Sunday, November 22, 2015

Milenares mulheres inesquecíveis

Pedro J. Bondaczuk

A Bíblia faz referência a poucas mulheres. Por isso, as citadas nominalmente, até por sua escassa menção, são difíceis de serem esquecidas. Sem forçar muito a memória, algumas vêm, de imediato, à lembrança, quando o assunto vem á baila, como é o caso, por exemplo, de Eva, identificada, possivelmente de maneira metafórica, como a “mãe” da espécie humana. Ou como Sara, progenitora dos hebreus. Ou como sua escrava egípcia Agar, de quem descenderiam os árabes. Não é preciso pensar muito e nem ser expert nos textos bíblicos para se lembrar dessas mulheres.

Claro, elas não são as únicas. A mulher de Ló – a que foi transformada em estátua de sal, ao não atender à recomendação de não olhar para trás, quando ela e a família deixavam a área de Sodoma e Gomorra, destruídas por causa da corrupção de seus habitantes – é, não somente lembrada, mas tem inspirado até vários textos literários, em verso e em prosa, abordando sua imprudência, ou desobediência, ao longo do tempo. Eu mesmo já escrevi um poema tendo-a como figura central.

Outra mulher, citada na Bíblia, e que volta e meia é lembrada, é Raquel. O poeta português, Luiz Vaz de Camões, escreveu belíssimo soneto a seu propósito  Ela é descrita na Bíblia como moça de imensa beleza e de incontáveis virtudes, por quem o patriarca Jacó se apaixonou perdidamente. A tal ponto, que se dispôs a encarar os maiores sacrifícios para tê-la por companheira. Tanto, que trabalhou catorze anos para Labão, como servo não remunerado, apenas para ter o direito de desposá-la, conforme costume da época. Na verdade, foi enganado.

O trato era trabalhar somente sete anos. Mas o sogro, astuto e matreiro, tapeou-o direitinho. Ao cabo dos sete anos de trabalho combinados, deu-lhe, sim, uma de suas filhas por esposa, mas não a que Jacó queria. Concedeu-lhe, na verdade, Lia, por quem o patriarca hebreu não estava apaixonado. Este, todavia, inconformado com o logro, aceitou trabalhar outros sete anos, nas mesmas condições anteriores, para, finalmente, obter Raquel por esposa. E conseguiu. O amor... ah, o amor! O que não se faz por ele! Outras mulheres citadas na Bíblia, de que me lembro, sem sequer forçar a memória, são Jezebel, Salomé, Esther e... Judite.

Esta última chama-me, em particular, a atenção. Nomeia, inclusive, um dos livros deuterocanônicos do Velho Testamento da versão católica desta obra tão fundamental. Em seus 16 capítulos, narra como “uma piedosa viúva saiu da cidade em que morava, que estava sitiada por poderosas forças militares inimigas, e se dirigiu ao acampamento do exército agressor, na tentativa de fazer o que achava certo, e possível, para livrar seu povo de um iminente massacre. Com sua beleza, envolveu o comandante inimigo, Holofernes, que se embriagou durante um banquete, prevendo uma noite tórrida de amor, e teve a cabeça cortada por Judite, que não pensou em momento algum nos riscos que correria e nem nas conseqüências do seu ato”.

Essa narrativa gera, ainda hoje, controvérsias sem fim entre especialistas bíblicos. Uma corrente garante que se trata de mera história fictícia, uma espécie de romance da Antiguidade, composta com a finalidade específica de estimular o povo hebreu a resistir aos invasores e a lutar, para garantir a sobrevivência do seu Estado. Outra facção, todavia, afirma e insiste que esse livro, considerado apócrifo por algumas correntes religiosas, é relato fiel e verdadeiro de um acontecimento real. Portanto, seria histórico. Quem defende essa tese afirma que Judite não apenas existiu, mas não relutou em momento algum em arriscar a vida pelo bem do seu povo. Não porei minha mão “nessa cumbuca”, até porque essa não é minha especialidade. Mas seja como for, não deixa de ser uma história com profundíssimas lições a nos ensinar.

Há quem conteste o valor literário da Bíblia. Quem o faz, contudo, ou não a leu jamais ou, se a leu, não foi com a atenção que deveria. Não se trata, a rigor, de um único livro, como alguns desavisados a tratam, mas de toda uma biblioteca, posto que “compacta”, com obras de vários estilos e naturezas: de História do povo judeu, de poesia (os Cantares de Salomão), de filosofia (Provérbios), além de suas incomparáveis mensagens de formação espiritual. Abstraindo seu caráter sagrado (no qual acredito), posso assegurar, sem receio de engano, que não há nenhuma coleção de livros, de passado tão remoto, que sequer se lhe compare em importância, variedade e sabedoria. Não se restringe, como alguns pensam, a determinada religião específica, mas se trata da maior obra-prima literária já produzida pelo homem, precioso patrimônio da humanidade, que sobrevive, há milênios, resistindo ao surgimento e ao ocaso de inúmeras civilizações.


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