Friday, November 13, 2015

Gorbachev com a palavra


Pedro J. Bondaczuk


O presidente norte-americano, Ronald Reagan, em seu discurso proferido ontem nas Nações Unidas, durante o quadragésimo aniversário de fundação da entidade mundial, definiu, com uma clareza meridiana, quais são os pressupostos para que as relações dos Estados Unidos com a União Soviética venham a melhorar e para que a reunião de cúpula de Genebra surta algum efeito. E o principal deles é que alguns povos da África e da Ásia (ele incluiu a América Central, citando a Nicarágua), tenham o direito de escolher livremente seus governantes. Para começar, sugeriu que esse processo seja implementado imediatamente em cinco países onde, no seu dizer, "há grande necessidade e grande esperança": Afeganistão, Camboja, Angola, Etiópia e Nicarágua.

Por coincidência, todos eles caíram sob a influência soviética na segunda metade da década passada. Em pelo menos três deles, tropas estrangeiras inibem a vontade das respectivas populações e impedem a existência de qualquer espécie de oposição política. E todos passaram a ter a condição que ostentam durante a desastrosa gestão de Jimmy Carter na Casa Branca e a não menos comprometedora passagem pelo Cremlin de Leonid Brezhnev.

Muitos podem afirmar apressadamente que a condição imposta por Reagan para uma distensão é típica de quem não deseja acordo algum. Afinal, provavelmente argumentarão, tratam-se de regiões sumamente estratégicas, do ponto de vista militar, para a União Soviética. O Afeganistão faz fronteira com o gigante russo e a subida ao poder, nesse país, de um regime islâmico, que sofra a influência dos xiitas iranianos, tenderia a provocar sublevações incontroláveis entre os muçulmanos soviéticos, que hoje representam mais da metade da população da URSS. O Camboja situa-se no estratégico vale do Rio Mekong e um governo hostil aos vietnamitas poderia conduzir esse país a uma nova guerra. A Etiópia domina o chamado "Chifre da África" e tornou-se indispensável a Moscou após o presidente da Somália, Siad Barre, tornar-se aliado dos EUA. Pela região passa praticamente todo o fornecimento petrolífero do Ocidente. Angola, finalmente, está às portas da Namíbia, antiga colônia alemã, sob o domínio da África do Sul, área detentora de imensas jazidas de minerais altamente estratégicos, entre os quais o urânio. E a Nicarágua? Bem, essa é uma questão a se discutir mais longamente, em outra oportunidade.

Entretanto, os soviéticos teriam mesmo tanta necessidade de "colonizar" esses quatro países supra-referidos? Angola, por exemplo, até 11 de novembro de 1975, foi colônia portuguesa, quando obteve a independência mediante o Acordo de Alvor. Moscou pôde muito bem sobreviver sem ela até dez anos atrás. Por que não poderia agora? A Etiópia teve o regime marxista implantado após a ascensão de Mengistu Hailé Marian ao poder, em 4 de fevereiro de 1976. O Camboja viu o Khmer Vermelho, grupo responsável por um dos maiores genocídios dos tempos modernos, correr espavorido ante as tropas vietnamitas em 7 de janeiro de 1979, quando o governo títere de Hemg Samrim foi imposto ao seu povo. E o Afeganistão foi invadido apenas na madrugada do Natal de 1979, quando Hafizullah Amin foi fuzilado e o fantoche Babrak Karmal foi travestido de governante.

A União Soviética passou muito bem desde que apareceu como nação, sem precisar dominar esses países a até pouquíssimo tempo atrás. Por que razão não passaria agora? Está aí um bom teste proposto por Ronald Reagan para avaliar a sinceridade do líder Mikhail Gorbachev em Genebra. É claro que ele terá que dar algo em troca. Não é sempre assim que tais negociações transcorrem? Se é para se buscar um novo relacionamento entre as superpotências, a hora para isso começar é agora mesmo. Que se mande os russos do Afeganistão para casa, os cubanos de Angola de volta para Havana e os vietnamitas do Camboja de retorno ao seu país. Que esses povos escolham por si sós seus condutores e os caminhos que desejam seguir. A palavra está com Mikhail Gorbachev... Que responda se for capaz.

(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 25 de outubro de 1985)


Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk      

No comments: