Gorbachev com a palavra
Pedro J. Bondaczuk
O
presidente norte-americano, Ronald Reagan, em seu discurso proferido ontem nas
Nações Unidas, durante o quadragésimo aniversário de fundação da entidade
mundial, definiu, com uma clareza meridiana, quais são os pressupostos para que
as relações dos Estados Unidos com a União Soviética venham a melhorar e para
que a reunião de cúpula de Genebra surta algum efeito. E o principal deles é
que alguns povos da África e da Ásia (ele incluiu a América Central, citando a
Nicarágua), tenham o direito de escolher livremente seus governantes. Para
começar, sugeriu que esse processo seja implementado imediatamente em cinco
países onde, no seu dizer, "há grande necessidade e grande
esperança": Afeganistão, Camboja, Angola, Etiópia e Nicarágua.
Por
coincidência, todos eles caíram sob a influência soviética na segunda metade da
década passada. Em pelo menos três deles, tropas estrangeiras inibem a vontade
das respectivas populações e impedem a existência de qualquer espécie de
oposição política. E todos passaram a ter a condição que ostentam durante a
desastrosa gestão de Jimmy Carter na Casa Branca e a não menos comprometedora
passagem pelo Cremlin de Leonid Brezhnev.
Muitos
podem afirmar apressadamente que a condição imposta por Reagan para uma
distensão é típica de quem não deseja acordo algum. Afinal, provavelmente
argumentarão, tratam-se de regiões sumamente estratégicas, do ponto de vista
militar, para a União Soviética. O Afeganistão faz fronteira com o gigante
russo e a subida ao poder, nesse país, de um regime islâmico, que sofra a
influência dos xiitas iranianos, tenderia a provocar sublevações incontroláveis
entre os muçulmanos soviéticos, que hoje representam mais da metade da
população da URSS. O Camboja situa-se no estratégico vale do Rio Mekong e um
governo hostil aos vietnamitas poderia conduzir esse país a uma nova guerra. A
Etiópia domina o chamado "Chifre da África" e tornou-se indispensável
a Moscou após o presidente da Somália, Siad Barre, tornar-se aliado dos EUA.
Pela região passa praticamente todo o fornecimento petrolífero do Ocidente.
Angola, finalmente, está às portas da Namíbia, antiga colônia alemã, sob o
domínio da África do Sul, área detentora de imensas jazidas de minerais altamente
estratégicos, entre os quais o urânio. E a Nicarágua? Bem, essa é uma questão a
se discutir mais longamente, em outra oportunidade.
Entretanto,
os soviéticos teriam mesmo tanta necessidade de "colonizar" esses
quatro países supra-referidos? Angola, por exemplo, até 11 de novembro de 1975,
foi colônia portuguesa, quando obteve a independência mediante o Acordo de
Alvor. Moscou pôde muito bem sobreviver sem ela até dez anos atrás. Por que não
poderia agora? A Etiópia teve o regime marxista implantado após a ascensão de
Mengistu Hailé Marian ao poder, em 4 de fevereiro de 1976. O Camboja viu o
Khmer Vermelho, grupo responsável por um dos maiores genocídios dos tempos
modernos, correr espavorido ante as tropas vietnamitas em 7 de janeiro de 1979,
quando o governo títere de Hemg Samrim foi imposto ao seu povo. E o Afeganistão
foi invadido apenas na madrugada do Natal de 1979, quando Hafizullah Amin foi
fuzilado e o fantoche Babrak Karmal foi travestido de governante.
A
União Soviética passou muito bem desde que apareceu como nação, sem precisar
dominar esses países a até pouquíssimo tempo atrás. Por que razão não passaria
agora? Está aí um bom teste proposto por Ronald Reagan para avaliar a
sinceridade do líder Mikhail Gorbachev em Genebra. É claro que ele terá que dar
algo em troca. Não é sempre assim que tais negociações transcorrem? Se é para
se buscar um novo relacionamento entre as superpotências, a hora para isso
começar é agora mesmo. Que se mande os russos do Afeganistão para casa, os
cubanos de Angola de volta para Havana e os vietnamitas do Camboja de retorno
ao seu país. Que esses povos escolham por si sós seus condutores e os caminhos
que desejam seguir. A palavra está com Mikhail Gorbachev... Que responda se for
capaz.
(Artigo
publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 25 de outubro de
1985)
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