Tuesday, November 24, 2015

Escritora com “a China nas veias”

Pedro J. Bondaczuk

A escritora norte-americana Pearl S. Buck foi uma figura notável, e não somente por sua importância para a Literatura do seu país, do seu tempo, e do mundo, mas como figura humana excepcional: idealista, batalhadora e exemplar. Trata-se de personagem sobre a qual, há tempos, pretendia escrever, mas que, por um motivo ou por outro, sempre fui protelando. Mas à medida que ia adiando essa abordagem, colhia, mais e mais, informações sobre sua vida e sua obra. E crescia, exponencialmente, meu fascínio e admiração por Pearl Buck.  Creio, pois, que chegou o momento para tratar dela, mesmo que não seja com a extensão e com o brilho que ela merece.

De cara, o que me chamou a atenção, em particular, sobre ela foi o fato de, embora nascida nos Estados Unidos (na cidade de Hillsboro, em 26 de junho de 1892), essa mulher ter sido alguém que sempre trouxe “a China nas veias”. Creiam-me, não é exagero. A escritora foi apaixonada por esse país. Foi influenciada por sua cultura, por seus costumes e suas tradições, que não só assimilou, mas retratou fielmente em sua vasta e admirável obra, sobretudo ficcional. Abordou, com extrema sensibilidade, os vários contrastes culturais e sociais que essa milenar civilização, a mais antiga que sobreviveu, tinha e ainda tem. Desvendou, sobretudo ao Ocidente, muitos dos mistérios e costumes (para nós, exóticos) desse país que é o mais populoso do Planeta, pois detém, sozinho, pouco mais de um sétimo de toda a população da Terra (1,357 bilhão de habitantes).

Pearl Buck foi parar na China em fins do século XIX, em 1895, quando tinha, somente, três anos de idade. Foi levada para lá pelo pai, missionário presbiteriano, de imensa cultura, que dedicou a maior parte da sua vida à tradução da Bíblia do grego para o chinês (o mandarim), sem se descuidar da sua principal missão, que era a de evangelizar e prestar ajuda aos habitantes locais. Cresceu ali. Foi criada naquele país. Frequentou escola chinesa até os quinze anos de idade, tendo por preceptor um sábio confucionista. Foi apresentada, muito cedo, à dura realidade chinesa, tendo trabalhado em um abrigo para mulheres escravas e prostitutas. Estava tão identificada com a China que recebeu, até mesmo, um nome chinês: Sai Zhen Zhu.

Por tudo isso, não estranho que o foco de seus mais de 110 livros, entre romances, contos, ensaios, além de dezenas de novelas de rádio, tenha sido, quase que exclusivamente, esse país, que conhecia tão bem e pelo qual se afeiçoou tanto. Afeiçoar, aliás, é dizer pouco. Na verdade, Pearl Buck apaixonou-se pela China! A escritora completou sua educação nos Estados Unidos. Formou-se em Psicologia, em sua terra natal, em 1914, mas regressou à sua segunda pátria, para lecionar em uma escola presbiteriana local e cuidar da mãe doente. Em nova passagem pelos EUA, obteve, ainda, mestrado em Literatura, em 1926, pela Universidade de Cornell. A despeito da sangrenta guerra civil que então estraçalhava sua pátria de adoção, regressou à China, ciente dos riscos que corria, sobretudo por causa da hostilidade, por parte das facções em conflito, aos estrangeiros. Mas voltou por sentir no íntimo que ali muita gente inocente precisava de sua ajuda.

Pearl Buck só deixou de vez esse país tão problemático por haver sido expulsa dali, em 1934, pelos nacionalistas, que tomaram o poder, oportunidade em que foi removida, primeiro para o Japão e, posteriormente, para os Estados Unidos. Nunca mais lhe permitiram regressar à China, onde viveu metade da vida, apesar das inúmeras e sucessivas tentativas que fez para tal. Por estas e outras, nunca tive grande apreço (na verdade, não tenho nenhum) pela imensa maioria dos políticos.

A última vez que Pearl Buck tentou voltar à China foi alguns meses antes da sua morte (ocorrida em 6 de março de 1973, na cidade de Danby, aos oitenta anos de idade). Em vão! O mundo vivia, então, o auge da chamada “guerra fria” e o poder era exercido, com mão de ferro, por Mao-Tse-Tung. O argumento para a recusa foi o de que a escritora era “agente imperialista”. Ora, ora, ora... No entanto, tudo indica que, finalmente, os chineses estão prestes a lhe fazer justiça, mesmo que postumamente. Até que enfim, as autoridades locais têm um sopro de racionalidade, lucidez e bom senso. Notícias dão conta que a casa em que Pearl Buck e sua família viveram, na cidade de Zhenjiang, nas proximidades de Xangai, está sendo reformada e transformada em um museu em sua homenagem. Antes tarde do que nunca.

Ufa! Como foi difícil alguém entender que essa mulher inteligente, lúcida, idealista e batalhadora promoveu, no Ocidente, a China e sua cultura muito mais do que qualquer medalhão local, ou mesmo seu aparato oficial de propaganda, mesmo sem nunca contar com o mínimo reconhecimento por parte das autoridades!!! Como prova dessa eficiente divulgação, estão aí seus mais de 110 livros, muitos dos quais obras-primas da literatura mundial – que lhe garantiram, inclusive, a conquista do Prêmio Nobel de Literatura de 1945. Em torno de cinqüenta deles foram traduzidos e publicados no Brasil, podendo ser encontrados nas boas bibliotecas e em vários sebos, para quem queira adquiri-los – dos quais tratarei na sequência.

Ressalte-se e enfatize-se, todavia, quantas vezes for necessário, que ninguém tratou, e em tempo algum, com tamanha sensibilidade, capacidade de observação e interesse humano, dos milenares problemas chineses – que só agora vêm sendo parcialmente atacados pelas autoridades locais –  do que esta norte-americana que, reitero, sempre teve “a China nas veias”.


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