Milenares mulheres
inesquecíveis
Pedro
J. Bondaczuk
A Bíblia faz referência
a poucas mulheres. Por isso, as citadas nominalmente, até por sua escassa
menção, são difíceis de serem esquecidas. Sem forçar muito a memória, algumas
vêm, de imediato, à lembrança, quando o assunto vem á baila, como é o caso, por
exemplo, de Eva, identificada, possivelmente de maneira metafórica, como a
“mãe” da espécie humana. Ou como Sara, progenitora dos hebreus. Ou como sua
escrava egípcia Agar, de quem descenderiam os árabes. Não é preciso pensar
muito e nem ser expert nos textos bíblicos para se lembrar dessas mulheres.
Claro, elas não são as
únicas. A mulher de Ló – a que foi transformada em estátua de sal, ao não
atender à recomendação de não olhar para trás, quando ela e a família deixavam
a área de Sodoma e Gomorra, destruídas por causa da corrupção de seus
habitantes – é, não somente lembrada, mas tem inspirado até vários textos
literários, em verso e em prosa, abordando sua imprudência, ou desobediência,
ao longo do tempo. Eu mesmo já escrevi um poema tendo-a como figura central.
Outra mulher, citada na
Bíblia, e que volta e meia é lembrada, é Raquel. O poeta português, Luiz Vaz de
Camões, escreveu belíssimo soneto a seu propósito Ela é descrita na Bíblia como moça de imensa
beleza e de incontáveis virtudes, por quem o patriarca Jacó se apaixonou
perdidamente. A tal ponto, que se dispôs a encarar os maiores sacrifícios para
tê-la por companheira. Tanto, que trabalhou catorze anos para Labão, como servo
não remunerado, apenas para ter o direito de desposá-la, conforme costume da
época. Na verdade, foi enganado.
O trato era trabalhar
somente sete anos. Mas o sogro, astuto e matreiro, tapeou-o direitinho. Ao cabo
dos sete anos de trabalho combinados, deu-lhe, sim, uma de suas filhas por
esposa, mas não a que Jacó queria. Concedeu-lhe, na verdade, Lia, por quem o
patriarca hebreu não estava apaixonado. Este, todavia, inconformado com o
logro, aceitou trabalhar outros sete anos, nas mesmas condições anteriores,
para, finalmente, obter Raquel por esposa. E conseguiu. O amor... ah, o amor! O
que não se faz por ele! Outras mulheres citadas na Bíblia, de que me lembro,
sem sequer forçar a memória, são Jezebel, Salomé, Esther e... Judite.
Esta última chama-me,
em particular, a atenção. Nomeia, inclusive, um dos livros deuterocanônicos do
Velho Testamento da versão católica desta obra tão fundamental. Em seus 16
capítulos, narra como “uma piedosa viúva saiu da cidade em que morava, que
estava sitiada por poderosas forças militares inimigas, e se dirigiu ao
acampamento do exército agressor, na tentativa de fazer o que achava certo, e
possível, para livrar seu povo de um iminente massacre. Com sua beleza,
envolveu o comandante inimigo, Holofernes, que se embriagou durante um
banquete, prevendo uma noite tórrida de amor, e teve a cabeça cortada por
Judite, que não pensou em momento algum nos riscos que correria e nem nas
conseqüências do seu ato”.
Essa narrativa gera,
ainda hoje, controvérsias sem fim entre especialistas bíblicos. Uma corrente
garante que se trata de mera história fictícia, uma espécie de romance da
Antiguidade, composta com a finalidade específica de estimular o povo hebreu a
resistir aos invasores e a lutar, para garantir a sobrevivência do seu Estado.
Outra facção, todavia, afirma e insiste que esse livro, considerado apócrifo
por algumas correntes religiosas, é relato fiel e verdadeiro de um
acontecimento real. Portanto, seria histórico. Quem defende essa tese afirma
que Judite não apenas existiu, mas não relutou em momento algum em arriscar a
vida pelo bem do seu povo. Não porei minha mão “nessa cumbuca”, até porque essa
não é minha especialidade. Mas seja como for, não deixa de ser uma história com
profundíssimas lições a nos ensinar.
Há quem conteste o
valor literário da Bíblia. Quem o faz, contudo, ou não a leu jamais ou, se a
leu, não foi com a atenção que deveria. Não se trata, a rigor, de um único
livro, como alguns desavisados a tratam, mas de toda uma biblioteca, posto que
“compacta”, com obras de vários estilos e naturezas: de História do povo judeu,
de poesia (os Cantares de Salomão), de filosofia (Provérbios), além de suas
incomparáveis mensagens de formação espiritual. Abstraindo seu caráter sagrado
(no qual acredito), posso assegurar, sem receio de engano, que não há nenhuma
coleção de livros, de passado tão remoto, que sequer se lhe compare em
importância, variedade e sabedoria. Não se restringe, como alguns pensam, a
determinada religião específica, mas se trata da maior obra-prima literária já
produzida pelo homem, precioso patrimônio da humanidade, que sobrevive, há
milênios, resistindo ao surgimento e ao ocaso de inúmeras civilizações.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment