Friday, November 06, 2015

Roleta russa universal


Pedro J. Bondaczuk


As superpotências, além de não conseguirem qualquer resultado prático nas negociações sobre armas nucleares, que se arrastam, em Genebra, e cujo segundo turno recomeçou no início desta semana, ainda estão em vias de um significativo retrocesso.

É que, a despeito de uma posição unânime contrária, por parte dos seus aliados da Organização do Tratado Norte, os Estados Unidos estão prestes a romper o Tratado Salt-2, firmado em 1979 pelo ex-presidente norte-americano, Jimmy Carter, e pelo ex-líder soviético, Leonid Brezhnev.

Embora esse acordo nunca viesse a ser homologado, ambas as partes (aparentemente) respeitaram, até aqui, os seus termos. Segunda-feira isso pode mudar. Há seis anos, quando o Salt-2 foi obtido, o mundo entendeu-o como avanço considerável no sentido de conter a corrida armamentista,  pelo menos no que se referia aos balísticos intercontinentais com ogivas múltiplas.

Através dele, ficou estabelecido que cada uma das partes poderia contar, no máximo, com 1.200 mísseis dessa espécie. No final do ano passado, a Casa Branca, e, mais especificamente, o Pentágono, já vinham ensaiando a sua ruptura, preparando, sutilmente, a opinião pública, especialmente a dos Estados Unidos, para esse desfecho.

Sempre que podiam, Reagan e Weinberger insinuavam que os soviéticos estavam violando o acordo, de uma maneira genérica, sem especificar datas, cifras e locais. É até possível que os russos não estejam, realmente, respeitando os termos do Salt-2.

Nesse caso, a opinião pública mundial merece mais esclarecimentos. Desde quando as violações vêm ocorrendo? Quais os tipos de mísseis novos que saíram das suas fábricas? Quantos eles são? Só respondendo a essas questões, com provas, evidentemente, será possível fazer pressão sobre o Cremlin e cobrar da URSS que honre a palavra empenhada. Ou, pelo menos, haverá um jeito de desmoralizar o pretenso pacifismo das autoridades soviéticas.

O que não se admite é que, para tornar viável o lançamento do novo submarino “Alaska”, os Estados Unidos decidam, sem esta ou mais aquela, fazer, simplesmente, vistas grossas ao acordo, mesmo que à revelia dos seus aliados. Se os soviéticos não vinham violando o Salt-2, passarão, certamente, a violar, contando, agora, com um sólido pretexto para isso. Se já não estavam respeitando os seus termos, vão se sentir descomprometidos, doravante, diante de idêntica atitude norte-americana. E a corrida armamentista, que já está em níveis paroxísticos, deverá, certamente, atingir velocidade ainda mais vertiginosa, literalmente impossível de ser freada.

As superpotências, portanto, além de estarem tapeando a opinião pública mundial, em conversações que ambas sempre souberam que chegariam ao impasse, e que não conduziriam a lugar algum, estão prestes a levar a sua insensatez ainda mais longe, jogando por terra uma das poucas conquistas, nesse perigoso e delicado terreno, dos últimos trinta anos. Até onde elas pretendem ir, ninguém jamais conseguirá atinar. É o que se pode chamar, com todas as letras, de “roleta russa”.

(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 8 de junho de 1985).


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