Escritora com “a China
nas veias”
Pedro
J. Bondaczuk
A escritora
norte-americana Pearl S. Buck foi uma figura notável, e não somente por sua
importância para a Literatura do seu país, do seu tempo, e do mundo, mas como
figura humana excepcional: idealista, batalhadora e exemplar. Trata-se de
personagem sobre a qual, há tempos, pretendia escrever, mas que, por um motivo
ou por outro, sempre fui protelando. Mas à medida que ia adiando essa
abordagem, colhia, mais e mais, informações sobre sua vida e sua obra. E
crescia, exponencialmente, meu fascínio e admiração por Pearl Buck. Creio, pois, que chegou o momento para tratar
dela, mesmo que não seja com a extensão e com o brilho que ela merece.
De cara, o que me
chamou a atenção, em particular, sobre ela foi o fato de, embora nascida nos
Estados Unidos (na cidade de Hillsboro, em 26 de junho de 1892), essa mulher
ter sido alguém que sempre trouxe “a China nas veias”. Creiam-me, não é
exagero. A escritora foi apaixonada por esse país. Foi influenciada por sua
cultura, por seus costumes e suas tradições, que não só assimilou, mas retratou
fielmente em sua vasta e admirável obra, sobretudo ficcional. Abordou, com
extrema sensibilidade, os vários contrastes culturais e sociais que essa
milenar civilização, a mais antiga que sobreviveu, tinha e ainda tem.
Desvendou, sobretudo ao Ocidente, muitos dos mistérios e costumes (para nós,
exóticos) desse país que é o mais populoso do Planeta, pois detém, sozinho,
pouco mais de um sétimo de toda a população da Terra (1,357 bilhão de
habitantes).
Pearl Buck foi parar na
China em fins do século XIX, em 1895, quando tinha, somente, três anos de
idade. Foi levada para lá pelo pai, missionário presbiteriano, de imensa
cultura, que dedicou a maior parte da sua vida à tradução da Bíblia do grego
para o chinês (o mandarim), sem se descuidar da sua principal missão, que era a
de evangelizar e prestar ajuda aos habitantes locais. Cresceu ali. Foi criada
naquele país. Frequentou escola chinesa até os quinze anos de idade, tendo por
preceptor um sábio confucionista. Foi apresentada, muito cedo, à dura realidade
chinesa, tendo trabalhado em um abrigo para mulheres escravas e prostitutas.
Estava tão identificada com a China que recebeu, até mesmo, um nome chinês: Sai
Zhen Zhu.
Por tudo isso, não
estranho que o foco de seus mais de 110 livros, entre romances, contos,
ensaios, além de dezenas de novelas de rádio, tenha sido, quase que
exclusivamente, esse país, que conhecia tão bem e pelo qual se afeiçoou tanto.
Afeiçoar, aliás, é dizer pouco. Na verdade, Pearl Buck apaixonou-se pela China!
A escritora completou sua educação nos Estados Unidos. Formou-se em Psicologia,
em sua terra natal, em 1914, mas regressou à sua segunda pátria, para lecionar
em uma escola presbiteriana local e cuidar da mãe doente. Em nova passagem
pelos EUA, obteve, ainda, mestrado em Literatura, em 1926, pela Universidade de
Cornell. A despeito da sangrenta guerra civil que então estraçalhava sua pátria
de adoção, regressou à China, ciente dos riscos que corria, sobretudo por causa
da hostilidade, por parte das facções em conflito, aos estrangeiros. Mas voltou
por sentir no íntimo que ali muita gente inocente precisava de sua ajuda.
Pearl Buck só deixou de
vez esse país tão problemático por haver sido expulsa dali, em 1934, pelos
nacionalistas, que tomaram o poder, oportunidade em que foi removida, primeiro
para o Japão e, posteriormente, para os Estados Unidos. Nunca mais lhe
permitiram regressar à China, onde viveu metade da vida, apesar das inúmeras e
sucessivas tentativas que fez para tal. Por estas e outras, nunca tive grande
apreço (na verdade, não tenho nenhum) pela imensa maioria dos políticos.
A última vez que Pearl
Buck tentou voltar à China foi alguns meses antes da sua morte (ocorrida em 6
de março de 1973, na cidade de Danby, aos oitenta anos de idade). Em vão! O
mundo vivia, então, o auge da chamada “guerra fria” e o poder era exercido, com
mão de ferro, por Mao-Tse-Tung. O argumento para a recusa foi o de que a
escritora era “agente imperialista”. Ora, ora, ora... No entanto, tudo indica
que, finalmente, os chineses estão prestes a lhe fazer justiça, mesmo que
postumamente. Até que enfim, as autoridades locais têm um sopro de
racionalidade, lucidez e bom senso. Notícias dão conta que a casa em que Pearl
Buck e sua família viveram, na cidade de Zhenjiang, nas proximidades de Xangai,
está sendo reformada e transformada em um museu em sua homenagem. Antes tarde
do que nunca.
Ufa! Como foi difícil
alguém entender que essa mulher inteligente, lúcida, idealista e batalhadora
promoveu, no Ocidente, a China e sua cultura muito mais do que qualquer medalhão
local, ou mesmo seu aparato oficial de propaganda, mesmo sem nunca contar com o
mínimo reconhecimento por parte das autoridades!!! Como prova dessa eficiente
divulgação, estão aí seus mais de 110 livros, muitos dos quais obras-primas da
literatura mundial – que lhe garantiram, inclusive, a conquista do Prêmio Nobel
de Literatura de 1945. Em torno de cinqüenta deles foram traduzidos e
publicados no Brasil, podendo ser encontrados nas boas bibliotecas e em vários
sebos, para quem queira adquiri-los – dos quais tratarei na sequência.
Ressalte-se e
enfatize-se, todavia, quantas vezes for necessário, que ninguém tratou, e em
tempo algum, com tamanha sensibilidade, capacidade de observação e interesse
humano, dos milenares problemas chineses – que só agora vêm sendo parcialmente
atacados pelas autoridades locais – do
que esta norte-americana que, reitero, sempre teve “a China nas veias”.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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