue e morte acabou: “Restei eu, como um fantasma, para narrar uma
história de heróis, de morte e de amor, numa terra que sempre vivera de heróis,
morte e amor. Numa terra de silêncios, onde o brilho das adagas cintilava nas
noites de fogueiras. Onde as mulheres teciam seus panos como quem tecia a
própria vida. Ah, mas isso tudo levou muito tempo, tempo demais… Naqueles dias,
meus cabelos ainda estavam crescendo. Naquele tempo ainda tínhamos muitos
sonhos”. Esse trecho, convenhamos, não comporta comentários ou observações. É
ou não é um final adequado para um magnífico poema épico, posto que em
prosa?!!!
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