Saturday, November 14, 2015

Vargas Llosa ao sabor do acaso

Pedro J. Bondaczuk

O escritor peruano, Mário Vargas Llosa, é uma figura, no mínimo, polêmica. Escrever sobre ele é tão bom assunto quanto tratar especificamente de sua obra: prolífica, variada, em muitos aspectos inovadora e que (não há como negar, mesmo que se antipatize com sua pessoa, que não é meu caso) bem que merece uma entusiástica adjetivação: genial! Sei que adjetivar não é tido como bom estilo literário. Depende. Há casos em que a adjetivação não só se justifica, como é indispensável. O que se refere à obra de Mário Vargas Llosa é um deles. Mas... Deixa pra lá!

Quem me acompanha há algum tempo, nesta minha exposição diária nos vários espaços que freqüento na internet (que, felizmente, é em bom número) sabe da reverência que tenho por esse inquieto escritor peruano. É testemunha do quanto defendi que a Academia Sueca lhe concedesse o (merecido) Prêmio Nobel de Literatura até que, finalmente, em 2010, lhe foi, afinal, outorgado. Mário Vargas Llosa se tornou, dessa maneira, (antes tarde do que nunca) o quarto sul-americano (ao lado dos chilenos Gabriela Mistral e Pablo Neruda e do colombiano Gabriel Garcia Marquez) e o primeiro peruano a receber esse reconhecimento mundial. Vibrei quando foi premiado. Como vibrarei, muitíssimo mais, quando algum brasileiro vier a também ser reconhecido e receber seu Nobel de Literatura. Quando vier (se é que virá), será, todavia, com um atraso de mais de um século.

Esse homem público, brilhante, posto que polêmico, natural da cidade de Arequipa, segue, aos 79 anos de idade (completará 80 em 28 de março de 2016) mais ativo do que nunca. Já publicou dois novos livros depois da conquista do Nobel: “O herói discreto” (romance, em 2013) e “A civilização do espetáculo” (ensaio, em 2012). Muitos, no lugar dele, já dariam sua obra por concluída e não escreveriam e nem publicariam mais nada. No seu lugar, talvez eu agisse assim. Talvez... Mário Vargas Llosa começou sua jornada pelos caminhos das letras da mesma forma como muitos e muitos e muitos escritores também começaram e começam: pelo jornalismo. Bendita profissão, que é também a minha, tão sacrificada e pouco reconhecida!

No jornalismo, nosso personagem começou defendendo movimentos de esquerda que se espalhavam pela América Latina e pelo mundo, antes da onda de ditaduras de direita que varreu o mundo. Tudo isso mudou, todavia, em 1966, quando o jornalista-escritor (ou escritor-jornalista, como queiram) visitou a então União Soviética e ficou decepcionado (na verdade indignado) com o que viu. Na oportunidade, chegou a declarar que, se fosse russo, certamente estaria preso. A partir de então, passou a defender teses liberais e a combater, principalmente, o regime cubano, que antes defendera com tanto vigor. Parece que tomou gosto pela política. Tanto que, em 1990, lançou sua candidatura à presidência do Peru. Durante toda a campanha, liderou as pesquisas de opinião com margem que chegou a 80% das intenções de voto. Não poderia perder. Não havia como. Mas... perdeu. Foi derrotado por Alberto Fujimori, no segundo turno, e deu no que deu. Seu adversário, descendente de japoneses, foi deposto tempos depois e julgado por corrupção. Acabou preso. Não sei se ainda está no cárcere.

Provavelmente decepcionado com a inesperada e surpreendente derrota eleitoral, Vargas Llosa deixou o Peru. Aliás, foi mais radical: solicitou, e obteve, a cidadania espanhola. Fixou residência em Londres, onde vive e trabalha em possíveis novos livros. Forçando a memória, lembro-me, apenas, de um único escritor, antes dele, que decidiu concorrer à Presidência da República do seu país: Vaclav Havel, da antiga (e extinta) Checoslováquia. Não vale citar José Sarney, pois, quando ele resolveu se tornar “escritor”, já era político calejado e mourejado há muito tempo. Lembro que Victor Hugo foi senador na França. Jorge Amado elegeu-se deputado federal pelo Partido Comunista. Octávio Paz foi diplomata mexicano. Mas candidato à presidência não me lembro de nenhum outro escritor, que não seja Havel que, por sinal, ao contrário de Mário Vargas Llosa, se elegeu e fez um governo considerado muito bom.

Célebre foi a rixa – dizem que foi mesmo uma briga, com farta troca de sopapos -           que o escritor peruano manteve por décadas com outro gênio das letras latino-americanas, o colombiano (e também ganhador do Nobel de Literatura) Gabriel Garcia Marquez. Esse espetáculo de luta livre, entre dois gênios da Literatura, deu-se em 1976, no Cine Cortês, pequena sala de espetáculos de 200 lugares, situada na Calle de los Conquistadores, da Cidade do México. Ambos estariam “mamados”, após ingerirem doses cavalares de tequila. Pelo menos foi o que disseram testemunhas. Nenhum dos dois briguentos jamais tocou no assunto. Há inúmeras versões dessa briga. Diz-se que o motivo seria uma muchacha mexicana que caíra nas graças de Gabo. O filme que estava sendo exibido, na ocasião, era o clássico “Casablanca”.

O episódio foi deliciosamente narrado, em 2006, por Ivan Lessa, na versão eletrônica da “Revista Piauí”, em matéria intitulada “Trinta anos de bode”. Tenho a impressão (mas não certeza) que esses dois gênios das letras latino-americanas jamais se reconciliaram. Agora, que o “bode” (na expressão de Ivan Lessa) está prestes a completar quarenta anos, a reconciliação, caso não tenha mesmo ocorrido, não é mais possível. Afinal, há pouco mais de um ano (em 17 de abril de 2014) Gabo nos deixou. Antes, já vinha tendo freqüentes lapsos de memória. A briga, que poderia ter acabado com simples pedido de desculpas por parte de qualquer um dos dois, ou com um abraço ou mesmo com mero aperto de mãos, se tornou uma espécie de lenda envolvendo dois magníficos (e temperamentais) escritores.

Sem me aperceber, mudei radicalmente de rumo neste nosso “bate-papo” informal e diário (ou quase). A intenção era a de destacar uma, e uma única, personagem feminina inesquecível, das tantas que o peruano Mário Vargas Llosa criou em sua vasta obra ficcional. Todavia... conversa vai, conversa vem  e tudo resultou nisso que partilho, um tanto ressabiado, com vocês. Assim nascem crônicas, ensaios, novelas e romances... Assim,  espontaneamente, ao sabor do acaso.


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