Vargas Llosa ao sabor
do acaso
Pedro
J. Bondaczuk
O escritor peruano,
Mário Vargas Llosa, é uma figura, no mínimo, polêmica. Escrever sobre ele é tão
bom assunto quanto tratar especificamente de sua obra: prolífica, variada, em
muitos aspectos inovadora e que (não há como negar, mesmo que se antipatize com
sua pessoa, que não é meu caso) bem que merece uma entusiástica adjetivação:
genial! Sei que adjetivar não é tido como bom estilo literário. Depende. Há
casos em que a adjetivação não só se justifica, como é indispensável. O que se
refere à obra de Mário Vargas Llosa é um deles. Mas... Deixa pra lá!
Quem me acompanha há
algum tempo, nesta minha exposição diária nos vários espaços que freqüento na
internet (que, felizmente, é em bom número) sabe da reverência que tenho por
esse inquieto escritor peruano. É testemunha do quanto defendi que a Academia
Sueca lhe concedesse o (merecido) Prêmio Nobel de Literatura até que,
finalmente, em 2010, lhe foi, afinal, outorgado. Mário Vargas Llosa se tornou,
dessa maneira, (antes tarde do que nunca) o quarto sul-americano (ao lado dos
chilenos Gabriela Mistral e Pablo Neruda e do colombiano Gabriel Garcia
Marquez) e o primeiro peruano a receber esse reconhecimento mundial. Vibrei
quando foi premiado. Como vibrarei, muitíssimo mais, quando algum brasileiro
vier a também ser reconhecido e receber seu Nobel de Literatura. Quando vier
(se é que virá), será, todavia, com um atraso de mais de um século.
Esse homem público,
brilhante, posto que polêmico, natural da cidade de Arequipa, segue, aos 79
anos de idade (completará 80 em 28 de março de 2016) mais ativo do que nunca.
Já publicou dois novos livros depois da conquista do Nobel: “O herói discreto”
(romance, em 2013) e “A civilização do espetáculo” (ensaio, em 2012). Muitos,
no lugar dele, já dariam sua obra por concluída e não escreveriam e nem
publicariam mais nada. No seu lugar, talvez eu agisse assim. Talvez... Mário
Vargas Llosa começou sua jornada pelos caminhos das letras da mesma forma como
muitos e muitos e muitos escritores também começaram e começam: pelo
jornalismo. Bendita profissão, que é também a minha, tão sacrificada e pouco
reconhecida!
No jornalismo, nosso
personagem começou defendendo movimentos de esquerda que se espalhavam pela
América Latina e pelo mundo, antes da onda de ditaduras de direita que varreu o
mundo. Tudo isso mudou, todavia, em 1966, quando o jornalista-escritor (ou
escritor-jornalista, como queiram) visitou a então União Soviética e ficou
decepcionado (na verdade indignado) com o que viu. Na oportunidade, chegou a
declarar que, se fosse russo, certamente estaria preso. A partir de então,
passou a defender teses liberais e a combater, principalmente, o regime cubano,
que antes defendera com tanto vigor. Parece que tomou gosto pela política.
Tanto que, em 1990, lançou sua candidatura à presidência do Peru. Durante toda
a campanha, liderou as pesquisas de opinião com margem que chegou a 80% das
intenções de voto. Não poderia perder. Não havia como. Mas... perdeu. Foi
derrotado por Alberto Fujimori, no segundo turno, e deu no que deu. Seu
adversário, descendente de japoneses, foi deposto tempos depois e julgado por
corrupção. Acabou preso. Não sei se ainda está no cárcere.
Provavelmente
decepcionado com a inesperada e surpreendente derrota eleitoral, Vargas Llosa
deixou o Peru. Aliás, foi mais radical: solicitou, e obteve, a cidadania
espanhola. Fixou residência em Londres, onde vive e trabalha em possíveis novos
livros. Forçando a memória, lembro-me, apenas, de um único escritor, antes
dele, que decidiu concorrer à Presidência da República do seu país: Vaclav
Havel, da antiga (e extinta) Checoslováquia. Não vale citar José Sarney, pois,
quando ele resolveu se tornar “escritor”, já era político calejado e mourejado
há muito tempo. Lembro que Victor Hugo foi senador na França. Jorge Amado
elegeu-se deputado federal pelo Partido Comunista. Octávio Paz foi diplomata
mexicano. Mas candidato à presidência não me lembro de nenhum outro escritor,
que não seja Havel que, por sinal, ao contrário de Mário Vargas Llosa, se
elegeu e fez um governo considerado muito bom.
Célebre foi a rixa –
dizem que foi mesmo uma briga, com farta troca de sopapos - que o escritor peruano manteve por
décadas com outro gênio das letras latino-americanas, o colombiano (e também
ganhador do Nobel de Literatura) Gabriel Garcia Marquez. Esse espetáculo de
luta livre, entre dois gênios da Literatura, deu-se em 1976, no Cine Cortês,
pequena sala de espetáculos de 200 lugares, situada na Calle de los
Conquistadores, da Cidade do México. Ambos estariam “mamados”, após ingerirem
doses cavalares de tequila. Pelo menos foi o que disseram testemunhas. Nenhum
dos dois briguentos jamais tocou no assunto. Há inúmeras versões dessa briga.
Diz-se que o motivo seria uma muchacha mexicana que caíra nas graças de Gabo. O
filme que estava sendo exibido, na ocasião, era o clássico “Casablanca”.
O episódio foi
deliciosamente narrado, em 2006, por Ivan Lessa, na versão eletrônica da
“Revista Piauí”, em matéria intitulada “Trinta anos de bode”. Tenho a impressão
(mas não certeza) que esses dois gênios das letras latino-americanas jamais se
reconciliaram. Agora, que o “bode” (na expressão de Ivan Lessa) está prestes a
completar quarenta anos, a reconciliação, caso não tenha mesmo ocorrido, não é
mais possível. Afinal, há pouco mais de um ano (em 17 de abril de 2014) Gabo
nos deixou. Antes, já vinha tendo freqüentes lapsos de memória. A briga, que
poderia ter acabado com simples pedido de desculpas por parte de qualquer um
dos dois, ou com um abraço ou mesmo com mero aperto de mãos, se tornou uma
espécie de lenda envolvendo dois magníficos (e temperamentais) escritores.
Sem me aperceber, mudei
radicalmente de rumo neste nosso “bate-papo” informal e diário (ou quase). A
intenção era a de destacar uma, e uma única, personagem feminina inesquecível,
das tantas que o peruano Mário Vargas Llosa criou em sua vasta obra ficcional.
Todavia... conversa vai, conversa vem e
tudo resultou nisso que partilho, um tanto ressabiado, com vocês. Assim nascem
crônicas, ensaios, novelas e romances... Assim,
espontaneamente, ao sabor do acaso.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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