Histórias dignas de
recordar
Pedro
J. Bondaczuk
As histórias infantis,
os tais contos de fadas, estão, provavelmente, entre as melhores lembranças de
infância das pessoas da minha geração. Elas embalaram (pelo menos no meu caso),
meus sonhos de criança e provavelmente determinaram meu caminho na vida, instalando
em minha mente e em meu coração o gosto pela Literatura e, por conseqüência, a
determinação de me tornar escritor. Busquei proporcionar essa mesma satisfação
aos meus filhos, sobretudo às duas filhas mais velhas, e espero poder repetir
isso com meu netinho mais novo, o João Vítor. Espero... Estou consciente, no
entanto, de que terei que competir com a televisão, muito mais atrativa para a
atual geração do que possam ser minhas canhestras narrativas. Está aí excelente
desafio para eu encarar.
É verdade que nos
tempos atuais, com sua correria amalucada e, sobretudo, com a sucessão de
crises e mais crises de toda a sorte, que nos mobilizam, preocupam e não raro
amarguram, tornou-se coisa do passado um hábito, que era tão comum há cinqüenta
ou sessenta anos: o de contar histórias. Tive o privilégio de sonhar embalado
por elas e estas são lembranças que não troco por nenhuma outra da minha
infância (e, a rigor, de qualquer outra fase que vivi). Hoje, poucos,
pouquíssimos têm tempo, disposição, ou mesmo imaginação para contar historinhas
infantis, notadamente aquelas que atravessaram gerações, ao longo de pelo menos
dois séculos, aos filhos, quando estes estão na cama, para eles dormirem. Isso
sem falar, reitero, na concorrência da televisão. Ou, para ser mais atual, na
fixação dos “pequenos” por computadores, tablets, smartfones e outras tantas
engenhocas eletrônicas, cuja operação as crianças (algumas com apenas três anos
ou pouco mais, juro!) dominam como que. Sinais dos tempos.
Os meninos e meninas de
hoje só não são privados de histórias como “Chapéuzinho Vermelho”, “Os três
porquinhos”, “Cinderela”, “Branca de Neve” e centenas de tantas outras, porque
há muitos e muitos desenhos animados baseados nelas. Ainda assim, juro que as
crianças prefeririam ouvi-las de pais, avós, padrinhos, tios, tias etc.etc.etc.
de que gostam. Quando falo disso, muitos mal disfarçam um riso irônico ou fazem
piadas quase sempre de péssimo gosto. Provavelmente, não tiveram infância. Não,
pelo menos, aquela digna de recordar.
Alguns adultos, por
exemplo, quando questionados a respeito, arrolam inúmeras desculpas para não
terem esses momentos gratificantes de contato mais íntimo e amoroso com sua
prole. E isso quando se dignam a justificar. A maioria sequer leva esse
questionamento a sério. Muda de assunto quando se traz a questão à baila.
Alguns dos que se desculpam, alegam, em geral, cansaço, depois de um dia
exaustivo de trabalho, como se contar histórias aos filhos fosse alguma tarefa
cansativa, estafante, estressante e não um agradável momento mágico de
relaxamento e lazer para ambos. Não sabem o que estão perdendo.
Outros tantos alegam
que essa é uma atividade de responsabilidade de escolas. E desfiam,
invariavelmente, lamentações sem fim, apontando o quanto a educação da sua
descendência lhes custa caro, com a mensalidade da escola, livros, material
escolar, lanche etc.etc.etc. como se isso não fosse sua obrigação e que sequer
deveria ser mencionado. Boa parte dessas pessoas sequer sabe alguma história,
mesmo essas mais batidas e repetidas por guris de três anos, que as aprendem na
TV. Estes, quando crianças, não tiveram o privilégio de ouvir tais narrativas
feitas por quem gostavam de verdade. Se é que chegaram a gostar de alguém, o
que tenho sérias dúvidas.
Duvido que essas
pessoas sequer ouviram falar do dinamarquês Hans Christian Andersen, criador de
histórias maravilhosas, como “O patinho feio”, “O soldadinho de chumbo”, “A
pequena sereia” – que motivou o escultor Edvar Eriksen a produzir uma estátua
de bronze alusiva a este conto que desde 23 de agosto de 1913 dá as “boas
vindas” aos que chegam ao porto de Copenhague – ou essa pérola de poesia e
sensibilidade que é o conto “A pequena vendedora de fósforos”. Não têm a mais
remota noção do que estão perdendo. E, pior, privam seus filhos dessas
maravilhas. Se não conhecem Andersen, sabem menos ainda dos irmãos alemães
Jacob e Wilhelm Grimm, criadores de clássicos como “Branca de Neve”
(popularizado por Walt Disney), “João e Maria”, “A gata borralheira”,
“Rapunzel”, “Chapéuzinho Vermelho”, “Os músicos de Bremen”, “A bela adormecida”
e vai por aí afora.
Os sisudos
pesquisadores de Literatura raramente se dão conta de que essas histórias são
clássicos literários universais, muito mais relevantes do que tantos romances,
cujos autores veneram, mas que abordam (salvo exceções) apenas o que há de pior
e mais perverso na natureza humana. Presumo que não tiveram infância. Não pelo
menos aquela que desejo para meu neto e para todas as crianças, caracterizada
pelo amor, pelo carinho, por sonhos e fantasias e por tudo o que realmente vale
a pena e que um dia, na velhice, será algo maravilhoso de recordar. Afinal, o
que é a vida se não um conjunto heterogêneo de lembranças? Sim, o que é?!!!
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