Wednesday, November 18, 2015

Ditaduras têm seus dias contados

Pedro J. Bondaczuk

Os povos da África, após prolongadíssimo período de hibernação mental, ditado primeiro pelo colonialismo predatório e posteriormente por uma descolonização tão ou mais desastrada do que foi o inferno colonial, estão despertando para a realidade. Voltam a almejar a liberdade, pelo menos aquela mínima, trivial, de poder escolher o que desejam fazer e o sistema social e político que pretendem integrar. Em alguns países, o processo tem sido traumático, caracterizado por guerras civis. Foram os casos recentes da Libéria, da Somália e da Etiópia, onde os ditadores foram derrubados por não compreenderem os sinais destes novos tempos.

Em outras partes, como Angola, por exemplo, caminha-se para a pacificação nacional, que os angolanos jamais conheceram, pelo menos no pós-guerra. Primeiro lutaram contra Portugal, para a obtenção da independência e, quando esta foi obtida, combateram entre si para saber quem iria mandar em quem. Há países africanos que, embora conflituosos, começam a divisar tênue réstia de “luz no fim do túnel”. São os casos específicos da África do Sul, onde o perverso apartheid passa pelos estertores que antecedem a morte, e Moçambique, onde o regime marxista se auto-renova, numa “perestroika” africana.

Muitos povos seguem se estraçalhando em explosões de fúria e ódio, como o Sudão e Ruanda, por exemplo, com guerras civis em pleno andamento. Outros conhecem o encantamento da descoberta, da recém-conquistada autonomia tão ansiada, como é o caso da Namíbia. Não se pode negar, todavia, que a África está em processo de transformação, de metamorfose, que na natureza, ou em termos de Estado, costuma ser dolorosa, sofrida, porém frutífera.

Os ventos liberalizantes, nesse contexto, não poderiam deixar de chegar também aos grandes países do continente. É o caso do Zaire, com 40 milhões de habitantes, que desde a morte de Patrice Lumumba está em busca de caminhos sob o jugo de um sanguinário e cínico ditador, Mobutu Sese Seko e catastrófica e prolongada permanência (há 26 anos) no poder. Sua atuação tem sido de tal sorte calamitosa, que os opositores zairenses no exílio, que residem nos Estados Unidos, chamam seu regime de “Cleptocracia”. Ou seja, de “governo de ladrões”. Mas como tudo na vida, quando não se renova cansa, a megalomania do general encastelado na presidência, também já cansou seus corruptos aliados.

O Zaire, a exemplo do Benin, Togo, Mali, Niger e República do Congo, pode estar em vias de um “golpe civilizado”. A oposição une-se para pressionar pela renúncia de Mobutu. Segue o exemplo de Madagascar, onde o truculento Didier Ratsiraka sobrevive no poder às duras penas, com o recurso do estado de emergência e do toque de recolher. E ainda assim, por pouco não o arranca no tapa do palácio presidencial, que chegou a ser, recentemente, invadido por uma multidão, sob os olhares complacentes de soldados que, sabiamente, se recusaram a atirar na sua própria gente.

Os ditadores, cujos tempos estão muito difíceis, conforme o presidente norte-americano George Bush avisou que seriam, precisam aprender a diferença entre poder e controle. Karl Wolfgang Deutsch, notável estudioso da ciência do comportamento, deu magistral lição nesse sentido, em entrevista que concedeu à revista IstoÉ, em 20 de agosto de 1980.

Ensinou: “Poder é a capacidade de produzir uma grande diferença numa situação da realidade. Controle é a capacidade de produzir a modificação que você deseja. O leão é um animal poderoso. Entretanto, não pode colocar uma linha numa agulha. O controle requer poder. O poder não é suficiente para alcançar os resultados que queremos”. Os ditadores, não apenas os africanos mas todos os que continuam infernizando a vida de seus povos, deveriam ter um “ataque de racionalidade”, por ínfimo que fosse, e se curvar à realidade. Se não têm, nada a oferecer às suas populações, que passem o bastão para governantes mais competentes, antes que se vejam forçados a fazê-lo e tenham que sair pela porta dos fundos do palácio presidencial, mas não para a liberdade ou mesmo para o exílio, porém para a masmorra, quando não o pátio de fuzilamento.


(Artigo publicado na editoria Internacional do Correio Popular, em 8 de agosto de 1991).

Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk                       

No comments: